GESTÃO TRUMP

Barco atacado duas vezes no Caribe não se dirigia aos EUA, mas ao Suriname, diz TV

Almirante que coordenou operação disse ao Congresso que droga poderia terminar nos EUA, segundo a CNN

SÃO PAULO E BRASÍLIA (FOLHAPRESS) – O barco destruído em ataque dos Estados Unidos no Caribe no dia 2 de setembro estava a caminho de outra embarcação maior, que tinha como destino final o Suriname, não o território americano, como o governo de Donald Trump declarou na ocasião da ofensiva, que teria matado 11 pessoas.

A declaração foi dada pelo próprio almirante que conduziu a operação, Frank Mitchell Bradley, a parlamentares durante depoimento realizado na quinta-feira (4), segundo fontes ouvidas pela rede de TV americana CNN.

Bradley afirmou que, segundo informações coletadas pelo serviço de inteligência americano, a embarcação se aproximaria de outra maior e os tripulantes transfeririam um carregamento de drogas para ela. As Forças Armadas americanas não puderam localizar o segundo barco.

O almirante defendeu o ataque dizendo que o carregamento poderia ser encaminhado para os EUA depois da passagem pelo Suriname. Agentes americanos que atuam na repressão ao narcotráfico, no entanto, afirmam que as rotas de carregamentos de drogas que partem do Suriname costumam ter a Europa como destino final.

Este ataque em particular está na mira de parlamentares e tem sido foco de grande controvérsia para o governo Trump; houve sobreviventes do primeiro ataque ao barco, bombardeado em seguida novamente. A Casa Branca afirmou que os ataques e o assassinato de sobreviventes foram necessários para proteger o território americano de uma ameaça iminente.

O argumento de que embarcações supostamente ligadas ao narcotráfico e em direção aos EUA são uma ameaça iminente está na base da fundamentação jurídica que o governo americano elaborou para justificar as ações. A gestão Trump defende que os EUA estão em situação de conflito armado contra organizações narcotraficantes, muitas delas classificadas por Washington como terroristas.

Governos não alinhados a Washington na América Latina, além de especialistas do direito internacional e, cada vez mais, opositores da Casa Branca, têm criticado as operações e afirmado que elas são ilegais. O governo Trump divulga as evidências que diz possuir e conectariam os barcos ao narcotráfico —algo que, por si só, não autorizaria os EUA a explodirem as embarcações à luz do direito internacional.

Mesmo que os EUA estivessem em guerra com os traficantes, a segunda ordem também poderia ser interpretada como um crime de guerra, uma vez que combatentes feridos em um conflito têm direito a proteção.

O vídeo completo da operação foi mostrado a alguns parlamentares americanos.

De acordo com a descrição do ataque do dia 2 de setembro, a ofensiva começou com o uso de munição que explodiu no ar antes de atingir os 11 tripulantes, formando um guarda-chuva de estilhaços. Quando a fumaça se dissipou, dois homens que de alguma forma haviam sobrevivido à explosão apareceram agarrados a um pedaço da proa da embarcação.

Eles estavam sem camisa, desarmados e não carregavam nenhum equipamento de comunicação visível. Também pareciam não ter ideia do que havia acabado de atingi-los ou de que as Forças Armadas dos EUA estavam considerando matá-los. Segundo uma das pessoas que falou com a agência Reuters sobre as imagens, o vídeo os acompanha por cerca de uma hora tentando virar o barco de volta, em vão. Eles foram posteriormente mortos por novo ataque.

O governo americano também tem mudado a atribuição de responsabilidade na cadeia de comando relativa ao bombardeio.

Ao anunciar a ofensiva no dia 2 de setembro, o presidente afirmou que o ataque foi feito por ordem dele. “Nesta manhã, seguindo minhas ordens, as Forças Armadas dos EUA conduziram um ataque cinético contra narcoterroristas do Tren de Aragua”, escreveu Trump, citando uma das principais gangues venezuelanas e acusando, na mesma mensagem, o ditador Nicolás Maduro de comandar a organização.

“O ataque ocorreu quando os terroristas estavam em águas internacionais transportando drogas ilegais em direção aos EUA. Como resultado, 11 terroristas morreram e nenhum soldado americano foi ferido. Que isso sirva de aviso a qualquer um pensando em levar drogas aos EUA. CUIDADO!”, concluiu Trump, na ocasião.

No final de novembro, reportagem do jornal americano The Washington Post revelou que o secretário de Defesa, Pete Hegseth, havia dado uma ordem verbal para matar todos os tripulantes da embarcação.

Em meio a pressão de congressistas sobre a ofensiva, a Casa Branca defendeu o ataque e afirmou que o responsável pelo ataque foi Bradley, o almirante que informou parlamentares sobre o destino do barco nesta semana.