TROCA DE VALORES

Secom destinou à vacinação 6,2% do que gastou para pregar ‘cuidado precoce’

Dados da Secom, pasta do Palácio do Planalto responsável pela comunicação do governo federal, mostram…

Dados da Secom, pasta do Palácio do Planalto responsável pela comunicação do governo federal, mostram que, até abril deste ano, ações publicitárias relacionadas à vacinação contra a covid-19 representavam apenas 6,2% do montante destinado para divulgar o que o governo chamou de “cuidados precoces”.

O documento, enviado à CPI da Covid no Senado, indica que, até outubro de 2020, a Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) havia autorizado o empenho de R$ 19.370.015,27 nas ações categorizadas como “cuidados precoces”. Os materiais foram veiculados ao longo do segundo semestre do ano passado e também no começo de 2021.

Por sua vez, as ações realizadas pela Secom para promover a vacinação no país custaram, de acordo com o relatório, R$ 1,2 milhão. O registro da autorização dos recursos é de março deste ano. A cifra não inclui campanhas que ocorreram no âmbito do Ministério da Saúde, com recursos e/ou meios próprios.

Procurado pela reportagem, o ministério não especificou qual foi o valor desembolsado com a divulgação do PNI (Plano Nacional de Imunização). De acordo com a pasta, foram realizadas 25 campanhas publicitárias “com os mais diversos temas” desde março de 2020, “como orientações sobre sintomas da doença, transmissão, recomendações para os grupos mais vulneráveis, medidas preventivas e reforço da importância da campanha de vacinação contra a doença”.

“Os conteúdos foram veiculados em canais de TV, rádio, internet e outras mídias, com mais de 1,2 bilhão de inserções e visualizações na internet, e o investimento de R$ 316,2 milhões”, informou o Ministério da Saúde, em nota.

Para fins de comparação, a Secom empenhou com a divulgação do programa “Wi-Fi Brasil” (criado para ampliar o acesso à internet em áreas pobres do país) o montante de R$ 10 milhões — quase dez vezes o investido na divulgação da imunização. Já o “Adote um Parque” teve orçamento de R$ 1 milhão.

O termo “cuidado precoce” é uma derivação do “atendimento precoce”, expressão adotada pelo governo na tentativa de driblar a polêmica relacionada ao incentivo do presidente da República ao uso da cloroquina e de outros remédios sem eficácia comprovada no tratamento da covid-19.

Entre as contratações feitas pela Secom, mais de R$ 1,3 milhão foram utilizados para custear serviços de marketing com influenciadores digitais. A informação foi revelada em reportagem da Agência Pública e publicada no UOL. Ao menos R$ 85,9 mil representaram o cachê pago a 19 pessoas apontadas como celebridades ou subcelebridades na internet. A missão era divulgar o “atendimento precoce”.

Durante o segundo semestre de 2020, o foco das orientações que o governo divulgava de forma ampla e sistemática era a adoção do chamado “kit covid”, ineficaz na prevenção do doença. A estratégia de comunicação também incluiu, em proporção mais modesta, incentivo às medidas não farmacológicas, como o uso de máscara e álcool gel.

No mesmo período marcado pela narrativa do “cuidado precoce”, entre agosto e novembro de 2020, Bolsonaro acelerava sua campanha pessoal em defesa da cloroquina e hidroxicloroquina, medicamentos que compõem o “kit covid” e que são recomendados até hoje por Bolsonaro.

Depoimento de Wajngarten

Em depoimento à CPI, o ex-chefe da Secom Fábio Wajngarten confirma que a pasta realizou investimentos com o intuito de difundir o uso de remédios dos quais o presidente Bolsonaro é um entusiasta.

Segundo o publicitário, o “atendimento precoce” foi objeto de duas campanhas justamente no período entre outubro e novembro de 2020.

Na oitiva, Wajngarten também listou outras ações que, segundo ele, foram executadas pela Secom durante a sua gestão. O primeiro registro de atenção ao tema da vacinação se deu em dezembro do ano passado, em campanha educativa junto ao Ministério do Turismo para prestar “esclarecimentos” sobre vacinação e protocolos de segurança do turismo.

Somente em janeiro de 2021, de acordo com o relato de Wajngarten, a vacinação passou a ser assunto prioritário das ações deliberadas pela secretaria, com campanhas veiculadas junto ao Ministério da Saúde.

Em março, mês em que o Brasil trocava o ministro da Saúde pela terceira vez em 12 meses de pandemia (o general Eduardo Pazuello deu lugar ao médico Marcelo Queiroga), o governo brasileiro enfim concretizou o acordo para compra de vacinas da Pfizer.

O desfecho se deu depois de um longo período de negociações. Depoimentos à CPI indicam que o governo brasileiro ignorou a ofertas da farmacêutica ainda em agosto de 2020. As conversas só começaram a evoluir a partir de dezembro do ano passado.

Outro lado

O UOL enviou à Secom perguntas sobre as ações publicitárias realizadas durante a pandemia. A pasta foi indagada se houve alguma campanha realizada sob a sua ingerência após abril de 2021 —data limite do relatório enviado à CPI. Também foi questionado se houve, por parte da comunicação do governo, alguma restrição orçamentária e se existiria alguma justificativa institucional para os fatos que foram relatados. Não houve resposta até ontem (9).