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‘Cura gay é lamentável. Deus não renega nenhum filho’, diz bispo indicado para diálogo com católicos LGBTQIA+

CNBB indicou Dom Arnaldo Carvalheiro Neto

Em meio a um movimento inédito dentro da Igreja Católica brasileira, a CNBB indicou um bispo para atuar como ponte oficial com católicos LGBTQIA+, reforçando a mensagem de que vidas LGBTQIA+ importam e merecem acolhimento. A escolha de dom Arnaldo Carvalheiro Neto, responsável pela Diocese de Jundiaí, chamou atenção pelo discurso conciliador, considerado progressista para os padrões da instituição — e que inclui a afirmação firme de que “cura gay é lamentável” e precisa ser abolida.

“Deus não renega nenhum de seus filhos”

Em entrevista à Folha de São Paulo, dom Arnaldo tratou a homossexualidade como “orientação sexual” e a transexualidade como “identidade de gênero”, reforçando que ambas “não são escolhas individuais, mas realidades constitutivas de certas pessoas”. O bispo lembrou uma fala marcante do papa Francisco:

“Deus é Pai e não renega nenhum de seus filhos. O estilo de Deus é proximidade, misericórdia e ternura. Neste caminho não há pecado.”

Para grupos católicos LGBTQIA+, esse é um gesto importante de acolhimento institucional. No entanto, especialistas apontam que o discurso ainda carrega certa ambivalência, comum no meio religioso: acolher a pessoa, mas mantendo debates mais amplos sobre doutrina.

Especialistas veem avanço, mas reconhecem tensões

O antropólogo Jeferson Batista, doutorando na Unicamp e pesquisador do tema, afirma que a fala de dom Arnaldo reflete a própria complexidade da doutrina católica — que, ao mesmo tempo em que abre espaços para diálogo, ainda carrega heranças históricas como as ideias de Tomás de Aquino, que classificava a homossexualidade como “pecado contra a natureza”.

Mesmo assim, Batista aponta que não vê no movimento da CNBB qualquer tentativa de promover “cura gay” ou conversão sexual, especialmente por conhecer o perfil do bispo e da Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT+. Para ele, a nomeação é um passo institucional importante.

Bispo condena práticas de “cura gay”

Questionado sobre o tema, dom Arnaldo foi categórico: “A chamada cura gay é hoje refutada pela ciência. No Brasil, é proibida. É muito lamentável e deve ser abolida.”

Ele lembrou que o Conselho Federal de Psicologia veta qualquer método que prometa alterar orientação sexual, e que o Vaticano já orientou bispos a não apoiarem instituições que ofereçam essas práticas — ainda comuns em alguns segmentos religiosos.

Rede LGBT+ celebra abertura

Para a Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT+, a indicação de dom Arnaldo é um marco. Em nota, os coordenadores Camila Santos e Luis Fernando Rabello afirmaram que o principal ganho é a criação de um canal oficial de diálogo com a CNBB, que pode ajudar a aproximar dioceses que ainda resistem ao tema.

“A função do bispo pode abrir portas em regiões onde ainda não exista uma prática adequada de acolhida às realidades LGBT”, destacam.

“Todos são um só em Cristo”

Dom Arnaldo reforçou que a Igreja deve acolher pessoas LGBTQIA+ da mesma forma que acolhe qualquer fiel: “criatura e filho de Deus, destinatário de Sua graça”. Ele cita um dos princípios mais antigos do cristianismo:

“Não há judeu ou grego, escravo ou livre, homem ou mulher. Todos são um só em Jesus Cristo.”

Para o bispo, essa mensagem deve orientar a erradicação de todas as formas de discriminação, incluindo homofobia e transfobia — um posicionamento que ressoa com a expectativa de grupos católicos LGBTQIA+ e sinaliza um novo momento no diálogo entre fé, diversidade e acolhimento.