Crise e comunicação

Gestão de crise: Brasil perdido em meio à pandemia do Coronavírus

Não bastasse o País estar enfrentando a maior crise dos últimos 150 anos, com a…

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Não bastasse o País estar enfrentando a maior crise dos últimos 150 anos, com a pandemia do Coronavírus, até agora o governo federal não entendeu que só a união das forças de especialistas em saúde, técnicos, políticos e demais poderes da República, num grande pacto, poderá contribuir para vencer a pandemia e as crises dela decorrentes. Como a crise econômica e até mesmo o divisionismo político.

O Brasil talvez seja o único país do mundo com elevado número de pessoas contaminadas e de mortes que tem um governo que puxa para um lado e governadores, prefeitos, Judiciário e Congresso puxando para outro.

O que significa isso? Que será muito difícil sair dessa crise sem um custo elevadíssimo em vidas humanas e em perdas na economia.

Desde o mês de março, quando o isolamento social começou a ser adotado por vários estados, o presidente da República e o grupo fiel e fanático de seguidores boicotam e atrapalham as ações de governadores e equipes médicas de infectologistas e especialistas em saúde.

O Gabinete de crise criado pelo governo federal em março, com 26 pessoas, pouca ou nenhuma contribuição trouxe à gestão dessa crise.

Em poucos dias dele não se ouviu mais falar. Sumiu, da mesma forma que apareceu. Até porque, nenhum comitê de crise tem capacidade de funcionar com eficácia, numa crise, com mais de dez a 12 pessoas, como recomendam especialistas.

O ideal são equipes pequenas, de extrema confiança da diretoria ou governo, selecionadas rigorosamente, com poder de decisão.

Abono salarial

Um das medidas certas que o governo tomou nesse momento foi o abono assistencial para pessoas desamparadas, por estarem desempregadas ou porque ficaram sem emprego agora; outros perderam renda nos negócios, no trabalho informal; ou por serem chefes de família também desempregados.

A Caixa tem feito um esforço monumental para fazer chegar esse abono lá na ponta, no interior do País, para mais de 50 milhões de pessoas, na faixa onde estão, realmente, os mais necessitados. É o que tem amenizado esse momento muito difícil para milhões de brasileiros.

Eventuais falhas que estão aparecendo no processo, inclusive fraudes, de certo modo eram previstas. Dada a dimensão da empreitada, até porque milhões de pessoas sequer tinham conta em bancos, já se sabia que eventuais transtornos iriam acontecer.

No âmbito econômico, há um entrave que o governo ainda não conseguiu resolver. As empresas que precisam de capital de giro ou de financiamento para tentar desafogar as finanças e preservar pelo menos parte dos empregos não estão tendo acesso fácil ao crédito.

Apesar da promessa do ministério da Economia de que haveria financiamento, o que se constata são principalmente pequenos e médios empresários se queixando de que os bancos exigem garantias acima da capacidade deles e acabam preteridos pela burocracia e pelas exigências rigorosas.

Mas as crises econômica e política são apenas agravantes desse momento. O vetor principal, como não poderia deixar de ser, está na área de saúde.

Tudo isso acontece no momento em que o País atinge a triste marca de 23 mil mortos pelo Coronavírus e 370 mil infectados (150 mil recuperados), até 21 de maio, tornando-se o 2º país do mundo em número de pessoas contagiadas pelo vírus.

Alguns estados estão com o sistema de saúde no limite, com dezenas de pessoas em estado crítico, esperando um leito com respirador nas UTIs.

A saúde perdida

Se a saúde concentra todas as atenções, o Brasil teve a crise agravada, quando o presidente demitiu o ex-ministro Mandetta, porque ele divergia da linha seguida pelo governante, contrário ao isolamento. O ministro assumiu a liderança do combate ao Coronavírus.

O presidente não escondia o desconforto com as medidas corretas, tomadas pelo ministro e cobrava a abertura econômica, boicotando as recomendações do ministro, que é médico, alinhadas com as orientações da OMS.

Afrouxar essa orientação significaria dar um sinal para todo o mundo sair à rua e comprometer a prevenção ao contágio.

Outro motivo de crise foi a pressão do presidente para que Mandetta assinasse um documento recomendando o uso nos hospitais de hidroxicloroquina e a cloroquina, remédios usados no tratamento da malária e que passaram a ser indicados nos casos mais graves do Coronavírus.

Esses medicamentos não têm, em qualquer lugar do mundo, eficácia comprovada no tratamento da Covid-19. Sendo ainda um remédio de risco, poderia acarretar efeitos colaterais, como problemas cardíacos, nos pacientes, como admitem infectologistas em outros países.

Recentemente, a reconhecida revista Lancet publicou um novo estudo mostrando que os dois produtos sozinhos ou combinados não têm benefícios comprovados no tratamento da Covid-19.

A pesquisa com 96 mil pacientes demonstrou, no grupo que ingeriu a droga, aumento no risco de morte por problemas cardíacos. É, portanto, incompreensível e perigosa a obsessão do presidente pela droga – até porque não é médico – que no fundo não tem relação com a cura.

Daí, Mandetta, como médico, se negar a assinar o protocolo de uso. O presidente só conseguiu o intento, após demitir o segundo ministro, o médico Nelson Teich em menos de 30 dias da posse, exatamente pelo mesmo problema. O resultado desse imbróglio foi a crise na área da Saúde se agravar, no pior momento para acontecer.

A falta de um líder

Desde o primeiro caso de Coronavírus no país, o presidente da República e, por extensão, uma gama de ministros que militam ao redor do presidente, não assumiram com a intensidade devida a gravidade da crise.

Além da falta de um líder nacional nesse momento, o presidente, várias vezes, deu sinais de que discordava do isolamento e queria a volta das atividades econômicas, navegando em sentido contrário ao do próprio ministério da Saúde e da orientação adotada em todo o mundo, durante a pandemia.

O processo chegou a tal nível que o STF resolveu dar um basta, atribuindo a autonomia aos governadores e prefeitos para determinar como o estado ou o municípios deveriam conduzir a reação à pandemia.

É notório que o grande insumo dessa crise é informação e comunicação. As pessoas estão com medo, inseguras, não sabem direito o que fazer.

Nos lugares onde a pandemia se agravou, principalmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Amazonas, Pará e Amapá já faltam leitos de UTI para pacientes mais graves.

Lamentável que tenhamos de aceitar brasileiros morrendo em casa, asilos ou em UPAs e enfermarias, sem a possibilidade de pelo menos serem medicados numa UTI, com os recursos apropriados.

O Brasil teve tempo para se preparar. Em janeiro, a pandemia se agravou na China. Por que, imediatamente, o governo federal e os governos estaduais não formaram equipes de gestão de crise, especializadas em Saúde – que deveriam funcionar 24 horas por dia, sete dias por semana e, desde então, tivessem planejado e se preparado para o cenário que hoje enfrentamos?

Em março, a Itália era o exemplo do que poderia acontecer quando se perde o controle da saúde e do grave risco dessa pandemia.

A disputa política entre direita e esquerda, tendo como cenário a pandemia e seus desdobramentos, não ajuda quem está precisando de assistência médica urgente, com leito, respirador e medicação, nos hospitais.

O Brasil já está sendo reconhecido no mundo como o país onde a gestão dessa crise está mal conduzida, indo para um caminho perigoso, de milhares de mortos, porque não existe uma ação coordenada do governo federal para amenizar o quadro.

Assim, cada estado ou município age sem uma coordenação geral, fazendo como julga melhor e dentro de suas condições financeiras.

No meio da tempestade, com o navio soçobrando, o comando da embarcação no nível federal está entregue a pessoas que aparentam não estar com foco na saúde, mas interessadas nos dividendos políticos e talvez na próxima eleição, sem manifestar pesar e nem dor pelo grande número de corpos que diariamente colocamos embaixo da terra. Lamentável, sob todos os aspectos.

João José Forni e Gestão de Crise

 João José Forni é jornalista, consultor de Comunicação e autor do livro “Gestão de Crises e Comunicação – O que Gestores e Profissionais de Comunicação precisam saber para enfrentar Crises Corporativas”. Editor do site www.comunicacaoecrise.com