Nova plataforma de notas fiscais preocupa empresários em Goiânia
Novo sistema é obrigatório a partir de 1º de outubro para prestadores de serviços. Prefeitura fala em modernização, mas especialistas veem falhas e custo ao contribuinte

O que antes era rotina virou dor de cabeça para a empresária Marina Santos, dona de um salão de beleza na região Norte de Goiânia. No início do mês, o contador avisou que ela não poderia mais emitir notas fiscais pelo site da Prefeitura — serviço gratuito e estável há anos. Agora, precisará usar uma plataforma nova, de uma empresa que ela nem conhece.
O sistema novo será gratuito por apenas dois meses e, depois, cobrará uma taxa mensal entre R$ 39,90 e R$ 109,90. “Emitir nota fiscal é uma obrigação legal, e a partir do momento em que a Prefeitura deixa de oferecer o serviço gratuito e obriga o contribuinte a contratar outro, está dificultando o cumprimento da lei. E nos meses em que o movimento for fraco, se eu não conseguir pagar o software? Vou ficar impedida de emitir notas, de recolher impostos e de manter a empresa regularizada? Isso é um absurdo”, desabafa Marina.
LEIA TAMBÉM:
A insatisfação dela ecoa entre micro e pequenos empresários de Goiânia, que se viram diante de uma transição repentina. A Prefeitura apresentou a medida como parte de um processo de modernização e de adequação ao padrão nacional da Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e) — exigência que deve ser consolidada a partir de 2026 com a reforma tributária. No discurso oficial, a mudança traria eficiência, integração e inovação tecnológica. Na prática, tem provocado confusão, custo e insegurança.
Novo sistema e nova plataforma
Com o Decreto nº 2.824/2025, publicado em agosto, a gestão municipal instituiu um novo sistema de gestão e fiscalização do ISS que precisa ser seguido por todas as empresas prestadoras de serviço, exceto MEIs. O modelo anterior, gratuito e mantido pela própria Prefeitura, será descontinuado. Agora, cada contribuinte deverá contratar um emissor privado para gerar suas notas fiscais.
A “livre escolha” do contribuinte, porém, não aparece de forma clara no decreto nem na Instrução Normativa publicada no fim de setembro. Pelo contrário: o documento cita diretamente o Sistema Nota Control, da empresa Nota Control Tecnologia LTDA, contratada para a nova gestão do sistema fiscal — sem detalhar valores ou condições de adesão. O contribuinte não é obrigado a assinar o sistema de gestão de notas fiscais “indicado” pela prefeitura, poderá usar outra opção de sua preferência.
Pontos críticos
Ao analisar o decreto e a normativa, a advogada tributarista Jaciara Morgado encontrou pontos críticos. Ela explica que o município adotou o modelo da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), versão 2.04, datado de 2018 — um padrão que ficará obsoleto já em janeiro de 2026, quando o sistema nacional passa a valer. Em 2023 foi disponibilizada uma nova versão, a 3.00, que passará a ser o padrão obrigatório nacional.
Para Jaciara, não há ilegalidade na atualização nem se pode questionar a competência do município para criar normas próprias. O problema, diz, é o timing. “Causa estranheza que Goiânia tenha optado por um layout antigo justamente quando o país caminha para unificar o padrão nacional. A Secretaria da Fazenda ainda não confirmou publicamente o convênio com a Receita Federal, e isso pode obrigar o município a revisar tudo de novo quando o modelo nacional for implementado”, pontua.
Cautela com a livre escolha
A advogada alerta também que o contribuinte deve ter cuidado antes de contratar qualquer sistema, caso escolha não permanecer no Sistema Nota Control. “O contribuinte pode buscar outro emissor, desde que o sistema seja compatível com o modelo adotado pelo município”, explica.
O risco, segundo Jaciara, é se precipitar. “Quem contratar agora um software que não esteja preparado para o novo padrão nacional vai ter que mudar de novo em 2026, quando entram em vigor os campos exigidos pela reforma tributária. É gasto duplo e adaptação dobrada.”
No fim das contas, o que a Prefeitura chama de modernização soa, para o contribuinte, como transferência de custo e responsabilidade. Marina resume o sentimento de quem tenta manter o negócio regular: “A cada mudança, parece que a Prefeitura cria mais dificuldade para quem quer fazer tudo certo. A gente paga imposto, paga contador e agora vai ter que pagar até pra emitir nota”, desabafa a empresária.
Modernizar é preciso. Mas quando o avanço chega sem clareza, e o peso recai sobre quem sustenta a máquina pública, fica difícil acreditar que o progresso é mesmo para todos.
Você tem sugestões de pauta para a coluna Descomplicando? Envia um e-mail para descomplicando@maisgoias.com.br e participe ativamente desse espaço.
LEIA MAIS
Goiânia estima R$ 400 milhões em sonegação de ISS e firma parceria com Estado
Você pode ter dinheiro a receber e nem sabe: entenda a Nota Fiscal Goiana