América Central

Nicarágua liberta mais de 200 opositores presos, que são deportados aos EUA

Eles foram declarados 'traidores da pátria' e perderam cidadania nicaraguense, após aprovação de uma mudança na Constituição

O governo da Nicarágua libertou, na madrugada desta quinta-feira, 222 opositores presos, que já foram deportados para os Estados Unidos. O anúncio foi feito inicialmente por parentes e, horas depois, um tribunal da Nicarágua confirmou a libertação dos detidos, que foram declarados “traidores da pátria”. Os opositores foram presos no contexto da repressão que se seguiu aos protestos que eclodiram no país em 2018 contra o regime de Daniel Ortega, no poder desde 2007.

Horas depois, a Assembleia Nacional — dominada pelo regime — aprovou uma reforma na Constituição da Nicarágua para retirar a nacionalidade dos presos deportados. A lei, aprovada com 89 votos, de um total de 91, modificou o artigo 21 da Constituição para acrescentar: “Os traidores da pátria perdem a condição de cidadãos nicaraguenses”.

De acordo com o New York Times, a libertação foi acordada com os Estados Unidos. Segundo altos funcionários ouvidos pelo jornal americano, “o governo da Nicarágua não buscou nada em troca”, embora “concordasse em libertar os presos como forma de sinalizar o desejo de reatar as relações com os EUA”.

Oficialmente, o governo americano afirmou que se trata de uma decisão unilateral da Nicarágua, que classificou como “positiva e bem-vinda”.

“Embora tenhamos constantemente pressionado publicamente e em privado pela libertação dos presos políticos na Nicarágua, o governo da Nicarágua tomou sua própria decisão de liberá-los”, explicou o governo americano em nota.

No comunicado, o governo afirma que facilitou o transporte e a entrada dos presos políticos no país e lhes dará “apoio de emergência”, que inclui assistência médica, itens essenciais, custos básicos de vida e monitoramento psicossocial.

O porta-voz do Departamento de Estado, por sua vez, garantiu que os libertados “deixaram o país voluntariamente” e poderão residir nos Estados Unidos durante dois anos.

Exilados comemoram

Entre os libertados estão presos que estão há mais de dois anos nas prisões Modelo e La Esperanza, e outros que permaneceram na prisão de El Chipote e em prisão domiciliar por mais de 600 dias.

Organizações internacionais e personalidades nicaraguenses no exílio reagiram com choque à repentina libertação e exílio. O Race and Equality comemorou no Twitter a libertação “com emoção e esperança”: “Continuamos firmes em nosso compromisso de continuar lutando pela libertação do restante das pessoas que estão presas injustamente”.

A notícia também foi comemorada em um vídeo publicado nas redes sociais por Arturo McFields, ex-embaixador do país na Organização dos Estados Americanos (OEA), demitido após qualificar seu país como uma ditadura. “No total, 222 presos políticos chegaram à cidade de Washington, foram enfim libertados”, disse McFields, que hoje também vive nos Estados Unidos.

O escritor nicaraguense Sergio Ramírez, que foi vice-presidente de Ortega em seu primeiro mandato (1985-1990) e se encontra exilado na Espanha, também expressou sua satisfação pela libertação dos presos. “Hoje é um grande dia para a luta pela liberdade da Nicarágua, pois vários prisioneiros injustamente condenados ou processados ​​são libertados de prisões, prisões nas quais nunca deveriam ter estado. Eles vão para o exílio, mas vão para a liberdade”, tuitou.

Ortega, um ex-revolucionário de esquerda que liderou o país durante a Revolução Sandinista (1979-1990), ganhou a Presidência em 2006 depois que mudanças foram feitas na Constituição para permitir que os candidatos vencessem sem uma maioria absoluta de votos.

Desde então, foi reeleito três vezes, inclusive no ano passado, em uma votação que grande parte da comunidade internacional e muitos grupos de direitos humanos consideraram uma farsa, devido à inabilitação de sete potenciais candidatos opositores, entre outras medidas antidemocráticas promovidas por Ortega e sua mulher, Rosario Murillo, sua vice-presidente.

O casal governante fez mudanças institucionais e chegou a acordos com os opositores que lhe permitiu controlar o Supremo Tribunal, a comissão eleitoral e a Assembleia Nacional. Eles compraram emissoras de TV e as tornaram mais simpáticas ao governo, enquanto tiravam do ar seus críticos.

Nos últimos anos, o regime também prendeu líderes da oposição e fechou partidos políticos e grupos da sociedade civil. Muitos ativistas políticos e jornalistas fugiram do país.