Covid-19

Governo Bolsonaro repete falha e estoca 1,2 mi de testes de Covid que vencem este mês

O Ministério da Saúde armazena cerca de 1,2 milhão de testes do tipo RT-PCR para…

O Ministério da Saúde armazena cerca de 1,2 milhão de testes do tipo RT-PCR para Covid que perdem a validade durante o mês de novembro.

Considerados de “padrão-ouro” para diagnóstico, os exames podem ser incinerados se não forem usados nas próximas semanas. Cerca de 250 mil testes expiram em 18 de novembro. Outro lote, de 942 mil unidades, vence no dia 27.

Estes produtos estão avaliados em R$ 42,1 milhões e chegaram há mais de quatro meses no ministério. No fim de 2020 o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) virou alvo de críticas por estocar cerca de 7 milhões de exames com validade curta.

O ministério esconde os dados de estoques dos insumos do SUS. O jornal Folha de S.Paulo revelou que vacinas, testes e medicamentos avaliados em R$ 243 milhões venceram no armazém do Ministério da Saúde, em Guarulhos (SP).

A curta validade dos exames do tipo RT-PCR preocupa gestores do SUS. Alguns estados já perderam produtos para diagnóstico durante a pandemia por perderem o prazo para uso.

Em nota, o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) disse que não tem acesso aos dados sobre os testes estocados.

“Também não temos a informação sobre a possibilidade de o ministério distribuir aos estados insumos usados nos testes RT-PCR com curto prazo de validade”, afirmou a entidade.

O volume de exames guardados em Guarulhos e os prazos de validade foram levantados pela Folha de S.Paulo com base em documentos internos do Ministério da Saúde e confirmados por integrantes da pasta.

O ministro Marcelo Queiroga e seus auxiliares mais próximos só souberam do estoque com validade curta após os questionamentos da reportagem, segundo integrantes da pasta.

Procurada, a Saúde disse que “todos os testes” em estoque estão em “fase de distribuição aos estados”. O ministério, porém, não confirmou o volume armazenado.

Para Adriano Massuda, médico, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-secretário-executivo da Saúde, o estoque perto do fim da validade mostra “absoluta incompetência gerencial de questão básica”, além de “descaso absoluto com o recurso público”.

“O Ministério da Saúde deixou de comandar a resposta à pandemia. A testagem é central, por mais que tenha avanço na vacinação. A gente precisa continuar testando muito para acompanhar como está a dinâmica da epidemia”, afirma Massuda.

Consumir os testes antes do fim da validade desafia a lógica dos exames do SUS. Isso porque o número de testes RT-PCR feitos na rede pública está em queda. Ficou abaixo de 1 milhão de diagnósticos nos últimos dois meses.

Além disso, os estados não utilizam apenas os produtos comprados pelo Ministério da Saúde e têm reduzido os pedidos de entrega ao governo federal. Em outubro, secretarias estaduais pediram ao ministério o envio de 412,9 mil exames contra 1,2 milhão no mês anterior.

Fabricado pelo laboratório Seegene, da Coreia do Sul, e comprado pelo Ministério da Saúde por meio da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), o exame que vence em novembro não é compatível com todos os laboratórios da rede pública.

Por isso, a pasta também entrega exames de outras marcas, como da Fiocruz.

O Ministério da Saúde ainda passou a apostar nos testes de antígeno para Covid, que são mais ágeis e apresentam bons resultados. Ainda assim, o Conass afirma que os testes RT-PCR têm “importante papel” e continuam sendo usados como “padrão-ouro para o diagnóstico”.

A estratégia do governo Bolsonaro para testagem foi marcada por falhas. Dados da Saúde apontam 24 milhões de exames RT-PCR feitos desde o começo da pandemia no SUS. O número é praticamente igual ao de diagnósticos que o governo esperava realizar até dezembro de 2020.

Os testes RT-PCR são feitos a partir da análise de amostras coletadas do nariz e faringe de pacientes. Exames deste tipo costumam custar mais de R$ 200 na rede privada.

O governo Bolsonaro chegou a estocar quase 7 milhões de testes com validade curta no fim do ano passado.

Técnicos da Saúde haviam alertado que a falta de planejamento nas compras poderia levar parte dos exames ao lixo. O ministério não adquiriu na mesma escala todos os insumos usados no diagnóstico: materiais de coleta, como cotonetes, reagentes de extração do RNA das amostras e de amplificação.

Sem os conjuntos completos, alguns estados não conseguiram usar os exames entregues pelo Ministério da Saúde e optaram por compras próprias.

Pressionado, o então ministro e general da ativa, Eduardo Pazuello, minimizou o volume encalhado. Ele disse, em dezembro passado, que o tamanho do estoque era adequado ao Brasil e que parte dos reagentes do kit RT-PCR valia até 2023.

Mas o que vale é o kit completo e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) só aceitou estender a validade dos produtos por mais quatro meses.

As falhas nas entregas dos testes minaram o discurso do governo de que Pazuello e sua equipe eram especialistas em logísticas. Em respostas às críticas, a Saúde afirmou à época que a apenas agia passivamente, entregando os testes conforme as demandas dos estados.

Já o presidente disse, em novembro de 2020, que estados e municípios deveriam explicar o estoque de exames quase vencidos, ainda que eles estivessem no almoxarifado do Ministério da Saúde.

Depois da decisão da agência de prorrogar a validade, a pasta tentou acelerar a entrega dos exames para se livrar do estoque. Além de ampliar o ritmo de exames no SUS, o ministério fez negociações frustradas de doação de lotes a hospitais filantrópicos e de até 1 milhão de testes ao Haiti.

Apesar dos esforços, técnicos da Saúde avaliavam que parte do estoque iria vencer. Antes de chegar ao fim da validade, porém, os exames acabaram sendo reprovados em testes de qualidade.

Estes laudos forçaram a fabricante a repor o estoque interditado. Mas é justamente parte destes exames doados ao ministério que pode agora vencer.

O MPF (Ministério Público Federal), o TCU (Tribunal de Contas da União) e a CPI da Covid apontaram falhas na distribuição destes exames.

“Até meados de maio de 2021, o país não contava com uma estratégia bem delineada para a realização de testes de detecção e triagem da covid-19”, afirma o parecer final da comissão do Senado.

Em nota, o Conass reconhece que a queda de casos suspeitos da Covid influencia no rito de exames. “Além disso, vêm sendo progressivamente incorporadas outras metodologias, como os testes rápidos de antígenos. Todavia, era essencial o preparo com a aquisição de testes suficientes para um pior cenário, principalmente com o aumento de circulação da variante delta”, diz a entidade.

Além dos exames que vencem em novembro, o governo Bolsonaro tem cerca de 2,2 milhões de testes RT-PCR que expiram de fevereiro a junho de 2022. No total, a Saúde investiu cerca de R$ 1,2 bilhão na compra de testes deste tipo na pandemia.