Aluna de Direito em Goiás viaja 35 horas de beca para cumprir promessa feita aos pais
Darilene afirmou que decidiu fazer a graduação ao perceber as injustiças vividas pela família

Após se formar em Goiás, a bacharel em Direito Darilene Rocha de Carvalho, de 29 anos, percorreu mais de 35 horas de ônibus entre Goiânia e Fortaleza dos Nogueiras (MA) para cumprir uma promessa feita ainda no início da graduação: voltar para a casa dos pais vestida de beca. O reencontro aconteceu no último sábado (27) e emocionou a família.
Oitava de nove filhos de uma família de lavradores da zona rural maranhense, Darilene teve a infância marcada por desafios financeiros. “A nossa criação foi muito sofrida, não por falta de carinho, mas por necessidade. A gente não tinha luxo, não tinha brinquedo. Nossos brinquedos eram espigas de milho, abacates e mangas que caíam do pé”, relembra.
Os pais, no entanto, sempre reconheceram a importância dos estudos e, quando a escola rural foi fechada, a mãe passou a morar com os filhos na cidade durante o período letivo, enquanto o pai permanecia na roça, trabalhando e transportando a produção com dificuldade, já que até hoje não há estrada de acesso à propriedade. “Era tudo levado na carguinha, com cangalha. Era uma luta diária”, conta.
Darilene se mudou para Goiânia aos 15 anos. Aos 16, começou a trabalhar em uma loja de tecidos no setor Vila Nova, enquanto concluía o ensino médio. Sem condições financeiras para ingressar imediatamente na faculdade de Direito, fez outros cursos, entre eles gestão de segurança pública e privada, com o objetivo inicial de prestar concurso. “Eu sempre quis o Direito, mas não sabia nem por onde começar. Foi bem difícil”, afirma.
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Escolha do curso
A decisão definitiva pelo curso veio ao observar de perto as injustiças vividas pela família, especialmente os conflitos envolvendo o acesso à terra. Segundo ela, vizinhos passaram a impedir a passagem até a propriedade, chegando a fazer ameaças. “A gente tem duas opções de caminho para chegar em casa. Em uma delas, fomos ameaçados de morte. Na outra, os vizinhos também não permitem a construção da estrada. Parece que querem expulsar a gente do que é nosso”, relata.
Foi diante dessa realidade que Darilene fez a promessa. Ainda no primeiro período da faculdade, em um momento de grande tristeza ao ver o pai doente, sem acesso fácil a socorro médico, ela decidiu que, quando conseguisse se formar, voltaria para casa percorrendo a pé o mesmo trajeto que a família enfrenta diariamente, usando a beca.
“Eu sempre pensei: vou estudar, vou vencer e vou dar o melhor para eles. Eu não me preocupo comigo; me preocupo com eles, em oferecer o melhor”, conta Darilene.
A viagem
A viagem para cumprir a promessa não foi simples. Além das longas horas de estrada, Darilene enfrentou atrasos após o ônibus quebrar no caminho, medo da chuva e da lama no trecho final, feito a pé. “Eu só pedia a Deus para conseguir chegar. Estava muito ansiosa, com medo de não conseguir subir”, conta.
A própria beca também virou parte da aventura. Sem condições de alugar o traje, Darilene decidiu comprar a roupa pela internet. “Fui ver para alugar, mas sairia caro demais. Aí resolvi comprar uma.” Durante o trajeto, no entanto, o laço original da beca ficou na cidade. Como já estavam a cerca de 60 quilômetros do centro urbano, a solução foi improvisar. “Arrumamos uma blusa vermelha e colocamos como se fosse a faixa”, lembra.


O último percurso, entre Fortaleza dos Nogueiras e a Fazenda Suspiro, no município de Formosa da Serra Negra, foi acompanhado por familiares que ajudaram a concluir a surpresa. “Foi uma sensação de vitória. Teve momentos em que chorei, mas foi de gratidão. Mesmo sem ter feito a prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ainda, eu me senti vencedora”, diz.
A formatura oficial de Darilene está marcada para o dia 30 de janeiro, no Paço Municipal de Senador Canedo, onde fica o campus da faculdade. “Gostaria que minha história representasse outras famílias que vivem sem acesso a estrada, sem energia. Aqui em casa, por exemplo, só temos placa solar para a geladeira e para a internet. É muito triste essa situação”, desabafa.