NOVOS TEMPOS

Quarentena muda (para sempre) jeito como religião lida com fiéis

Representantes das religiões católica, evangélica e umbandista dizem como isolamento social transformou a realidade deles

Igrejas e templos religiosos de Goiânia voltam a funcionar no domingo depois de 42 dias com as portas fechadas. O Mais Goiás conversou com representantes das religiões católica, evangélica e umbandista para descobrir em que condições – e com que expectativas – a reabertura acontecerá. Todos concordam que a quarentena mudou para sempre o modo de lidar com fiéis e seguidores. Além dos cuidados com limpeza e higiene, a tecnologia também conquistou espaço definitivo. 

O padre Rodrigo de Castro, do santuário Sagrada Família, que fica Vila Canaã, diz que recebia cerca de 12 mil fiéis aos domingos na pré-quarentena. No próximo dia 26, em função das restrições impostas pelo governo, recepcionará 450. Para que o espaço seja ocupado de forma justa, a sua equipe disponibilizará 450 vouchers no site do santuário a partir desta quinta (23). Só assiste à missa presencialmente quem conseguir um. Quem não conseguir, terá de assistir pela internet. As transmissões já aconteciam regularmente antes da pandemia e ganharam novos telespectadores em função do isolamento social. 

Padre Rodrigo de Castro atende fiéis no estacionamento do Santuário Sagrada Família. (Foto: Arquivo Pessoal)

“Para nós, usar a tecnologia para conversar com os fiéis não é novidade. Padres que vieram antes de mim já usavam a ferramenta, o santuário já tinha um grande número de seguidores. Este número aumentou, porque há muitas pessoas aflitas com as dificuldades impostas pelo vírus”, afirma Rodrigo. Na quarentena, outra saída que a sua igreja encontrou para confortar os fiéis foi recebê-los dentro de seus carros para confissão e aconselhamento, no estacionamento. “Na sexta-feira da Paixão, foram 10 mil veículos. Durante a semana, uma média de 600”, relata.

Painéis de 2,9 metros por 2,9 metros com cenas sobre a Paixão de Cristo foram instalados no trajeto interno do estacionamento. Padre Rodrigo de Castro também circulou em Goiânia sobre um carro de som no Domingo de Ramos, distribuindo palavras de fé. “Todos tivemos que nos reinventar. Quem ainda não se reinventou, o momento é agora”, diz. 

Evangélicos online

O pastor Sérgio Sintra abriu uma igreja evangélica com a esposa há cerca de um ano, perto do shopping Flamboyant. Tudo já era novo para o casal antes da pandemia. O caráter extraordinário do isolamento social tornou o desafio maior. A toque de caixa, Sérgio aprendeu a manusear um aplicativo chamado Google Meets e encarou a missão de realizar o encontro de homens da igreja em ambiente virtual. A última reunião aconteceu na terça-feira e foi um sucesso. “Fazer o encontro online é algo que pretendemos adotar daqui para frente, porque tem gente que não consegue estar presente por causa das dificuldades do dia a dia: trânsito, filhos, trabalho etc. Online, o público está sendo até maior. Até pessoas de Rubiataba participam”, afirma. 

Esta quarentena abriu a minha cabeça. Daqui para frente, vamos gravar várias palavras menores, eu e minha esposa. Queremos também fazer uma live sobre casais inteligentes na semana que vem. Já convidamos psicólogos para colaborar com o debate. Mesmo depois da quarentena, isso vai continuar a acontecer, diz Sérgio. “Precisamos agora é investir em equipamento. Falta dinheiro, mas logo teremos a nossa câmera e nosso equipamento de mídia. Vai ser profissional, sem amadorismo”.

Um novo mercado

Publicitário Ivan Lucas assiste ao culto do pastor Sérgio Sintra pela internet (Foto: Arquivo pessoal)

Um dos fiéis que frequentam a igreja de Sérgio é o publicitário Ivan Lucas de Paula, que há um ano tenta convencer o pastor a investir no contato virtual com o público. A quarentena o convenceu a se especializar em marketing digital para igrejas evangélicas, uma área que – aposta ele – vai decolar no pós-quarentena. “A maioria dos pastores teve de entrar à força no mundo online, já que aglomerações não são mais permitidas. O que as impede de continuar a promover cultos pela internet? O cenário hoje é o em que muitas igrejas têm perfis nas redes sociais, mas poucas têm expertise para gerar conteúdo. As menores são as que enfrentam mais dificuldades”. 

Ivan fez uma live no seu perfil no Instagram sobre o assunto na semana passada. Na sua opinião, os pastores, de modo geral, não encaravam a internet como prioridade porque o público presencial é cativo. Entretanto, a circunstância mostrou que as transmissões por streaming têm poder para agregar novos ouvintes – independente de onde eles morem. “O desafio das igrejas e das marcas é darwiniano. Ou elas se adaptam aos novos tempos, ou serão engolidas”, afirma. 

Falta o “olho no olho”

O bispo Eduardo Veiga, que ministra cultos na igreja Luz para os Povos Noroeste (perto do Hugol) há mais de 22 anos, concorda com Ivan. “Todas as igrejas, principalmente as que não faziam culto online, vão ter que se reinventar”, afirma. Eduardo trabalha na consolidação de sua plataforma online e, a partir deste domingo, realiza cultos online e presencial simultaneamente. No período pré-quarentena, o bispo afirma que recebia mais de 800 fiéis por fim de semana na sua igreja. A expectativa agora é para saber quantos superarão o medo para voltar ao culto no dia 26.

“Há poucos dias, optamos por usar um aplicativo chamado Zoom para transmitir o culto. É um desafio para todos nós, porque dominar a tecnologia não é fácil”, diz Eduardo. O bispo auxilia na administração de outras 14 igrejas. “A desvantagem é não poder olhar no olho das pessoas. Quando vc olha no olho da pessoa e faz uma oração, você comanda o processo. Na TV, no computador ou no celular você não sabe o que nao tá acontecendo”. Eduardo também já organiza o seu primeiro curso online, voltado para área de educação financeira de casais. 

Umbandistas

Pai Adriano de Oxóssi com a filha, Isabela (Foto: Arquivo pessoal)

Pai Adriano de Oxóssi, representante da tenda espírita cigano Pietro, localizada no setor Rodoviário, tem uma visão diferente dos colegas evangélicos e católicos. Na opinião dele, após a pandemia o uso de internet vai diminuir, em vez de aumentar. “Penso que o isolamento social despertou nas pessoas o sentimento de que o contato humano é importante. Mais do que nunca, acho que poucos vão querer abrir mão disso”. 

Enquanto a pandemia não dá trégua, Adriano intensifica o atendimento por WhatsApp e em chamadas de vídeo. “A busca por auxílio no campo espiritual está sendo maior do que era antes de março. A maioria das pessoas está aflita com dificuldades que virão no campo financeiro, com a saúde dos mais idosos. Eu tenho pedido que fiquem em casa. Melhor falido do que falecido”, afirma. Adriano recebia cerca de 450 pessoas diferentes por semana na tenda. No momento, os trabalhos espirituais resumem-se a dois ou três por semana. “Só atendo presencialmente casos graves, como os de obsessão espiritual”. 

Mãe Sônia de Oxum (Foto: Arquivo pessoal)

Mãe Sônia de Oxum, da tenda espiritualista Caboclo da Mata, também é cética a respeito do uso da internet para práticas religiosas. “A divulgação, por exemplo, eu só faço por boca a boca”, afirma. “Eu mesmo só uso a internet para conversar com o meu grupo, nada mais. Tenho um amigo Pai de Santo que faz lives, mas eu mesmo nunca fiz”. Mãe Sônia reabre a tenda na próxima segunda-feira. Ela acredita que as cerca de 40 pessoas que frequentam o local voltarão aos poucos, semana a semana. Mais importante do que tudo isso, na opinião dela, é o “despertar, a renovação espiritual” e o surgimento de uma nova ordem mundial. “Acho que vai haver uma regeneração de valores. Vamos mudar a forma como lidamos com a natureza e com a vida”.