DESEMPREGADO

Sem computador, ex-entregador de iFood tenta carreira como desenvolvedor

“Infelizmente, tu não foi escolhido dessa vez. O que pegou mais foi tu não ter…

“Infelizmente, tu não foi escolhido dessa vez. O que pegou mais foi tu não ter uma infra necessária para tocar nosso projeto, tu não tem um computador e teu celular ‘acabou’ recentemente.”

A mensagem chegou por áudio de Whatsapp no celular com a tela quebrada e deixou Vitor Eleotério doente.

Entregador do iFood e estudante de computação, Vitor havia passado por um processo seletivo cujo desafio era desenvolver um aplicativo em Flutter, tecnologia de programação que ele então desconhecia.

Aprender uma linguagem nova em dez dias se mostrou o menor dos obstáculos: sem equipamentos adequados, explorou recursos gratuitos na internet, e conseguiu fazer rodar uma máquina virtual da Microsoft Azure no seu PC ultrapassado.

Vitor entregou o melhor app dentre os candidatos, com mais funcionalidades do que foi pedido e chegou a receber elogios da empresa. Mesmo assim foi preterido.

— Foi horrível. Tenho 30 anos, não sou inocente. Se tem alguém com desempenho melhor que eu, ok, é do jogo. Mas não esperava ouvir que eu apresentei o melhor código e, 15 dias depois, receber um não por falta de equipamento. Para ter um computador melhor preciso ter dinheiro. E como ter dinheiro se não tenho oportunidade? — , diz Vitor, que há cinco dias criou um perfil no Linkedin para contar sua história.

No post ele não conta, mas a negativa no emprego provocou uma crise de sinusite e de choro. Por uma semana ele só saiu de casa pra descer o morro e comprar remédio no Leblon pois no Vidigal, onde mora, não tem farmácia.

Vitor parou de estudar na quinta série e trabalhou 10 anos de barman e garçom, lavando panela e carregando peso pra ganhar um salário mínimo que mal dava para o mínimo.

Começou a ouvir falar sobre o universo das startups de tecnologia — e se encantou com relatos de ambientes despojados e empresas que se preocupam com a saúde mental e física do funcionário.

Foi então que resolveu voltar a estudar. Devorou as apostilas do Encceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos), que permite à quem não concluiu o fundamental ou o médio se qualificar para prestar o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).

Hoje Vitor cursa Análise de Sistemas em uma faculdade particular, mas a mensalidade está atrasada em mais de 3 mil reais.

Foi no Resilia, curso intensivo de programação que também ensina habilidades emocionais e muita resiliência que ele aprendeu que se há um problema, tem de haver uma solução. — Eu achava que o meu esforço, o fato de ter trabalhado com adversidades, seria um bônus. No Resilia tem um ditado que a gente escuta toda hora. Não tem essa se o pato é macho. E eu botei o ovo — diz ele, que se formou na última turma do programa. — As empresas precisam considerar o esforço empenhado pelo candidato, não apenas o resultado final.

O relato que Vitor publicou no Linkedin logo viralizou: foram mais de 370 mil visualizações, 11,5 mil curtidas e 800 comentários que ele ainda está tentando responder. Mas foi inbox que ele recebeu os maiores afagos: mais de 20 ofertas de emprego, um computador, voucher para fazer certificação da Microsoft Azure, créditos de internet e na nuvem e bolsa na plataforma digital de ensino Udemy. Teve até um desenvolvedor graduado que se ofereceu de tutor para acompanhar sua carreira e uma pessoa que ofereceu de pagar a sua faculdade.

— Sempre sonhei que em algum momento eu pudesse ser um profissional disputado no mercado. Só não esperava que isso viesse tão cedo — , diz o agora ex-entregador do iFood que nos próximos dias deve decidir entre ofertas para atuar como desenvolvedor no próprio iFood, na Pipefy ou na M4U, empresa do grupo Cielo.

— Das 20 propostas, essas foram com as quais eu mais me identifiquei em termos de cultura —, diz Vitor. — Mas tem outros 30 colegas que se formaram comigo no Resilia e que são muito competentes. Estamos vendo como fazer para que eles possam aproveitar as oportunidades.

Em um país em que o déficit de programadores é estimado em 70 mil nos próximos cinco anos, oportunidades não deveriam faltar.