Economia pessoal

Décimo terceiro é oportunidade para reeducação financeira

Como combinar disciplina e leveza para transformar o benefício de fim de ano em ponto de virada para o bolso

O fim do ano tem um poder curioso: enquanto a rotina muda, o clima das festas e confraternizações ocupa o calendário e a sensação de recomeço se espalha, surge também a vontade de revisitar a própria vida. Nesse movimento, o 13º chega como um dinheiro menos engessado e desperta a chance de consertar o que ficou pendente ao longo do ano e, para muita gente, esse “algo” é justamente a vida financeira.

Não é coincidência. O brasileiro até se preocupa com o futuro, mas tem dificuldade de transformar essa preocupação em hábito. O Raio X do Investidor da Anbima mostra que apenas 21% se consideram realmente organizados financeiramente, enquanto pesquisas do Banco Central, SPC Brasil e Serasa apontam que mais de 60% dos brasileiros não conseguem guardar nada do que ganham. É nesse contexto que o benefício de fim de ano aparece como oportunidade concreta — talvez a mais realista do ano — de iniciar uma mudança.

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Dois caminhos clássicos para começar 

Quando o assunto é reorganizar a vida financeira, duas abordagens costumam orientar os primeiros passos. Uma mais rígida e estruturadora, outra mais flexível e adaptada à vida real. Ambas têm muito a ensinar.

A primeira é representada pelo livro clássico O Homem Mais Rico da Babilônia, de George S. Clason. A proposta parte da disciplina: resolver dívidas, especialmente as de juros altos, como prioridade natural; organizar o orçamento; guardar ao menos 10% da renda como hábito e não como sobra. Dentro dessa visão, o 13º salário funciona como ferramenta estratégica de “limpeza financeira”: acelera o ajuste e abre espaço para reconstruir o futuro.

A segunda aparece em livros como o livro Dinheiro: Os Segredos de Quem Tem, de Gustavo Cerbasi, autor brasileiro renomado no assunto. Aqui, as finanças pessoais convivem com emoções. A lógica é de equilíbrio: dividir o 13º salário entre dívidas, despesas de janeiro e reserva; planejar presentes e viagens; adaptar o plano à realidade de cada família. É uma abordagem que busca sustentabilidade — não rigidez.

Capital de reorganização

O planejador financeiro Fábio Lopes Araujo reforça os fundamentos da abordagem clássica, mas amplia o entendimento sobre o papel do ganho extra. Para ele, o grande erro é enxergar esse dinheiro como “alívio temporário”. Ele defende que transformar o 13º em ponto de partida significa mudar sua função no ciclo financeiro familiar: em vez de respiro, ele vira “capital de reorganização”, um recurso que alivia distorções acumuladas ao longo do ano.

Fábio, que é Certified Financial Planner – um dos principais reconhecimentos internacionais na área, apresenta três movimentos centrais:

Correção estrutural: usar parte do valor para atacar dívidas caras, como cartão rotativo, cheque especial e crédito emergencial. Além de drenar o orçamento, os juros altos consomem energia emocional.

Prevenção: blindar as despesas previsíveis de janeiro. Para ele, o benefício funciona como uma redução de danos e protege o fluxo de caixa de impactos que já são certos.

Reserva de emergência: mesmo que pequena, ela marca o início da estabilidade. É o tijolo que separa quem vive apagando incêndios de quem começa a construir segurança.

No conjunto, esses três passos fazem do 13º um “reset financeiro”: não apaga erros, mas oferece condições para escrever o capítulo seguinte de forma mais estável. 

E para criar mais consistência no processo, o planejador sugere o exercício da construção de hábitos. “Reeducação financeira não nasce de grandes decisões. Ela nasce de pequenos rituais silenciosos: olhar extratos, revisar assinaturas, esperar 24 horas antes de comprar”, afirma.

Diagnóstico como bússola

A economista Ana Luiza Souza Mendes, doutora em Economia e sócia da Pool Consultores, complementa essa leitura com uma camada essencial: antes de escolher qual abordagem usar, é preciso saber onde se está.

Ela explica que nenhuma estratégia funciona — nem disciplinadora, nem flexível — sem um diagnóstico honesto das finanças: renda, gastos essenciais e supérfluos, dívidas, juros, prazos, compromissos e hábitos. É isso que determina a escolha.

Se a pessoa está endividada com crédito caro, Ana Luiza concorda que a abordagem rígida é a única capaz de interromper o efeito multiplicador dos juros e, com ele, a ansiedade e a sensação de perda de controle.

Mas, se o diagnóstico mostra alguém que se vira, paga tudo, mas vive no improviso, a linha flexível funciona melhor. Esse perfil precisa de método, não de aperto: reservar para janeiro, automatizar pagamentos, criar limites, iniciar uma reserva e organizar a vida financeira para evitar o caos mensal.

Ela também lembra que dezembro é carregado de simbolismo. “O fim do ano tem um componente emocional muito forte. Presentear e celebrar são legítimos, mas precisam caber na realidade financeira, não na impulsividade”, reforça. A economista também reforça as razões pelas quais muitos que tentam se reorganizar ficam pelo caminho. “O problema não é a matemática. É o comportamento. Sem maturidade financeira, a pessoa até sabe o que fazer — mas não sustenta.”

No fim, tanto o planejador financeiro Fábio quanto a economista Ana Luiza, chegam ao mesmo ponto: o 13º salário só vira oportunidade quando há intenção. Quando o hábito automático — receber, gastar, e deixar o problema para depois — dá lugar à decisão consciente de construir outra relação com o dinheiro.

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