clandestino

“Método natural”: inseminação caseira para engravidar cresce no Brasil; entenda os riscos

Homens que doam sêmen oferecem "serviço" em aplicativos e grupos nas redes sociais

O número de mulheres e casais recorrendo ao chamado “método natural” de inseminação caseira vem crescendo no Brasil, impulsionado pela crise econômica, pelo alto custo das clínicas de reprodução assistida e pela influência das redes sociais. A prática, que promete realizar o sonho da maternidade de forma simples e barata, traz sérios riscos à saúde e desafios legais, segundo especialistas e órgãos reguladores.

Mercado paralelo em expansão

Em grupos do Facebook, WhatsApp, Instagram e TikTok, por exemplo, o que antes era apenas troca de informações se transformou em um verdadeiro mercado informal de doação de sêmen. Nessas comunidades é possível encontrar homens oferecendo o material genético — alguns de forma “altruísta”, outros mediante pagamento.

O método mais utilizado é a inseminação caseira, na qual o sêmen é coletado e inserido com uma seringa na vagina da mulher que deseja engravidar. O procedimento, aparentemente simples, dispensa qualquer acompanhamento médico, aumentando o risco de infecções, transmissão de doenças sexualmente transmissíveis (ISTs) e complicações durante a gestação.

Há também relatos de “doadores” que tentam impor o sexo como parte da doação, sob o argumento de que a relação natural aumenta as chances de sucesso — o que levanta preocupações sobre exploração e abuso.

Foto: FreePik

Alternativa barata, mas perigosa

Com o custo de uma inseminação artificial em clínicas particulares podendo ultrapassar R$ 12 mil, muitas mulheres veem o método caseiro como única alternativa. Há relatos de tentativas que custaram apenas R$ 6 — o preço de um potinho e uma seringa.

No entanto, médicos alertam que manipular sêmen cru sem triagem ou higienização representa risco elevado. O material pode conter vírus e bactérias, e a falta de controle sanitário expõe as tentantes a hepatite, HIV e outras infecções graves.

Além disso, a inserção incorreta do sêmen — principalmente quando feita diretamente no útero — pode causar reações alérgicas severas ou até choques anafiláticos.

Nas clínicas especializadas, ao contrário, o esperma é processado e testado, e a saúde da mulher é avaliada antes do procedimento. “O controle clínico reduz quase a zero o risco de contaminação e garante o sigilo do doador”, reforçam profissionais da área.

Foto: FreePik

Impasse jurídico e disputa por registro

A ausência de legislação específica faz com que os casos de inseminação caseira se acumulem na Justiça. O principal impasse envolve o registro civil dos bebês nascidos por meio do método.

Hoje, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) exige um laudo de clínica de fertilização para o reconhecimento de dupla maternidade em casais homoafetivos femininos. Como a inseminação caseira não envolve clínicas, muitas crianças são registradas apenas com o nome da mãe gestante, o que obriga as famílias a recorrerem ao Judiciário.

Entidades como o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) defendem a flexibilização dessa regra, para garantir o direito ao registro sem burocracia. Já a Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) é contrária, alegando que liberar o registro sem laudo médico pode incentivar a prática insegura e gerar disputas judiciais sobre paternidade no futuro.

Em alguns casos, o doador de sêmen chega a ser intimado a participar de audiências, mesmo após ter aberto mão da paternidade. Juristas alertam que, sem contrato formal ou respaldo legal, esses acordos informais não têm validade e podem resultar em litígios e obrigações inesperadas.

Falta de controle e risco genético

Outro ponto sensível é a ausência de controle sobre o número de filhos gerados por um mesmo doador. Sem fiscalização, não há como garantir que pessoas com o mesmo pai biológico não se relacionem entre si no futuro, o que levanta riscos genéticos e éticos.

Em clínicas regulamentadas, cada doador só pode gerar um número limitado de famílias, justamente para evitar esse tipo de problema.

O que dizem os especialistas

Especialistas em saúde reprodutiva alertam que a popularização da inseminação caseira sem orientação médica cria um cenário de vulnerabilidade e risco coletivo. O “método natural” pode parecer uma alternativa acessível, mas a economia imediata pode custar caro no longo prazo, tanto para a saúde da mãe quanto para a segurança jurídica da criança.

Além dos perigos de infecção e contaminação, há o risco emocional e social de criar laços com um doador que não possui nenhuma obrigação legal sobre o bebê.

Crescimento silencioso

Mesmo com alertas e riscos, a prática segue crescendo. O sucesso de tentativas divulgadas em redes sociais estimula outras mulheres a tentar o mesmo caminho, enquanto os “doadores mais bem-sucedidos” se tornam figuras populares entre as tentantes.

A falta de regulação, a desigualdade econômica e o avanço da desinformação ajudam a sustentar o fenômeno. Para os especialistas, o aumento da inseminação caseira é um reflexo direto da carência de políticas públicas voltadas à reprodução assistida e da judicialização crescente das relações familiares no país.

*Com informações do EXTRA e CNN