RIO DE JANEIRO

Novo relatório muda versão sobre objetivo da operação no Jacarezinho

Um relatório de inteligência produzido pela Polícia Civil após a operação na favela do Jacarezinho,…

Um relatório de inteligência produzido pela Polícia Civil após a operação na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, exclui do rol dos objetivos da ação o combate ao aliciamento de menores pelo Comando Vermelho.

Elaborado neste domingo (9), o relatório sobre a Operação Exceptios (como foi chamada a operação mais letal da história do estado) afirma que o único objetivo da mobilização policial era o cumprimento de 21 mandados de prisão expedidos pela 19ª Vara Criminal contra acusados por associação ao tráfico de drogas.

O grupo foi denunciado com base em fotos com armas postadas em redes sociais.

Procurada, a Polícia Civil afirmou que há outros inquéritos em curso na DCAV (Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima) para apurar a prática de “aliciamento de crianças e adolescentes para integrar a facção que domina a comunidade do Jacarezinho e sequestros de trens da Supervia, por exemplo, entre outros”.

“A Polícia Civil esclarece que as investigações não necessariamente precisam estar vinculadas a um mesmo inquérito. No caso específico do Jacarezinho, são várias informações e trabalhos de investigação e inteligência que basearam a operação. É importante reforçar ainda que, em operações policiais, é comum que os agentes aproveitem para checar denúncias e informações de inteligência”, afirma a corporação, em nota.

Tanto em comunicado à imprensa como na entrevista coletiva, a corporação afirmou que o objetivo da incursão na favela era a ampliar a apuração sobre aliciamento de menores, homicídios, sequestros de trem e roubo. Não há menção a esses crimes no novo documento da Polícia Civil.

O delegado Felipe Cury, diretor do Departamento Geral de Polícia Especializada, afirmou que a apuração prévia à operação mostrou crimes graves “conexos ao tráfico de drogas” como homicídios, aliciamento de menores, sequestros de composições da Supervia e roubos.

“A investigação não é o tráfico por si só. Há uma série de crimes conexos ao tráfico de drogas que precisam ser investigados. Investigamos o tráfico, mas no trabalho de inteligência descobrimos uma série de crimes que os traficantes realizam”, disse Cury.

A íntegra do inquérito que motivou a denúncia contra os 21 alvos da operação mostra que o envolvimento da DPCA (Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente) se deu em razão da transferência do delegado Pedro Bittencourt da 25ª DP (Méier), onde a investigação transcorria, para a unidade especializada.

A transferência do caso ocorreu em setembro de 2020. Ela foi encerrada em abril de 2021, com 23 indiciados por associação ao tráfico de drogas e organização criminosa. O Ministério Público denunciou 21 apenas pelo primeiro crime —não há nos autos explicação para a exclusão de dois indiciados da acusação. A Justiça decretou a prisão no dia 28 de abril.

Essa investigação começou em maio após dois policiais militares da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do Jacarezinho terem informado à 25ª DP sobre informações de perfis de supostos integrantes da quadrilha que atuavam na favela.

A partir dessa informação, 90 perfis foram analisados até se chegar aos 23 indiciados pela DPCA.

Entre os 21 denunciados, um é descrito como “vapor”, membro de baixo escalão do tráfico responsável pela distribuição e venda de drogas, e os 20 demais são apontados como “soldados”, como são denominados pela integrantes das facções que fazem a vigilância das áreas em que atuam e fazem o primeiro enfrentamento à polícia.

A operação no Jacarezinho acabou com 28 mortos, sendo um policial e 27 pessoas que, de acordo com a polícia, atiraram contra os agentes que participavam da incursão. Ela se tornou a ação mais letal da história do Rio de Janeiro, estado em que a polícia mais mata no país.

O Ministério Público afirmou que está realizando uma investigação independente do caso. Familiares dos mortos e moradores do Jacarezinho foram ouvidos nesta segunda-feira (10) por promotores do caso.

A Folha revelou nesta segunda que os registros de ocorrência das mortes provocadas por policiais indicam que a Polícia Civil descumpriu a determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) de evitar a remoção de vítimas das ações policiais.

Os documentos e registros dos hospitais sugerem que 25 das 27 vítimas de policiais foram retirados pelos próprios agentes do local das mortes. Em apenas uma ocorrência, com duas mortes, há referência a remoção de cadáveres pela Defesa Civil —embora o boletim de ocorrência mencione socorro no hospital.

A medida contraria determinação expressa do STF sobre formas de atuação em operações policiais no Rio de Janeiro. O Plenário da Corte decidiu no ano passado que o Estado deveria orientar seus agentes a “evitar a remoção indevida de cadáveres sob o pretexto de suposta prestação de socorro”.

A medida foi determinada para que fossem preservados todos os vestígios das ocorrências nas operações.