CAUTELA

Denúncias infundadas sobre erros médicos podem configurar litigância de má-fé 

Brasil registrou mais de 74 mil processos por erro médico em 2024; especialistas alertam para risco de denúncias infundadas

O número de reclamações administrativas e ações judiciais envolvendo procedimentos médicos tem aumentado no Brasil e em Goiás. São casos envolvendo diversos tipos de intervenções, principalmente cirúrgicas. O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) não dispõe de estatísticas estratificadas sobre processos envolvendo falhas médicas nem sobre quantos destes prosperam e quantos são arquivados. Em casos recentes em que o entendimento dos julgadores foi de que o denunciante agiu com inverdade, houve condenações por litigância de má-fé.

Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), divulgados em fevereiro deste ano, mostram que os processos judiciais relacionados a erros médicos tiveram aumento de 506% em 2024 em comparação com o ano anterior. Foram 74.358 ações no país contra 12.268 em 2023, uma média de 203 processos por dia. A maioria diz respeito à rede privada: 40.851 ações por dano moral e 16.772 por dano material. Na rede pública, os números foram de 10.881 e 5.854, respectivamente. 

Além dos números registrados pelo CNJ, a experiência jurídica na rotina dos advogados dentro da Comissão de Direito da Saúde (CDS), da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional GO (OAB-GO) servem de contexto para o alerta. “A atuação forense permite constatar um crescimento significativo dessas demandas”, atesta Caroline Santos, advogada que preside o colegiado 

Isso se deve, em parte, ao maior acesso à informação por parte dos pacientes, ao aumento da judicialização da saúde e à ampliação do acesso aos serviços médicos, aponta a advogada. “Também há uma percepção crescente de que eventuais falhas podem e devem ser judicializadas, o que contribui para o aumento do número de ações, tanto na esfera cível quanto na ética profissional”, observa Caroline, que é doutora e mestre na área de saúde e direito médico. 

Carolina destaca que tanto paciente quanto médico devem se precaver para evitar insatisfações e até a judicialização. O mais importante, ressalta, é o fortalecimento da relação médico-paciente, que ela considera um pilar fundamental na prevenção de litígios. Ela também alerta para o risco de que denúncias apresentadas, na verdade, configurem litigância de má-fé, que é uma infração e pode ser punida pela Justiça. 

“Esse risco existe. Litigar de má-fé, por exemplo, distorcendo fatos, apresentando provas falsas ou buscando vantagem indevida, pode acarretar condenações ao pagamento de honorários advocatícios, multas e até indenizações ao profissional médico. Portanto, é fundamental que o paciente só judicialize o caso após uma análise técnica e jurídica consistente, com base documental sólida, para evitar sanções legais e custos elevados”, orienta a presidente da Comissão de Direito da Saúde da OAB-GO. 

Integrante da Comissão de Direito da Saúde da OAB-GO, o advogado Jordão Horácio destaca que, nesses casos, é imprescindível que haja produção de prova técnica pericial, na qual um perito nomeado pelo juízo competente vai analisar toda a documentação médica, os exames que foram realizados, para concluir, de forma fundamentada, se realmente houve alguma negligência, imprudência ou imperícia pelo profissional no caso concreto e se essa conduta culminou diretamente no dano suportado pelo paciente.

“Tem de haver esse nexo de causalidade, por isso é fundamental que haja essa devida apuração técnica em juízo. Da mesma forma, no julgamento perante o Conselho de Medicina, toda essa questão técnica é levantada, especialmente em relação ao nexo de causalidade e se os protocolos previstos na literatura médica foram devidamente obedecidos no caso concreto”, esclarece o advogado, que é especialista em Direito Público e da Saúde e doutor em Saúde Global pela USP. 

Pagamento de honorários 

Um dos casos julgados pelo TJ-GO foi decorrente da lesão no ombro de um bebê durante parto normal realizado em um hospital particular de Goiânia. O pai alegava erro médico. A 3ª Câmara Cível do órgão manteve a sentença de primeiro grau diante do laudo conclusivo que afastava a possibilidade de má conduta do profissional que assistiu o parto.

Na decisão, os desembargadores acordaram que “em se tratando de ato ilícito cometido por profissional de saúde, a responsabilidade é subjetiva, devendo a parte autora comprovar a culpa deste”. Como não houve erro nem dever de indenizar, a 3ª Câmara Cível condenou o autor ao pagamento dos honorários do advogado do médico e ao pagamento de multa por litigância de má-fé. 

Outro caso recente em que houve condenação por litigância de má-fé envolveu seguradora. A pessoa que contratou o seguro tinha um miopatia cardíaca grave e fazia acompanhamento, mas omitiu a patologia no momento da contratação. Mais uma vez, o tribunal afastou a obrigação de indenizar e condenou os autores ao pagamento de honorários sucumbenciais. 

 Veja os cuidados que pacientes e médicos devem adotar para se precaver: 

O paciente deve adotar alguns cuidados essenciais: 

             •         Informar-se adequadamente: questionar o médico sobre o diagnóstico, riscos, alternativas terapêuticas, e sobre o procedimento proposto. 

             •         Exigir o Termo de Consentimento Informado: esse documento deve ser claro, completo e devidamente assinado. 

             •         Guardar registros e documentos: receitas, prontuários, laudos, mensagens e exames. 

             •         Evitar decisões apressadas: buscar uma segunda opinião médica sempre que possível, especialmente em casos mais complexos. 

             •         Em caso de falhas: documentar tudo desde o início do problema, buscar orientação jurídica especializada e evitar acusações públicas precipitadas. 

  Os profissionais devem seguir boas práticas preventivas, como: 

             •         Documentação rigorosa: prontuários completos e atualizados são essenciais. 

             •         Consentimento informado bem elaborado e assinado. 

             •         Comunicação clara e empática com o paciente, explicando riscos, benefícios e limitações do tratamento. 

             •         Atenção à biossegurança e aos protocolos clínicos. 

             •         Seguro de responsabilidade civil: uma ferramenta importante para proteger o profissional financeiramente em casos de processos. 

             •         Atualização profissional: constante aperfeiçoamento técnico e ético. 

  

  

Cremego é entidade que recebe e avalia denúncias envolvendo a prática médica 

O Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego) é uma autarquia pública que recebe e analisa as reclamações relacionadas à conduta ética de médicos inscritos. Procurado para falar sobre o aumento no número de demandas, o Cremego informou que as reclamações devem ser encaminhadas ao Conselho. No entanto, de acordo com o Código de Processo Ético-Profissional, todas as apurações tramitam em sigilo. 

Para fazer a reclamação, o denunciante pode acessar a aba no site do Cremego e fazer o registro: https://www.cremego.org.br/denuncia. Não são aceitas denúncias anônimas. 

A denúncia pode ser apresentada pelo paciente ou, na hipótese de seu falecimento, pelo cônjuge ou companheiro, pais, filhos ou irmãos. 

O Cremego avalia a denúncia, solicita informações complementares se necessário e instaura uma Sindicância, que vai ouvir todos os envolvidos e analisar provas. 

A Sindicância pode resultar no arquivamento da denúncia, quando improcedente, ou na instauração de Processo Ético-Profissional, que poderá resultar na absolvição do médico denunciado ou na aplicação de penas previstas no Código de Processo Ético-Profissional, que são: advertência confidencial, censura confidencial, censura pública, suspensão ou cassação. 

As apurações são feitas pelos Conselhos Regionais. Caso não concorde com a decisão (aplicação de pena, arquivamento etc), tanto o denunciante quanto o denunciado podem recorrer ao Conselho Federal de Medicina (CFM). 

As decisões dos Conselhos são administrativas, ético-profissionais, independem de apuração por outras instituições, como polícia, e não envolvem, por exemplo, a determinação de indenizações.