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Reconhecimento de corpos encontrados em mata no Rio foi feito por mães, irmãs e filhas

Dezenas de mulheres se reuniram em frente à Praça São Lucas, no Complexo da Penha

O reconhecimento dos corpos encontrados em uma mata no Rio de Janeiro após a operação policial que resultou em mais de 120 mortes ficou a cargo, em grande parte, de mães, irmãs e filhas das vítimas. Ao amanhecer desta quarta-feira (29), dezenas de mulheres se reuniram em frente à Praça São Lucas, no Complexo da Penha, zona norte da capital fluminense, para identificar os corpos trazidos da área de mata entre os complexos da Penha e do Alemão.

Entre as familiares estava Tauã Brito, de 36 anos, que procurava há mais de 24 horas pelo filho, Wellington Brito, de 21. Ela o encontrou entre os corpos estendidos no chão. “Já está cheio de mutuca na cabeça dele, quando vão retirar?”, desabafou, visivelmente abalada. O jovem, segundo ela, foi achado com uma corda amarrada no pulso, o que levantou suspeitas de que ele pudesse ter sido preso antes de morrer.

Os corpos encontrados na mata começaram a ser levados para a praça ainda na madrugada. Estima-se que cerca de 70 cadáveres tenham sido reunidos no local, enfileirados no asfalto. Muitos apresentavam ferimentos graves, como fraturas expostas, perfurações e sinais de tiros à queima-roupa. Dois deles estavam decapitados, com as cabeças colocadas em sacolas ao lado.

A operação nas comunidades do Alemão e da Penha, considerada a mais letal da história do estado, deixou oficialmente 121 mortos, entre eles quatro policiais. Delegados informaram que já desconfiavam da existência de corpos na mata, mas decidiram não retornar à área durante a noite para evitar novos confrontos com traficantes.

A advogada Flávia Fróes, que acompanhou parte da remoção dos corpos, afirmou que alguns apresentavam marcas de tiros na nuca, facadas nas costas e ferimentos nas pernas. Ela registrou fotos e seguiu com familiares até o Instituto Médico Legal (IML). Segundo peritos, apenas exames detalhados poderão confirmar a origem dos ferimentos.

Durante a manhã, a cena era de desespero e dor. Muitas mulheres pediam para que os corpos de seus parentes não fossem despidos, desejando preservar as roupas que usavam no momento da morte. Em outros casos, a polícia precisou cortar parte das vestimentas para facilitar o reconhecimento por tatuagens e cicatrizes.

O clima era de comoção e revolta. As famílias reclamaram da falta de socorro aos feridos e disseram acreditar que parte das vítimas ainda poderia estar viva durante a madrugada. “Acredito que ele se entregou e acabou morto”, afirmou Tauã, sobre o filho.

De acordo com a Polícia Civil, uma investigação por possível fraude processual foi aberta para apurar as circunstâncias das mortes e da retirada dos corpos da mata. A suspeita é de que moradores tenham ajudado na remoção durante a madrugada, transportando os cadáveres em veículos improvisados até a base do morro.

O reconhecimento dos corpos por mães, irmãs e filhas escancarou o drama humano que se seguiu à operação mais sangrenta do Rio de Janeiro, marcada por denúncias de execuções, desaparecimentos e falta de assistência aos baleados — uma tragédia que expôs, mais uma vez, a ferida aberta da violência policial nas favelas cariocas.

*Com informações da Folha de São Paulo