Situação atual da cápsula de Césio-137 e controle do uso de materiais radioativos
Walter Ferreira detalha os impactos do acidente de 1987 e o destino dos rejeitos radioativos

O acidente com o Césio-137 em Goiânia, em 13 de setembro de 1987, deixou lições importantes sobre o manuseio e o descarte de materiais radioativos. Na época, a população desconhecia os riscos desse tipo de material, que até então estava restrito aos centros de pesquisa e sob controle de cientistas, produzido artificialmente a partir da fissão do urânio ou do plutônio. O Mais Goiás conversou com o físico Walter Mendes Ferreira, da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que atuou diretamente no local durante a tragédia.
Segundo Walter, a cápsula continha apenas 19,26 gramas do isótopo, mas sua atividade na época do acidente era de 1375 Ci (50,9 TBq). Apesar da quantidade pequena, essa radiação intensa causou uma contaminação severa, que resultou em cerca de 6 mil toneladas de resíduos radioativos.
Para a CNEN, a maior dificuldade após mapear e limpar toda a área contaminada era definir o destino do lixo radioativo e seu descarte seguro. Era preciso encontrar um local para todas as 1.375 caixas metálicas e 4.228 tambores metálicos, colocados dentro de 10 contêineres marítimos e 8 embalagens de concreto chamadas VBAs que deveriam ser mantidos isolados por até 300 anos até perder toda sua radiação.
Walter explicou que, até serem concluídos todos os estudos necessários e definido o local ideal e permanente, os rejeitos permaneceram por uma década em um depósito provisório. Em 1997, foram transferidos para Abadia de Goiás, dentro do Parque Estadual Telma Ortegal. “O local foi escolhido com base em critérios técnicos rigorosos, incluindo geografia, geologia, hidrologia, obras civis e acessos”, explicou o físico.

Onde está a cápsula?
A cápsula que continha o Césio-137 e que estava na sede da Vigilância Sanitária desde que foi levada por Maria Gabriela Ferreira, esposa de Devair Ferreira, dono do ferro-velho e também vítima do acidente, recebeu atenção especial. Como não poderia ser movimentado sem risco de causar novos danos, o cilindro juntamente com a cadeira, foram cuidadosamente fixada em concreto antes de ser transferida para o repositório.
Após esse procedimento, a cápsula passou a ser considerada lixo radioativo e hoje permanece armazenada em uma das caixas de concreto no depósito junto com todos os outros rejeitos.
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De onde vem o Césio-137?
De acordo com o físico Walter Ferreira, “O Césio-137 encontrado em Goiânia é um isótopo radioativo artificial. A fonte de césio do acidente de Goiânia estava na forma de cloreto de césio (sal).” Esse subproduto difere do césio natural, descoberto em minerais como a pollucita em 1860 pelos químicos alemães Robert Wilhelm Bunsen e Gustav Robert Kirchhoff, que consta na Tabela Periódica como um elemento estável e não radioativo.
O césio pode ser classificado principalmente de duas formas: pela origem (natural ou artificial) e pela estabilidade dos isótopos (estável ou radioativo).
| Critério | Cápsula encontrada em Goiânia | Encontrada na natureza |
|---|---|---|
| Isótopo | Cs-137 | Cs-133 |
| Origem | Produzido artificialmente em reatores nucleares | Minerais como pollucita |
| Radioatividade | Radioativo | Estável (não radioativo) |
| Forma encontrada | Cloreto de césio (sal) | Metal alcalino ou minerais |
| Uso principal | Radioterapia, calibração, pesquisa nuclear | Relógios atômicos, indústria, química |
Já o Césio-137 que causou o acidente em Goiânia, ‘nasce’ da fissão do urânio ou do plutônio em reatores nucleares, quando esses átomos pesados se quebram, liberando energia e produzindo novos elementos radioativos. Apesar de ser um resíduo dessa reação, ele tem usos importantes e controlados, como em radioterapia para tratar câncer, calibração de equipamentos industriais e pesquisas científicas.
Por ser altamente radioativo, quando não é mais necessário, o Césio-137 precisa ser armazenado em depósitos especiais feitos, de preferência, de chumbo e concreto, garantindo que não ofereça risco às pessoas ou ao meio ambiente.
Brilho azul da radiação
O ‘brilho azul’ que encantou as vítimas ao manusear o pó do cloreto de césio contido na cápsula durante o acidente de Goiânia era, na verdade, o efeito da radiação interagindo com o ar ao redor. Para muitos, parecia que a cápsula estava ‘acesa’ como se tivesse lâmpada, mas essa coloração já era um alerta de que o material é extremamente perigoso.
Quando em contato com o ambiente, as partículas radioativas do Césio-137 causam o efeito conhecido como radioluminescência. De forma silenciosa, essa radiação pode penetrar em materiais e tecidos, danificando células e tornando o contato direto, em alguns casos, fatal.

Controle ambiental e educação nuclear
Em uma área de 32 alqueires, dentro do Parque Estadual Telma Ortegal, às margens da BR-060, está localizado o depósito de Abadia de Goiás, administrado pelo Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste (CRCN-CO), unidade da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). O local conta com um programa contínuo de monitoramento ambiental, que inclui análises regulares de solo, água, vegetação e sedimentos. Além disso, a área possui dosímetros distribuídos para medir a radiação, controle de acesso rigoroso e vigilância em todo o perímetro.
Walter destacou que o Centro de Informações, tem a função de fornecer à sociedade informações sobre a tecnologia nuclear, sua utilização e sobre o acidente com a fonte de Césio-137. No Centro são oferecidos conteúdos educativos para toda a população, especialmente para escolas e universidades de diferentes níveis de ensino, mediante agendamento prévio. “O Centro recebe a população naturalmente, mediante agendamento”, explicou o físico.
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