Cúpula da PM-DF tratou de ‘intervenção federal’ e ‘manutenção de Bolsonaro no poder’ após eleição
Sete oficiais foram presos preventivamente em operação deflagrada hoje com base na investigação da PGR

A Procuradoria-Geral da República (PGR) acusou os integrantes da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal de “aderirem a teorias conspiratórias” e disseminarem mensagens com teor golpista para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na denúncia feita ao Supremo Tribunal Federal (STF), a procuradoria elencou uma série de mensagens, vídeos e áudios trocados entre os oficiais durante e depois as eleições do ano passado. Segundo a PGR, isso acabou “gerando um clima social de polarização político-ideológica e de desconfiança nas instituições republicanas”.
A investigação da PGR baseou a operação deflagrada nesta sexta-feira contra a cúpula da PM-DF. Entre os presos preventivamente, estão o atual comandante-geral da PM-DF, coronel Klepter Rosa Gonçalves; o ex-comandante coronel Fábio Vieira e outros cinco oficiais que ocupavam cargos de chefia na corporação durante os atos golpistas de 8 de janeiro. Em nota, a Polícia Militar do Distrito Federal informou que a Corregedoria da Corporação acompanha o andamento da operação da Polícia Federal.
A primeira mensagem destacada pelos investigadores foi enviada por Klepter Gonçalves a Fabio Vieira, em 28 de outubro de 2022 — dois dias antes do segundo turno das eleições.
“Rapaz, vocês tem que entender o seguinte: o Bolsonaro, ele está preparado com o Exército, com as Forças Especi… As Forças Armadas, aí, para fazer a mesma coisa que aconteceu em 64. O povo vai pras rua, que ninguém vai aceitar o Lula ser… Ganhar a Presidência, porque não tem sentido, o povo vai pedir a intervenção e, aí, meu amigo, eles vão nos livrar do comunismo novamente”, diz a transcrição do vídeo.
Após receber o vídeo, Fabio Vieira, à época comandante-geral da PM-DF, compartilhou o conteúdo com o coronel Marcelo Casimiro Rodrigues, então Comandante do 1º Comando de Policiamento Regional, que cuida da área da Esplanada dos Ministérios e Praça dos Três Poderes.
A troca de mensagens com teses golpistas entre os dois oficiais da PM “se intensificou após as eleições”, segundo a PGR.
Em 1 de novembro, Casimiro enviou um quadro explicativo que apontava três possibilidades para a sucessão presidencial – “artigo 142”; “intervenção federal” e “intervenção militar”. Após enviar a mensagem, ele comentou: “Não se procede esse entendimento, mas é interessante a explicação”.
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No dia seguinte, em meio ao início do acampamento de bolsonaristas radicais em frente ao Quartel-General do Exército, Jorge Eduardo Barreto Naime, então chefe do Departamento de Operações (DOP) da PMDF, trocou mensagens com outro policial e apontou que os policiais não deveriam prestar apoio ao Exército no local.
Após o policial enviar vídeos do local, demonstrando animação com a quantidade de pessoas presentes, Naime determina a omissão no caso.
“Deixa os melancia (sic) se virar”, escreveu.
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“Melancia” é um termo utilizado por bolsonaristas para se referir de forma pejorativa a militares que, como a fruta, seriam verdes por fora, em referência à farda, mas vermelhos por dentro, em referência a uma suposta filiação a ideais de esquerda.
Em outra mensagem, o Major Flávio Alencar, que estava no comando de uma das tropas durante as invasões aos prédios dos Três Poderes, comentou a reclamação de políticos após os protestos violentos no dia da diplomação do presidente Lula, em dezembro de 2022.
Na ocasião, Flávio comentou que, na próxima manifestação, era “só deixar invadir o Congresso”.
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Das conversas entre Fabio e Casimiro, o Ministério Público Federal afirmou que se “extraía a conclusão de que os interlocutores trocavam as mensagens por serem adeptos de teorias conspiratórias sobre fraudes eleitorais, ansiando por providências que pudessem levar à subversão do resultado das urnas”.
“Contaminada ideologicamente, a cúpula da PMDF, especialmente pelos ora denunciados, esperava uma insurgência popular que poderia assegurar a permanência de Jair Messias Bolsonaro na Presidência da República”, escreveu o subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos.
Ao todo, agentes da PF saíram às ruas para cumprir sete mandados de prisão preventiva e cinco de busca e apreensão. Os suspeitos foram denunciados por terem se omitido durante as invasões e depredações das sedes dos Três Poderes da República.
Ofensas a Moraes
A denúncia também mostra mensagens em que os comandantes da Polícia Militar do Distrito Federal compartilham áudios de autores desconhecidos com ataques ao ministro Alexandre de Moraes. Em um vídeo encaminhado por Klepter Gonçalves, subcomandante da PM, para Fábio Vieira, então comandante-geral, teorias conspiratórias sobre as eleições e um eventual golpe são difundidas.
As mensagens em áudio, de autoria desconhecida, diriam que as eleições estariam armadas e que isso seria de conhecimento das Forças Armadas. O áudio ainda compartilha teorias conspiratórias de que seria decretado um golpe após a vitória do presidente Lula, com afastamento de Alexandre de Moraes.
“Na hora que der o resultado das eleições que o Lula ganhou, vai ser colocado em prática o art. 142, viu? Vai ser restabelecida a ordem, se afasta Xandão, se afasta esses vagabundo tudinho e ladrão, safado, dessa quadrilha… Aí vocês vão ver o que é por ordem no país. Não admito que o Brasil vai deixar um vagabundo, marginal, criminoso e bandido, como o Lula, voltar ao poder”, diz uma das mensagens compartilhadas pelos comandantes.