Política

Bolsonaro tentará levantar suspeição de Celso de Mello em inquérito

Dois dias após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello ter divulgado…

Dois dias após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello ter divulgado vídeo de reunião ministerial alvo de investigação, o presidente Jair Bolsonaro publicou na manhã deste domingo (24) um trecho da lei de abuso de autoridade, no que foi entendido como um ataque direto à corte.

Bolsonaro tem esboçado uma estratégia de reação com assessores e aliados. Ele pretende intensificar a ofensiva contra Celso, relator do inquérito que apura se houve interferência política do presidente em investigações da Polícia Federal.

O intuito é argumentar que as decisões do decano não têm sido razoáveis, são exageradas e que têm motivações políticas para prejudicar o presidente. Isso criaria uma hipótese de suspeição.

Nas redes sociais, os ataques já começaram. Bolsonaro publicou reprodução de um artigo da lei 13.869, de 2019. “Art. 28. Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investiga ou acusado: pena – detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos”, mostrou a postagem

Bolsonaro também voltou às ruas neste domingo. Pela manhã, participou, sem máscara, de um ato com apoiadores na frente do Palácio do Planalto. À tarde, encontrou simpatizantes no Alvorada.

Divulgado na sexta-feira (22), o vídeo mostrou grande preocupação de Bolsonaro em ser destituído. O presidente da República revelou ainda contar com um sistema de informação particular, alheio aos órgãos oficiais, reforçando as indicações de ingerência política na PF, em especial no Rio de Janeiro.

Bolsonaro nega interferência, mas tentou forçar a substituição do chefe da corporação no estado quatro vezes em menos de um ano e meio. Segundo o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, o presidente fez pressões pela mudança em agosto de 2019 e em janeiro, março e abril deste ano.

Preocupação com investigações, desconhecimento sobre processos, síndrome de perseguição, inimigos políticos e fake news são alguns dos principais pontos elencados por pessoas ouvidas pela Folha para tentar desvendar o que há no Rio de Janeiro de interesse de Bolsonaro.

O presidente afirmou que policiais são as fontes dos dados que recebe justamente no momento em que autoridades investigam a denúncia do empresário Paulo Marinho. À Folha o ex-aliado e suplente do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) afirmou que a família do presidente soube antecipadamente de uma operação da Polícia Federal por um vazamento.

A avaliação é a de que a fala de Bolsonaro aumenta a suspeita em cima do caso. A reunião de 22 de abril, recheada de palavrões, ameaças de prisão, morte, rupturas institucionais, xingamentos e ataques a governadores e ao STF, foi tornada pública em sua quase integralidade.

A investigação que levou ao depoimento de Moro à PF e que provocou a análise e divulgação do vídeo foi aberta a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, e autorizada por Celso.

Os crimes investigados são: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra. De acordo com interlocutores do procurador-geral, Moro pode ser enquadrado nos três últimos, e Bolsonaro, nos seis primeiros.

Se Bolsonaro for denunciado, a Câmara aprovar o prosseguimento e o STF aceitar a abertura de ação penal, ele é afastado do cargo automaticamente por 180 dias.

A decisão de fazer um enfrentamento mais direto com Celso não é, no entanto, consenso no Palácio do Planalto. Há o receio de que ataques duros possam despertar sentimento de união da corte, estimulando uma resposta conjunta, o que seria prejudicial ao governo.

Em outra frente, preocupado com retaliações motivadas pela crítica feita pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, Bolsonaro pretende telefonar nesta semana para o presidente da corte, Dias Toffoli.

Na reunião, Weintraub disse que, se dependesse dele, colocaria “esses vagabundos todos na cadeia”, começando pelo Supremo. A crítica foi avaliada como grave por integrantes do tribunal.

A ideia é que, na conversa com Toffoli, Bolsonaro minimize a crítica do ministro, diga que não concordou com ela e reforce o respeito pela independência dos três Poderes.

Para falar à base bolsonarista, logo após a postagem como resposta ao STF neste domingo, Bolsonaro deixou o Alvorada de helicóptero, desembarcou no anexo da Vice-Presidência e seguiu para a praça dos Três Poderes, onde houve um ato em defesa do governo.

Alguns participantes carregavam cartazes contra o Congresso, o STF e a imprensa. Faixas mencionavam uma “ditadura do Supremo” e pediam a saída do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A maior parte das mensagens, porém, era de apoio ao presidente e sem ataques a instituições. Em atos com a presença de Bolsonaro, membros do Planalto têm solicitado que manifestantes não levem material contra os Poderes Legislativo e Judiciário.

De helicóptero, Bolsonaro sobrevoou a Esplanada dos Ministérios e deu voltas ao redor da praça.

Ao desembarcar, ele estava de máscara, mas a retirou na caminhada, contrariando regras do Distrito Federal. A multa em caso de descumprimento é de R$ 2.000.

O presidente voltou a causar aglomeração. Desta vez, não desceu a rampa do palácio, como em outros atos.

Cercado de seguranças, Bolsonaro estava acompanhado dos ministros Onyx Lorenzoni (Cidadania) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e dos deputados federais Hélio Lopes (PSL-RJ), Carla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF).

Desde o início da pandemia, Bolsonaro tem minimizado o impacto do coronavírus e se colocado contra medidas de distanciamento social, atitude que culminou na demissão de dois ministros da Saúde no intervalo de um mês, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.

Sobre mensagens do presidente que mostrariam que ele tentou interferir na Polícia Federal, Onyx afirmou que “isso é caso superado”. Em breve declaração durante o ato, o general Augusto Heleno falou, em relação à Covid-19, que “nós vamos ganhar essa guerra”.