Televisão

Paulo Coelho assina contrato de US$ 1,5 milhão para série baseada em seus livros

Depois de seis meses de intensas conversas, escritor negociou três de suas obras. O contrato foi assinado há 20 dias

Todos os meses, propostas de adaptação de livros para a televisão chegam aos agentes de Paulo Coelho. Elas são tão numerosas que o escritor perdeu a conta de quantas recusou até hoje.

— Entre as que aparecem regularmente, pelo menos uma é séria. Outras tantas trazem “ofertas irrecusáveis”. Mas a grande parte é tão fraca que nem merece ser avaliada — conta ele, por telefone, de sua casa em Genebra, onde vive há oito anos com a mulher, a artista plástica Christina Oiticica.

Todos esses acenos passam por rigorosa filtragem. A maioria nem alcança o escritor, já que ele, seus representantes sabem, diria “não” a priori. Tem sido assim desde sempre. Até que uma associação da FremantleMedia North America, da Random House Studio e da Dancing Ledge Productions conseguiu furar esse bloqueio férreo. Depois de seis meses de intensas conversas, Paulo negociou três de suas obras. O contrato (“tão cheio de detalhes que você não imagina”) foi assinado há 20 dias.

‘Os valores que considero importantes continuam presentes: a solidariedade, a aventura, a disposição para correr riscos, a coragem de enfrentar os obstáculos, sem tom de pregação, farão parte da teledramaturgia. Isso para mim basta.’

A oferta era, mais uma vez, “irrecusável”: US$ 1,5 milhão. Essa soma corresponde ao direito para realizar, num prazo de dois anos, um programa para a televisão baseado nos romances “Brida” (lançado em 1990), “O demônio e a srta. Prym” (de 2000) e “A bruxa de Portobello” (de 2006). (leia mais abaixo).

— Caso não apresentem o final cut até esse tempo se esgotar, terão de pagar uma multa — explica Paulo, acrescentando que as gravações estão previstas para começar no início do ano que vem.

O acerto com a Fremantle, a Random e a Dancing Ledge prevê ainda o poder de veto diante de uma eventual segunda temporada.

— Só poderão fazer se eu gostar do resultado da primeira — detalha.

O valor gordo da transação pesou, claro. Mas não foi a principal razão para que a guarda fosse finalmente aberta. Afinal, do alto dos seus mais de 220 milhões de exemplares de livros vendidos em 60 países, ele poderia se dar ao luxo de simplesmente recusar.

“Não respeitar os livros”

Se muitos autores só aceitariam ver suas obras adaptadas mediante supervisão rigorosa para que o original não seja perdido de vista, com Paulo foi o inverso. Ele leu a síntese da série, que contará com 12 episódios e ainda não tem título nem elenco anunciados. E gostou da proposta justamente porque ela não supõe a simples transposição da literatura para outra linguagem.

‘Acho que meus romances não “viajam” bem do papel para a tela. No livro impresso, você imagina tudo aquilo, as aventuras e os personagens. Mas, quando aquilo fica concreto, pode não funcionar.’

— A série será baseada nos meus personagens, mas com toda a liberdade para não respeitarem os livros. Gostei disso — resume.

“Não respeitar os livros” equivale a uma licença para inventar enredos. Ela é ampla. Só a essência e as intenções dos originais estarão lá, preservadas:

— Os valores que considero importantes continuam presentes: a solidariedade, a aventura, a disposição para correr riscos, a coragem de enfrentar os obstáculos, sem tom de pregação, farão parte da teledramaturgia. Isso para mim basta.

Daqui para a frente, ele quer distância dos roteiristas:

— Conferi a sinopse, eles me mandaram uma versão bem detalhada. Gostei muito. Mas script não é meu departamento. Quanto mais eu me envolver, pior. Já cheguei a um ponto na vida em que não quero me estressar. Agora, desejo um oceano, ou melhor, um continente entre mim e a série — brinca, enquanto chama a mulher para pedir um cigarro (“Você fuma? Eu ainda fumo, é um dos meus vários defeitos”, diz, bem-humorado).

Ao anunciar a parceria para o mercado americano, anteontem, o trio de produtoras divulgou um texto em que avisa que “o protagonista será um jovem padre que embarca numa aventura de autodescoberta e redenção. Ele foi marginalizado por sua própria igreja e é um fugitivo da lei, assombrado por uma poderosa família criminosa. Ao mesmo tempo, uma agente da CIA que o persegue descobre poderes misteriosos”. Eles se referem ainda à marca do “visionary brazilian author”. Essa ideia de “marca” também atraiu Paulo para o projeto:

— Acho que meus romances não “viajam” bem do papel para a tela. No livro impresso, você imagina tudo aquilo, as aventuras e os personagens. Mas, quando aquilo fica concreto, pode não funcionar. O que me interessa desta vez é só associar a série aos meus livros, ao meu trabalho.

Presença na abertura, como Hitchock

O escritor estará presente na TV também de forma ainda mais concreta: ele abrirá cada episódio. Será uma aparição “de 30, no máximo 40 segundos” em que falará um texto relacionado ao enredo. A inspiração para esse formato veio da famosa série de televisão “Alfred Hitchcock apresenta”, exibida de 1955 a 1962. Antes de cada capítulo, o diretor aparecia dizendo uma frase ou duas, sempre algo alusivo à aventura policial que viria em seguida:

‘Mandaram uma versão bem detalhada da sinopse. gostei muito. mas script não é meu departamento. Quanto mais eu me envolver, pior’

— Eu era telespectador assíduo dele, adorava (a TV Tupi exibiu no Brasil).

O hábito de ver televisão, portanto, é antigo e segue firme ainda hoje. Para Paulo, “‘Breaking bad’ está no Olimpo. Foi ótima e souberam a hora certa de parar”. Cita ainda “La casa de papel” como outra trama que acompanhou com gosto. É um dos hábitos que cultiva na sua rotina tranquila, que, ultimamente, só vem sendo quebrada por algumas entrevistas sobre o romance autobiográfico “Hippie”, recém-lançado pela Companhia das Letras. No mais, o Mago afirma “curtir mesmo as caminhadas diárias com Christina. Não sou muito de multidão”.

Os livros que inspiram a série

‘Brida’. Publicado em 1990, o romance conta a história de uma garota apaixonada por magia. Paulo se inspirou na histórias que ouviu de uma irlandesa que conheceu em peregrinação.

‘A bruxa de Portobello’. Lançado em 2006, o livro narra a história de Athena, a partir de depoimentos de pessoas que conviveram com ela, mesclando impressões e crenças sobre sua vida.

‘O demônio e a srta. Prym’. Na obra de 2000, um homem guiado pelo demônio chega a uma pequena cidade e oferece recompensa por um assassinato.

O AUTOR NA TELEVISÃO E NO CINEMA

‘Não pare na pista’ . Cinebiografia do diretor Daniel Augusto trata dos traumas do escritor, o misticismo e a parceria com Raul Seixas.

‘Veronika decide morrer’ (2009). A adaptação americana para o cinema do livro homônimo é estrelada por Sarah Michelle Gellar.

‘Brida’ (1998). O livro virou novela exibida pela Manchete, com Carolina Kasting. Terminou com um resumo narrado por causa de greve de funcionários.