Economia circular

Memória afetiva e moda sustentável movimentam brechós

Até 2030, a moda circular pode ultrapassar o fast fashion em faturamento, consolidando a mudança cultural que já se percebe nas araras e plataformas online.

Na infância de muita gente, roupa nova era artigo raro. Era comum vestir o que passava de um irmão para o outro, herdar sapatos dos primos ou usar aquele vestido que já tinha história em mais de uma família. O nome “sustentabilidade” ainda não existia, mas a prática de reaproveitar roupas fazia parte do cotidiano.

É dessa geração que vem a professora aposentada Margareth Marchioro Yunes, 61 anos, consumidora fiel de brechós em Goiânia. Ela lembra que, quando criança, era natural usar roupas e sapatos dos primos ou irmãos mais velhos. “Hoje chamam de sustentabilidade, mas para nós era simplesmente não desperdiçar”, conta. 

LEIA TAMBÉM

Justiça de Itumbiara determina que Meta reative perfil de brechó no Instagram e fixa indenização

Apaixonada por moda, ela encontra nos brechós a chance de expressar estilo e de realizar desejos antigos: “Nem sempre o que está na vitrine combina comigo. No brechó há espaço para todo gosto. Já encontrei Carolina Herrera, Vitor Hugo e Louis Vuitton. Às vezes é aquela peça que você namorou na loja e não conseguiu comprar. E lá está ela, te esperando”, avalia. 

Esse consumo, para Margareth, também é atravessado pela memória. Ela diz que segue, nas redes sociais, um brechó que vende camisolas antigas dos anos 1950 porque elas a lembram de uma peça que herdou da mãe: “Era muito linda, mas infelizmente não tenho mais. É um reencontro de lembranças.”

Os brechós só entraram na vida da secretária Sílvia Ribeiro, 44 anos, há pouco tempo. Ela entrou em uma loja de segunda mão pela primeira vez em 2020, carregando o peso do preconceito. “Achava que eram roupas velhas e gastas, até entrar em uma loja que parecia de shopping, com roupas impecáveis. Fiquei surpresa e, desde então, sempre estou garimpando.” 

Para ela, o que mais atrai é a combinação de preço, estilo, exclusividade e consciência ambiental: “Já realizei sonhos de consumo com peças que antes eram inalcançáveis. Mais do que a grife, é pela qualidade e durabilidade. E percebo que o brechó me ajuda a comprar de forma menos impulsiva, mais consciente.” Em uma ocasião, Sílvia lembra de uma blusa que desejava na juventude e que encontrou intacta anos depois em um brechó, pelo valor acessível. “Tenho até hoje, é como se fosse um presente do tempo”, recorda com satisfação. 

Economia sustentável

Histórias como as de Margareth e Sílvia se multiplicam em todo o Brasil. Hoje, as lojas com roupas usadas não é mais aquele espaço marginalizado, associado a roupas velhas e empoeiradas. Ele ocupa lugar de destaque na economia e na moda, consolidando-se como tendência, negócio e estilo de vida.

Segundo dados mais recentes do Sebrae e da Fecomércio, o Brasil já soma mais de 118 mil brechós ativos. Houve um crescimento de 31% nos últimos cinco anos entre 2018 e 2023 e de 50% só entre 2020 e 2021. Esse movimento se explica pelo encontro entre necessidade e propósito: de um lado, a crise econômica provocada pela pandemia da COVID-19 levou consumidores a buscar alternativas mais acessíveis; de outro, a preocupação ambiental fortaleceu a moda circular. Pesquisa da consultoria Boston Consulting Group (BCG) em parceria com o site Enjoei aponta que 70% dos consumidores compram em brechós motivados pela sustentabilidade e que 40% da Geração Z já incorporou essa prática ao seu estilo de vida.

Goiânia é palco da moda circular

Na capital goiana, os brechós se consolidaram não só como comércio, mas como movimento cultural e social. A franqueada Rosa Sousa, dona de três unidades do Peça Rara, lembra que no início enfrentou olhares desconfiados. “Tinha gente que perguntava se as roupas eram de pessoas mortas ou se não carregavam energia negativa. Hoje isso praticamente desapareceu, porque o público entendeu que é sobre dar novo valor a peças paradas e consumir de forma consciente.”

A chegada do Peça Rara ajudou a transformar essa percepção. Com lojas bem iluminadas, curadoria rigorosa e atendimento acolhedor, os consumidores perceberam que roupa de segunda mão também pode ter status de primeira escolha. Rosa conta que, no começo, muitos achavam que era um brechó de luxo, mas logo se surpreendiam ao ver preço acessível aliado a marcas de qualidade. O público que frequenta a rede, segundo ela, é majoritariamente feminino, entre 25 e 45 anos, com perfil familiar: “Nos fins de semana, vemos famílias inteiras comprando juntas. As mães olham roupas para si, os filhos experimentam, os maridos também garimpam. É um passeio completo.”

Espaço para crescer

Para Rosa, o setor ainda está “engatinhando”, mas a economia circular deve se tornar a forma predominante de consumo. “As pessoas já entenderam que não faz sentido descartar algo em perfeito estado. E grandes marcas estão se movimentando para acompanhar isso.”

As consumidoras Margareth e Sílvia, cada uma a seu modo, confirmam essa visão. Uma traz no corpo a memória de quando a roupa passava de geração em geração; a outra celebra o acesso a peças de qualidade e a quebra do preconceito. Juntas, representam um movimento que é afetivo, econômico e ambiental.

O mercado de roupas de segunda mão não é mais um nicho: ele já desponta como protagonista da moda global. Atualmente avaliado em cerca de US$ 190 bilhões, o setor deve dobrar até 2027, alcançando pelo menos US$ 350 bilhões, e pode chegar a US$ 422 bilhões até 2032. Há projeções ainda mais ousadas: segundo a Future Market Insights, o valor pode ultrapassar US$ 580 bilhões até 2035. Isso significa um crescimento anual acima de 10%, muito acima do varejo de moda tradicional, que avança em ritmo bem mais lento.

Essa aceleração traz um cenário inédito: até 2030, a moda circular pode ultrapassar o fast fashion em faturamento, consolidando a mudança cultural que já se percebe nas araras e plataformas online. Só em 2023, as vendas globais de roupas usadas cresceram 18%, somando US$ 197 bilhões, e já representam quase 10% de todas as vendas de moda no mundo. Nos Estados Unidos, o mercado de segunda mão cresceu 14% em 2024, com destaque para o comércio digital, que avançou 23% em um ano. Mais do que números, trata-se de um novo jeito de pensar o consumo: vestir-se já não é apenas sobre tendência ou status, mas também sobre consciência, memória e propósito.

Sílvia, que já superou o preconceito, resume em poucas palavras o convite a quem ainda resiste: “Ir conhecer não custa nada. Existem brechós com curadoria rigorosa, lojas lindas e peças impecáveis. Vale a pena investir. Faz bem ao bolso e ao meio ambiente.”

Um brechó perto de você

Confira a lista de alguns brechós da cidade para visitar e encontrar achados de moda e acessórios. 

  • Brechó Bagatela
    Um dos mais tradicionais da cidade, conhecido pelo garimpo variado que vai de roupas femininas e masculinas a acessórios e peças infantis. Também oferece opções vintage e aluguel de vestidos de festa.
    Instagram: —
    Endereço: Av. Goiás, 1191 – St. Central
  • Bazar D’Luxo
    Especializado em roupas e acessórios de grife, reúne marcas consagradas com preços acessíveis. É a pedida certa para quem busca luxo aliado ao consumo consciente.
    Instagram: @bazardluxo
    Endereço: Av. Goiás, 1234 – Centro
  • Brechó Nova Alternativa
    Espaço criativo que mistura moda retrô e atual, com peças exclusivas e garimpadas a dedo. A escolha ideal para quem quer se vestir com personalidade.
    Instagram: @brechonovaalternativaa
    Endereço: Av. Paranaíba, 988 – Centro
  • Empório Armário
    Brechó que funciona como outlet, sempre com novidades em roupas, calçados e acessórios. Fica em frente ao Sesc da Rua 15, e é famoso pelas promoções de achados a preços simbólicos.
    Instagram: @emporioarmario_
    Endereço: Rua 15, 263 – Centro (em frente ao Sesc)
  • Brechó Cabide
    Localizado no Setor Serrinha, aposta em curadoria criteriosa para roupas femininas, calçados e acessórios. O espaço é acolhedor e voltado a quem busca peças modernas e bem cuidadas.
    Instagram: @cabidebrechooficiall
    Endereço: Av. Rui Barbosa, Qd 6 Lt 15 – Setor Serrinha
  • Balaio de Gatas
    Brechó alternativo com estilo jovem e criativo. Oferece peças modernas, coloridas e estilosas, muito procuradas por quem gosta de moda com atitude.
    Instagram: @ballaio.degatas
    Endereço: Rua 24, 450 – St. Central
  • Peça Rara – Jardim Goiás
    Reúne roupas de marcas variadas, com curadoria e preços acessíveis, sempre em ambiente organizado e acolhedor. A curadoria garante peças de qualidade, de roupas do dia a dia a grifes, em um espaço amplo e bem localizado.
    Instagram: @pecarara.goianiajdgoias, @pecarara.goianiat9 e pecarara.goianiaparanhos
    Endereço: Rua 52, 832 – Jardim Goiás/ Av. T-9, 1753 – Jardim América /  Alameda Ricardo Paranhos, 411 – Setor Marista

LEIA TAMBÉM

Goiânia define metas para reciclar 50% do lixo até centenário em 2033

Encontro de Brechós reúne mais de 100 expositores neste domingo (24), em Goiânia