EMENDA

Câmara aprova em 1º turno PEC da Anistia, que reduz cota para negros nas eleições

Projeto tramitou por mais de um ano com pouquíssimo debate público, mas intensa articulação de bastidores, e só teve oposição do PSOL e do Novo

BRASÍLIA (FOLHAPRESS) – Um dos maiores lobbies do mundo político avançou nesta quinta-feira (11) no plenário da Câmara dos Deputados, que aprovou em primeiro turno a chamada PEC da Anistia, por 344 votos a 89.

Com apoio do PT de Lula e do PL de Jair Bolsonaro, a proposta revoga a determinação de que negros devem receber verba eleitoral de forma proporcional ao número de candidatos —em 2022, pretos e pardos somaram 50,27% das candidaturas—, concede perdão a irregularidades e abre ainda um generoso e perpétuo programa de refinanciamento de débitos aos atuais 29 partidos políticos.

A PEC precisa ser aprovada ainda em segundo turno, o que deve ocorrer ainda nesta quinta. Depois disso, segue para o Senado. Por ser uma emenda à Constituição, caso seja aprovada pelos senadores ela é promulgada diretamente, sem necessidade de veto ou sanção presidencial.

Sobre a questão de negros, a PEC tem o objetivo de derrubar a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que obriga os partidos a distribuir a bilionária verba de campanha de forma proporcional ao número de candidatos brancos e negros (pretos e pardos).

Isso já vale desde 2020. Na disputa de 2022, por exemplo, os negros deveriam ter recebido 50% da verba eleitoral de R$ 5 bilhões, mas a determinação foi descumprida generalizadamente pelos partidos.

A proposta aprovada agora estabelece uma redação que sofreu diversas modificações nos últimos dias, várias delas feitas nesta quinta-feira.

Pelo texto que acabou sendo votado, os partidos aplicarão 30% dos recursos nas candidaturas de negros —ou seja, reduzindo o percentual de cerca de 50% para 30%.

Para as demais eleições, o projeto diz que os partidos que descumpriram a cota racial em 2020 e 2022 podem compensar essa distorção nas quatro disputas seguintes, de 2026 em diante, escapando assim de punição.

Apesar de reduzir a verba que visa estimular a participação de negros na política, o relator da PEC, Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP), tentou passar em seu parecer a impressão de que a medida é benéfica a pretos e pardos.

“A destinação de uma cota constitucional de 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do Fundo Partidário para candidaturas de pessoas pretas e pardas é um importante avanço na democracia brasileira. Essa medida visa a promover a inclusão e valorizar a diversidade racial, reconhecendo-as como pilares constitucionais no âmbito dos direitos políticos.”

A PEC da Anistia foi apresentada em março de 2023 com a assinatura de 184 deputados, incluindo os líderes do governo, José Guimarães (PT-CE), e da oposição, Carlos Jordy (PL-RJ).

Apesar de dizer que não tem nenhum interesse pessoal na medida, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi o responsável por levar a medida a votação no plenário. De todos os partidos com representação na Câmara, apenas o esquerdista PSOL e o direitista Novo se colocaram contra a medida.

Nesta quinta, Lira defendeu a PEC e disse que ela não visa perdoar anistiar penalidades, mas dar previsibilidade aos partidos para cumprimento das cotas.

Mesmo com o amplo apoio partidário, a tramitação da PEC não teve quase nenhuma discussão pública e nem chegou a ser votada na comissão especial pela qual toda emenda à Constituição tem que passar. Como isso não aconteceu no prazo regimental, Lira levou o tema diretamente a plenário.

A redação original da PEC estabelecia o maior perdão da história a irregularidades cometidas pelos partidos, incluindo o descumprimento das cotas para mulheres e negros.

Diante da impopularidade da medida, o texto foi sendo alterado ao longo da tramitação, mas entidades da sociedade civil que acompanham o assunto afirmam que a redação aprovada mantém a possibilidade de uma ampla anistia a fraudes partidárias.

O texto coloca na Constituição que a imunidade tributária aos partidos estende-se a todas as sanções de natureza tributária, exceto as previdenciárias, abrangendo os processos de prestação de contas eleitorais e anuais.

“Na prática, estariam anulados todos os tipos de sanções aplicadas, configurando-se uma anistia ampla e irrestrita para todas as irregularidades e condenações de partidos políticos e campanhas eleitorais”, diz nota pública encabeçada pelas ONGs Transparência Partidária e Transparência Internacional.

A nota diz que a PEC tem potencial de “comprometer de maneira insanável o aprimoramento” da democracia”.

“A proposta de emenda é uma ameaça para a candidatura de mulheres e pessoas negras, à integridade dos partidos políticos e à Justiça Eleitoral.”

“No fecho legislativo do semestre, volta a PEC 9, sinistra! Lira disse que ia pautar essa autoanistia aos partidos ‘em agosto’. Ao vê-la pautada para hoje, percebemos que era… ‘ao gosto’ dele! E de quase todos os partidos, do PT ao PL, que apoiam essa PEC escandalosa”, escreveu o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) em suas redes sociais.

O texto final da PEC acabou não tratando do caso das mulheres. Permanece a determinação de aplicação de recursos proporcional ao número de candidatas, que não deve ser inferior a 30%.

As cotas visam estimular a participação na política. Apesar de serem maioria na população, mulheres e negros são minoria no Congresso e no Executivo.

Além da questão dos negros e do perdão tributário, a PEC da Anistia abre um Programa de Recuperação Fiscal (Refis) específico para partidos políticos, seus institutos ou fundações, “para que regularizem seus débitos com isenção dos juros e multas acumulados” em prazo de até 180 meses.

A redação deixa a possibilidade de os partidos aderirem a esse Refis a qualquer tempo, o que foi classificado pela deputada Adriana Ventura (Novo-SP) como um “Refis eterno”.

O texto também autoriza os partidos a usar recursos públicos do Fundo Partidário para pagar penalidades, entre elas oriundas de uso de caixa dois.

Por fim, a PEC coloca na Constituição até previsões que, normalmente, constariam apenas em leis ou resoluções.

Se a PEC for aprovada de forma definitiva, por exemplo, o Pix, criado em 2020, entrará para a Constituição.

Constará na Carta Magna da República a determinação de que “é dispensada a emissão do recibo eleitoral” na hipótese de “doações recebidas através de Pix pelos partidos, candidatos e candidatas”.