Crítica

Westworld: um deleite violento

Novo drama da HBO é extremamente envolvente e está à altura de substituir Game of Thrones

Vender a ideia de Westworld para os executivos da HBO não deve ter sido exatamente fácil: a história é baseada livremente no filme de 1973 de Michael Crichton, autor de Parque dos Dinossauros. A história gira em torno de um parque temático ultra avançado chamado Westworld: uma recriação sem limites inspirada no velho oeste. Os criadores da série, Jonathan Nolan e Lisa Joy, se inspiraram em jogos atuais de mundo aberto como Red Dead Redemption e GTA para criá-lo.

 

Westworld é um grande jogo 100% imersivo em que os jogadores (chamados de convidados) podem embarcar em dezenas de aventuras, serem heróis ou vilões e desvendarem todos os mistérios do parque. Ou eles também podem quebrar a imersão e simplesmente estuprar e matar tudo ao seu redor.

 

Isto porque todo o parque é povoado por milhares de robôs extremamente realistas (os anfitriões) que, por sua vez, devem se submeter aos desejos dos convidados e não podem feri-los. É tudo bem cínico e perturbador logo de cara antes de entrar na primeira grande questão da série: e se estes robôs assassinados torturados e traumatizados estiverem conscientes? E se eles estiverem vivos? E pior ainda: e se eles puderem se lembrar de tudo o que é feito com eles?

 

O grande mérito da série está em conseguir brincar de forma significativa com a questão da inteligência artificial, assunto abordado recentemente em boas produções como a série Humans da BBC e o filme Ex Machina, estrelado por Oscar Isaac e a vencedora do Oscar, Alicia Vikander.

 

Em Westworld, softwares e firewalls tentam manter a mente dos androides intactas para que eles não surtem ou fiquem loucos ao “acordarem”, isso é, ganhar consciência de sua existência. Eles são como personagens de video game, presos em rotinas que se renovam e se repetem todos os dias, às vezes até mesmo com as mesmas falas e gestos.

 

Inicialmente, a primeira temporada começa movida por quatro personagens e suas motivações e depois se expande. A principal delas é Dolores (Evan Rachel Wood), a androide mais antiga do parque, que começa a dar sinais de que se lembra de suas vidas passadas o que lentamente a leva a uma jornada de autodescobrimento.

 

Então temos o Homem de Preto (Ed Harris), um jogador veterano e violento determinado a desvendar o Labirinto, o último segredo do parque e único que ele não desvendou: e está disposto a matar tudo e todos no caminho para isso sem deixar o seu propósito muito claro.

 

Já Bernard (Jeffrey Wright) é o programador chefe que começa a perceber algo errado com os robôs e vai atrás de respostas sozinho conforme o criador do parque, o doutor Robert Ford (Anthony Hopkins), ignora e faz pouco caso de suas suspeitas.

 

Por fim, temos William (Jimmi Simpson), um jovem sonhador e gentil que visita o parque pela primeira vez com seu cunhado Logan, o fanfarrão violento que quer sacanear e testar William para ver o que as tentações do parque farão com ele.

 

Lentamente, estas histórias se entrelaçam assim como a de outros personagens principais como Maeve (Thandie Newton), a madame do cabaré que sente dores em uma ferida que não existe e sua relação com o bandido niilista Hector (Rodrigo Santoro) e sua comparsa psicopata Armistício (Ingrid Bolsø Berdal).

 

Além de uma produção de arte impecável e uma trilha sonora fantástica (com direito a covers de canções famosas como No Surprises do Radiohead e House of the Rising Sun tocadas na pianola), o que chama a atenção de cara é o elenco verdadeiramente estelar do seriado.

 

Ao contrário de Game of Thrones, que não trouxe grandes nomes em sua estreia, Westworld quis chamar atenção e, para isso, trouxe a artilharia pesada. O maior deles é, obviamente, o veterano e vencedor do Oscar, Sir Anthony Hopkins.

 

Pra variar, o ator rouba todas as cenas em que está presente sem muito esforço, conseguindo ser completamente ameaçador ou completamente amável sem mal erguer uma sobrancelha. Sua interpretação cria um doutor Ford dúbio e terrível: ao longo dos dez episódios, quem assiste fica sem saber se ele é bom ou mal, se é confiável ou não.

 

O segundo maior destaque fica para Evan Rachel Wood como Dolores, papel que é claramente o maior e mais importante da sua carreira até agora. Embora Wood tenha estrelado ou participado de dezenas de filmes e séries, em Dolores ela tem sua primeira chance real para brilhar. O conflito interno da androide revela facetas diversas, de heroína e vilã, ambas entregues com maestria pela atriz que aguenta o tranco de ter todo o enredo nas suas costas sem suar.

 

Por fim, destaco Thandie Newton como Maeve. Sua personagem poderia ter sido muito caricata ou sem graça nas mãos de uma atriz pior, mas sua atuação é tão convincente que logo ela se torna uma das primeiras personagens pela qual o público vai torcer e sofrer.

 

Estes são apenas os destaques, mas não tem ninguém realmente fraco na série. Até mesmo Rodrigo Santoro, quase parte da decoração na maior parte dos seus papéis nos EUA, ganhou pela primeira vez um personagem mais interessante. O que Hector não tem de profundidade em relação aos outros personagens, ele compensa em carisma, o que já o tornou um dos favoritos dos fãs, assim como a pistoleira Armistício.

 

Sobre o fator HBO, a série pega leve, talvez por ter uma mulher como sua principal criadora. Embora nudez e sangue abundem, como de costume, a série passa longe da controvérsia em que Game of Thrones se meteu por ter dezenas de cenas de sexo e violência gratuita com mulheres. Em Westworld, muitas vezes quando há violência contra uma mulher há boas chances de rolar um acerto de contas mais cedo ou mais tarde.

 

Então, há a trama. É difícil dizer se a ação e violência misturados à pegada mais cabeça sobre existência e consciência irão afastar as pessoas. Game of Thrones, com seu contexto de fantasia medieval, mortos que andam, feitiços e dragões, foi considerada de nicho apenas para explodir e virar a série mais assistida do mundo. O mesmo vale para The Walking Dead e sua trama de fim do mundo.

 

Neste contexto, falar de robôs inteligentes parece tranquilo para um público que já lida com elementos mais fantásticos em outros programas. O que chama a atenção é a pegada científica – e estamos falando de Ciências Humanas. Embora a trama seja movida pela ação e pelo drama dos personagens, a série flerta com as questões óbvias de o que significa ser humano, o que nos difere dos animais, qual é a razão da consciência e da existência.

 

São apenas flertes, talvez por um medo de cair no melodrama, mas que são o bastante para trazer um leve sorriso ao rosto de qualquer leitor de Sartre, Heidegger e Camus ao ver nada menos do que fenomenologia, absurdo e ontologia sendo temas de uma série prime time da TV a cabo com robôs e bang-bang.

 

Enfim, não tenho defeitos para criticar na nova megaprodução da HBO. Pontos que pareciam fracos nos episódios iniciais foram fortalecidos ao longo da temporada e furos ou forçadas de barra do roteiro podem ser facilmente ignorados pelo todo. O fato de ter uma trama envolvente, um elenco fantástico e uma trilha sonora inspirada ajudam a mascarar quaisquer problemas desta que me parece ser, fácil-fácil, a melhor série de TV de 2016.