Mulheres pretas com roupas de realeza africana chamam atenção em shopping de Goiânia
Passeio inspirado no Miss Afro reuniu sete mulheres com trajes da estilista Nyna Koxta e provocou reações de admiração e preconceito

Um passeio em um shopping de Goiânia ganhou contornos simbólicos, políticos e sociais ao reunir sete mulheres negras vestidas com trajes de realeza africana. A ação, registrada em vídeo e publicada nas redes sociais, viralizou em poucos dias e expôs, ao mesmo tempo, elogios, identificação, orgulho racial e manifestações explícitas de racismo.
A iniciativa partiu de mulheres que participaram do concurso Miss Afro, realizado na capital em 14 de dezembro. Entre elas está Josi Albuquerque, uma das idealizadoras da ação, que conta que a proposta surgiu de forma espontânea, como um gesto de confraternização e afirmação cultural após o evento.
“A gente participou do Miss Afro e, depois, se uniu ainda mais. Em um desses momentos, falamos: ‘por que a gente não vai ao shopping com essas roupas e grava a reação das pessoas?’. Não era provocação, era mostrar algo bonito, da nossa cultura, algo que não é habitual de se ver aqui”, relata.
As mulheres circularam pelo shopping usando roupas inspiradas na realeza africana, assinadas pela estilista Nyna Koxta, da NK Moda Africana, que patrocinou os trajes. Vestidos longos, tecidos vibrantes, estampas tradicionais e adornos chamaram a atenção de quem passava pelo local. “Nosso povo era rei, era rainha. Isso foi arrancado da gente historicamente. Na África, essas vestes são comuns. A gente quis trazer esse resgate cultural para um espaço onde isso não é tradição”, afirma Josi.
Dentro do shopping, as reações foram diversas. Segundo as participantes, a maioria do público demonstrou curiosidade, admiração e respeito. Pessoas pediram fotos, elogiaram os trajes e perguntaram se elas eram estrangeiras. “Muita gente perguntava se a gente era da África, se era de fora. A gente explicava que éramos brasileiras, misses afro, e que estávamos ali representando nossos ancestrais”, conta Josi.
Entre todos os encontros, um dos momentos mais marcantes foi a reação das crianças, destacada por várias participantes. “As crianças chamavam a gente de princesa. Diziam que a gente estava linda, vinham abraçar. Isso mexeu muito comigo, porque mostra que ninguém nasce racista. Isso é aprendido”, relata.
Além disso, um episódio específico marcou o grupo: a interação com um homem com deficiência que se aproximou espontaneamente. “Ele disse que normalmente é maltratado no shopping, mas que a gente foi a primeira a tratá-lo com respeito. Ele pegou na nossa mão e agradeceu. Foi um momento muito forte”, lembra.
Representatividade como resposta
Para as participantes, a ação deixou de ser apenas um passeio e se transformou em um ato de ocupação simbólica de espaços. A empresária Nicélia Brito, que também participou da caminhada, resume o sentimento.
“O incômodo de alguns diz mais sobre a falta de conhecimento e empatia deles do que sobre nós. Pessoas negras ocupam todos os espaços porque esse também é um direito nosso. Respeito não é opinião, é obrigação”, declara.
Nicélia afirma que o vídeo fala diretamente com quem se reconheceu ali: “Cada passo naquele shopping representa história, resistência e beleza. Existir com dignidade também é um ato de coragem”
Já Adelaine, outra integrante do grupo, destaca que, apesar da dor provocada pelos ataques, os comentários positivos tiveram um peso maior. “Foi uma mistura de emoções. Vimos racismo, sim, mas também vimos muita gente se orgulhando da própria identidade depois de assistir ao vídeo. Isso mostra que a cultura africana é rica, linda e precisa ser celebrada”.
Ela reforça que o objetivo nunca foi provocar, mas inspirar.
“Queremos que as pessoas sejam mais abertas e respeitosas. A diversidade é o que nos fortalece.”