Crítica

Fome de Poder: quer enriquecer, pergunte-me como

Filme sobre a história do McDonald's narra um bom conto, mas é atrapalhado por deslizes de direção

De vez em quando, Hollywood ironicamente produz alguns filmes incríveis sobre os perigos da ganância e os altos custos humanos e mesmo da alma para alimentar o capitalismo selvagem. Essa ferocidade, essa selvageria, fica muito visível e incômoda em filmes muito bons como Wall Street: Poder e Cobiça (1987), no excelente Sangue Negro (2007) ou no irretocável O Lobo de Wall Street (2013).

Fome de Poder, infelizmente, não está no patamar destes filmes.

O diretor John Lee Hancock até tenta, mas alguns erros muito próprios do cineasta acabam por cortar as asas que o filme poderia ter, limitando-o ao nível de decente, bom ou até mesmo passável para os críticos mais duros.

Ao mesmo tempo, a produção possui pontos fortes em uma história real e elenco sólidos que movem o longa para frente por mais que o diretor tente emperrá-lo por quase duas horas.

Fome de Poder conta a história de Ray Kroc, o homem que transformou o McDonald’s na maior franquia de restaurantes do mundo. Mais particularmente, o filme fala sobre como ele roubou e depois ludibriou os irmãos Mac e Dick McDonald. É uma história de poder, ganância e picaretagem com os níveis certos de talento, oportunidade e faro para o sucesso.

Grande material para um filme, certo? De fato. A primeira meia hora do filme é perfeita. Em 30 minutos, Hancock expõe quem são seus personagens centrais, Kroc e os McDonalds, e como o seus caminhos se cruzaram.

Offerman e Lynch como Dick e Mac (Divulgação)

Nós começamos acompanhando Kroc, um vendedor fracassado ambulante de 52 anos tentando vender máquinas de milkshake que nenhuma espelunca do meio-oeste americano quer comprar.

Tudo muda quando um restaurante na Califórnia encomenda oito delas de uma vez. Curioso, ele vai conferir e conhece Dick e Mac McDonald e seu restaurante inovador: comida no balcão em 30 segundos, não 30 minutos. A partir daí, Kroc fica obcecado com a ideia de franquear e transformar o McDonald’s em uma rede nacional.

Até aí, o filme vai muito bem. Sua principal força está em Michael Keaton no papel de Kroc, conseguindo ser na mesma medida convincente e caricato. Ele é reforçado por Nick Offerman, de Parks & Recreation, e John Carroll Lynch brilhantes como Dick e Mac, respectivamente. É básico dizer que o filme gira ao redor dos três: todo o resto é ruído branco.

Aí já começamos a ter problemas: todos os outros personagens parecem figurantes. A maior parte do elenco está limitada a algumas falas e poucas cenas, fazendo muita coisa parecer corrida ou malfeita.

Nem é preciso dizer que o filme não passa na classificação F nem no teste Bechdel: existem três mulheres com falas, elas não se encontram e mal falam quando aparecem.

Fora o elenco, a outra força está na própria história, que já estava lá antes de ser transformada em um filme. A forma como um restaurante minúsculo dá origem ao fast food e à maior cadeia de lanchonetes do mundo é naturalmente fascinante e o roteiro de Robert Siegel faz um bom trabalho didático de mostrar como este caminho foi feito.

Mas aí o filme desliza nas mãos do diretor. Hancock é conhecido por seus dramalhões, tendo feito O Alámo, Um Sonho Possível Walt nos Bastidores de Mary Poppins. O cineasta gosta de histórias reais, mas gosta de dar um tom novelesco aos seus longas.

A loja original reproduzida no filme

Em Fome de Poder, ele se contém, mas não o suficiente. Do meio em diante, o filme se esforça demais para ser uma lição sobre capitalismo e ganância e falha miseravelmente. A injustiça perpetrada por Kroc contra os McDonald é óbvia e dolorosa, mas o diretor força a mão.

Especialmente depois de passar mais de uma hora mostrando como a visão de mercado de Kroc é tão interessante e inovadora quanto o sistema fast food dos irmãos. É difícil pintá-lo como um vilão terrível depois da mesma forma que é difícil não pintar os McDonald como ingênuos ou mesmo tolos.

O resultado é um filme sem alma e sem graça, quase tão automático quanto a própria linha de montagem de sanduíches em seu coração. Mesmo com um elenco estelar, a história se perde.

Enfim, Fome de Poder é um bom filme com um ótimo elenco e uma boa história, mas que erra ao forçar a barra. O próprio filme tem fome demais: ao tentar ser o que não é se inflar de importância, ele escorrega para um melodrama esburacado, ao invés de crescer para se tornar um filme muito melhor.