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Ex-secretário do Rio visitou presídio no dia do aniversário de traficante solto a mando dele – veja vídeo

O então secretário de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro, Raphael Montenegro, visitou o presídio…

O então secretário de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro, Raphael Montenegro, visitou o presídio de Gericinó pelo menos três vezes antes de conseguir a soltura do traficante Wilton Carlos Rabello Quintanilha, conhecido como “Abelha”, um dos líderes do Comando Vermelho. Montenegro foi preso na terça-feira (17), suspeito de fazer negociações espúrias com lideranças da facção, e exonerado do cargo.

Imagens exibidas primeiramente pela TV Globo, e posteriormente obtidas pela Folha, mostram que Montenegro esteve na prisão nos dias 23, 24 e 26 de julho. A determinação da soltura de “Abelha”, preso de alta periculosidade, foi uma das razões que embasaram a decisão que ordenou a prisão do agora ex-secretário. O traficante foi solto mesmo com um mandado de prisão em aberto contra ele.

No dia 23 de julho, segundo as investigações, Montenegro esteve no presídio para acompanhar uma partida de futebol entre os detentos. No dia seguinte, no aniversário de “Abelha”, o então secretário retornou ao presídio. Informações de inteligência indicam que ele autorizou a entrada de itens proibidos para a comemoração do aniversário, como bolo, refrigerantes e salgados.

No dia 26 à noite, Montenegro vai mais uma vez ao presídio, no período da noite, para tentar a liberação do traficante, que acaba solto apenas no dia seguinte. No dia 27 de julho, imagens mostram “Abelha” deixando o presídio e cumprimentando uma pessoa que estava num carro oficial, com escolta.

Segundo as investigações, Montenegro e os subsecretários Wellington Nunes da Silva e Sandro Faria Gomes, também presos na terça-feira, tentaram viabilizar o retorno de criminosos presos na Penitenciária Federal de Catanduvas, Paraná, para o Rio de Janeiro, para beneficiar a atuação do Comando Vermelho no estado.

O favorecimento teria como contrapartida a moderação no tráfico de drogas e nos conflitos armados em favelas. A investigação apura se Montenegro atuou recebendo vantagens financeiras ou se pretendia “elevar seu nível de influência na temática de segurança pública” no estado.

A investigação contra Montenegro começou em maio, após visita aos líderes do Comando Vermelho no presídio federal em Catanduvas. O movimento acendeu um alerta no Departamento Penitenciário Nacional em razão de seu ineditismo.

Escutas no presídio gravaram diálogos entre o ex-secretário e lideranças do Comando Vermelho. ​Nas conversas, Montenegro indica que deixaria de informar a polícia sobre atividades criminosas dentro da cadeia e demonstra respeito à história dos chefes da facção criminosa.

“Você o é um cara que, porra, talvez você seja o cara mais importante que o secretário de Segurança Pública no Rio”, disse o então secretário ao traficante Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, uma das lideranças da organização criminosa.

“A ideia é a gente usar essa possibilidade de vocês voltarem exatamente para mostrar isso. Não só entre nós, mas pros caras lá fora. Mostrar que, assim, o Comando [Vermelho] não é mais aquele Comando da guerra. O Comando quer vender as paradas dele, ter o lucro dele, que é mais barato pra vocês não ter guerra. Se vocês não precisarem de 400 fuzis, tiverem só 100, pra se defender, o lucro é maior, pô”, afirmou Montenegro a Luiz Cláudio Machado, conhecido como Marreta.

As falas de Montenegro constam na decisão do juiz federal Paulo Espírito Santo, do TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), responsável pelo caso em razão do foro especial do cargo de secretário.

Nas falas reproduzidas na decisão, o ex-secretário afirma não se importar com a influência dos líderes de facção no andamento do tráfico de drogas nas favelas em que atuam. Ele expunha ter como principal interesse um ambiente tranquilo nas cadeias do estado.

“O que vocês fazem do muro pra fora, cara, importa muito pouco pra gente. A nossa questão é a disciplina do muro pra dentro. Eu preciso entender se o Luiz Cláudio voltar, eu vou ter problema no sistema? Entendeu?”, disse o ex-secretário para Marreta.

Em algumas falas, Montenegro afirma inclusive que deixaria de passar para a polícia informações sobre as atividades criminosas que tivesse conhecimento dentro da prisão. O tema foi objeto de diálogo com Marcinho VP.

“Então assim, não é nem a área de vocês, mas assim, aquela secretaria lá também, com todo respeito, tem que maneirar naqueles relatório lá. Naquele extrato de inteligência, porque, um absurdo aquele extrato de inteligência lá”, queixou-se o traficante.

“Então Márcio, a gente, a gente tá aqui exatamente para não mandar o mesmo relatório que a gente manda há 20 anos pra VEP [Vara de Execuções Penais]. (…) O próximo relatório que o juiz da VEP receber, é o relatório que eu vou confeccionar não pelas informações que eu recebi, é pela conversa que eu tive com você”, disse Montenegro, segundo a transcrição.

O traficante Marreta também foi informado sobre esse acordo, segundo as transcrições.

“A gente já conversou com colegas, com irmão seus, e falaram: ‘Ó, estado tal é fulano, estado tal é de ciclano, Peru… Tem braços no Peru, no Paraguai’. Eles falam e não sai da nossa relação, eu não vou pegar e ‘Ó Polícia, tá aqui ó’…”, disse o ex-secretário.

Na conversa com Fabiano Atanásio, conhecido como FB, o ex-secretário disse que respeita as regras da facção criminosa.

“A gente não tá aqui pra mudar o Comando Vermelho. Comando Vermelho é o Comando Vermelho. Vocês têm lá seu estatuto, vocês têm as regras, e a gente respeita tudo isso”, afirmou o ex-secretário, segundo a decisão.

Ele também relata a Marreta um diálogo que disse ter tido com um traficante conhecido como Charles. Segundo o ex-secretário, ele foi alertado sobre o que considerou um excesso no tráfico de crack em áreas de Duque de Caxias, cidade da Baixada Fluminense.

“A gente cobrou do Charles: ‘Pô Charles, tá tendo problema com o crack aí na sua região’. Ele falou: ‘Pô, o crack é minha boca mais rentável’. ‘Então tá tendo um problema, vamos resolver?’ Não vou falar pra você parar, não vou te proibir de vender crack. Eu nem posso fazer isso, se eu pudesse eu proibia (…) É o diálogo, é o diálogo… Então assim, aí o chefe falou, ‘Vou diminuir essa parada’”, relatou Montenegro a Marreta.

Na mesma conversa, o então secretário afirmou que “o Estado é sempre maior que a facção”. Mas abriu uma margem para negociação com a liderança do grupo criminosos.

“A questão é a seguinte: o que vocês querem? Vocês querem vender tua parada na boa, ter seu lucro e tocar a vida?!”, disse ele.

Além dos diálogos, a Procuradoria afirma que Montenegro criou uma nova atribuição em sua pasta para assumir o papel de classificação de periculosidade de criminosos. Para o Ministério Público Federal, isso permitiria ao secretário facilitar a transferência de presos.