VITÓRIA DAS FAMÍLIAS

Ministro suspende desocupação do povoado Antinha de Baixo, no Entorno do DF

Antes, o Incra solicitou a federalização do caso, que foi acatada 1ª Vara Cível do município

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin determinou “a imediata suspensão da ordem de desocupação” das cerca de 400 famílias do povoado Antinha de Baixo, em Santo Antônio do Descoberto, no Entorno do Distrito Federal. O entendimento é da noite de terça-feira (5). Vale citar que, antes, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) solicitou a federalização do caso, que foi acatada 1ª Vara Cível do município.

“Sobreveio aos autos a recente informação de que a área objeto da presente demanda seria ocupada por comunidade tradicional quilombola, havendo alegação de autoidentificação. Em um primeiro momento, entendi que tal fato, por si só, não seria suficiente para atrair competência da Justiça Federal, ocorre, entretanto, que houve recentemente intervenção do Incra”, disse a juíza Ailime Virgínia Martins no cumprimento da sentença.

Destaca-se que a Procuradoria Federal Especializada, junto ao Incra, solicitou a intervenção da Advocacia-Geral da União (AGU) para ingressar no processo judicial como assistente dos moradores no conflito fundiário que atinge a comunidade quilombola de Antinha de Baixo. Na segunda-feira (4), começou a desocupação de 400 famílias do local por determinação do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO). No mesmo dia, o Instituto pediu a suspensão imediata do despejo forçado e a remessa do caso à Justiça Federal (federalização).

Ainda sobre o caso, o deputado estadual Mauro Rubem (PT) denunciou a ação de despejo em um possível território quilombola à Fundação Palmares e pediu pessoalmente a interlocução do Incra. Segundo ele, desde que assumiu o mandato, foi procurado pelas famílias que vivem no local e realizou audiência pública, além de acionar o Ministério Público, Defensoria Pública e buscar o Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Agora, em agosto de 2025, atuamos junto com Defensoria Pública, em Brasília, na sede do Incra, no Ministério de Desenvolvimento Agrário e o Superior Tribunal de Justiça para garantir o direito constitucional das famílias. Foi por meio de uma atuação política nossa que conseguimos a certidão de reconhecimento da Fundação Palmares como área quilombola.”

Pedido de federalização que foi aceito

Ao pedir a federalização, o Instituto expôs que a área passa por processo de titulação como território quilombola. A medida faz com que a questão seja de competência federal. Conforme o parecer assinado pela procuradora Patrícia Rossato, coordenadora-geral jurídica de Territórios Quilombolas da PFE/Incra, “o prosseguimento dos atos de reintegração de posse pela Justiça Estadual conduzirá à nulidade do cumprimento de sentença. É incontroverso que a decisão judicial afeta a posse de uma comunidade quilombola, e a competência absoluta da Justiça Federal deve ser reconhecida”.

Cerca de 400 famílias que vivem no povoado Antinha de Baixo, na zona rural de Santo Antônio do Descoberto, foram alvos de uma desocupação que começou na segunda-feira e se estenderia ao longo da semana. A ação da Polícia Militar (PMGO) começou ainda pela manhã daquele dia e foi acompanhada pelo Corpo de Bombeiros Militar de Goiás (CBMGO). A ordem ocorreu após determinação judicial que tornou três herdeiros donos de toda a fazenda, sendo uma delas Maria Paulina Boss, tia do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil).

A sentença para reintegração ocorreu após décadas. Em 28 de julho, a juíza da 1ª Vara Cível da comarca de Santo Antônio do Descoberto, Ailime Virgínia Martins, expediu mandado de desocupação compulsória dos imóveis no povoado, com ação exceção para 16 famílias vulneráveis. Na decisão, apesar de autorizar o oficial de Justiça pedir reforço da PM, CBMGO e Conselho Tutelar, ela determinou “prudência e moderação”. Com isso, o servidor poderia atuar “arrombando cômodos, móveis e obstáculos, caso se torne necessário”.

Briga na Justiça

A briga na Justiça pelas terras de Antinha de Baixo começou em 1945. À época, um parente de um antigo habitante chamado Francisco Apolinário Viana pediu divisão geográfica junto ao TJGO para garantir que a parte dele ficaria em seu nome. Já em 1985, três pessoas entraram no processo e disseram ser herdeiros de áreas do mesmo local: Luiz Soares de Araújo, Raul Alves de Andrade Coelho e Maria Paulina Boss. Contudo, os moradores afirmam que o trio usou documentos falsos na ação.

Em 1990, eles conseguiram a primeira decisão favorável para reintegração, com o caso transitando em julgado cinco anos depois. Contudo, apenas em 2014 começou a desocupação, que foi evitada por meio de recursos judiciais. Então, o filho de Maria Paulina, Breno Boss Caiado, primo do governador, entrou no caso.

Paulina já é falecida e ele seria um dos herdeiros dela. Ele, inclusive, advogou no caso até 2023, quando foi nomeado desembargador pelo primo. Naquele momento, antes de deixar o processo, apresentou recurso. Neste, ele afirmou que as ações de divisão de terras e de usucapião dos moradores estavam com irregularidades.