Dia Nacional da Espeleologia

De Goiás ao Vietnã: espeleólogo que explorou mais de mil cavernas revela mistérios, descobertas e experiências extremas

Alexandre Lobo fotografa as profundezas e mostra os lugares mais incríveis que já conheceu; veja as imagens

Alexandre Lobo é um dos mais experientes espeleólogos do Brasil. Paulista de Mauá e atualmente morando em Brasília, ele soma 34 anos de dedicação à espeleologia — ciência celebrada neste sábado, 1º de novembro —, com especialização em fotografia de cavernas, exploração, mapeamento e espeleomergulho. Transformando seu amor pelo mundo subterrâneo em carreira e paixão, Alexandre já explorou mais de mil cavernas, do Cerrado goiano às profundezas do Vietnã, acumulando histórias de mistérios, descobertas e experiências extremas.

Fascínio começou na infância

A trajetória de Alexandre começou cedo. Aos seis anos, ele folheava o livro Dentro da Terra, e ali nasceu um fascínio que o perseguiria por toda a vida. “Aos 20 anos, conheci um professor de geologia e espeleólogo que me levou para a minha primeira caverna, a Caverna de Santana, no PETAR, em São Paulo”, recorda. Desde então, Lobo percebeu que a espeleologia não era apenas uma atividade, mas um chamado. “O que me levou a ser espeleólogo foi a possibilidade de conhecer lugares em nosso planeta onde nenhum ser humano havia pisado antes. É sensacional.”

Entre grutas brasileiras e abismos internacionais

A experiência de Alexandre atravessa fronteiras. No Brasil, ele destaca a Gruta do Janelão, no Vale do Rio Peruaçu, em Minas Gerais, pela imponência de sua beleza e dimensões, a Gruta dos Brejões, na Chapada Diamantina, por seus aspectos geológicos e arqueológicos, e as cavernas do Parque Estadual de Terra Ronca, em Goiás, onde rios subterrâneos percorrem mais de oito quilômetros.

Mas a exploração não se limitou ao território nacional. Alexandre já enfrentou a gigantesca Hang Son Doong, no Vietnã, e o histórico abismo Gouffre Berger, na França, primeiro abismo do mundo a ultrapassar a marca de mil metros de profundidade.

Fotografia como expressão e registro

Para Alexandre Lobo, a fotografia é tão essencial quanto a exploração. Entre suas imagens favoritas está o Salão Telécio, na Toca da Boa Vista, a maior caverna do Brasil, com mais de 115 km de condutos. Essa fotografia foi um marco em sua carreira, pois representou sua primeira expedição dedicada exclusivamente à fotografia de cavernas e ainda lhe rendeu um prêmio de revista de natureza.

Foto: Instagram @natureza_subterranea

Outras imagens especiais incluem uma foto noturna na Gruta dos Brejões, mostrando um espeleólogo fazendo rapel em um pórtico de entrada de mais de 100 metros, e outra no Poço da Camisa, em Goiás, que recebeu menção honrosa no maior prêmio de fotografia da América Latina.

Para Alexandre, cada clique é uma oportunidade de revelar a beleza do mundo subterrâneo, muitas vezes desconhecida por quem vive na superfície.

Cavernas de Goiás e do Cerrado que não podem ser ignoradas

Ao falar sobre Goiás, Alexandre não hesita. Para ele, a Lapa do Angélica e a Lapa de Terra Ronca são experiências indispensáveis para quem deseja compreender a grandiosidade das cavernas brasileiras. Próximas a essas, outras cavernas como a Lapa de São Bernardo e a Lapa de São Mateus também merecem atenção.

Para os mais aventureiros, a Lapa de São Vicente, que leva até a Garganta do Diabo, oferece uma experiência única, com uma cachoeira pulsando dentro da caverna, permitindo sentir a força da mãe natureza em seu estado mais bruto.

Mesmo com todas essas experiências, Alexandre ainda mantém sonhos internacionais. Ele quer conhecer a Mammoth Cave e a Lechuguilla Cave, nos Estados Unidos, e mergulhar nos cenotes do México. A Malazamanga Cave, em Madagascar, também está na lista de lugares que ele deseja explorar, reafirmando seu espírito de descoberta.

Preparação física, psicológica e o desafio da escuridão

A espeleologia exige mais do que força física. Alexandre explica que o preparo psicológico é tão essencial quanto o físico. “É preciso dominar a mente em situações adversas. A escuridão total e o piso irregular exigem atenção constante, assim como o domínio de técnicas verticais para lidar com desníveis”, detalha.

Ele também recorda situações inesperadas, como quando uma equipe se perdeu dentro de uma caverna e demorou para retornar. Naquela época, sem smartphones, os membros não tinham relógio e perderam a noção do tempo. “Quase 30 minutos depois de iniciarmos a busca, encontramos todos bem. Hoje, isso não aconteceria, pois sempre há alguém com celular”, comenta.

Descobertas e contribuições

A trajetória do espeleólogo é marcada por descobertas notáveis. No início dos anos 1990, durante exploração da segunda maior caverna do Brasil, a Toca da Barriguda, a equipe de Alexandre encontrou o esqueleto de urso mais completo registrado no país.

Além do impacto histórico, a espeleologia contribui para a ciência e o meio ambiente. Estuda-se paleoclima através de espeleotemas, a hidrologia se beneficia do conhecimento sobre águas subterrâneas e ecossistemas de cavernas revelam espécies adaptadas, essenciais para o equilíbrio ecológico. “As cavernas preservam fósseis e registros ambientais únicos, ajudando a compreender a evolução da vida e mudanças no clima ao longo do tempo”, explica.

Proteção e desafios das cavernas brasileiras

Apesar de o Brasil contar com uma das legislações ambientais mais modernas do mundo para proteção de cavernas, a fiscalização ainda é insuficiente. Alexandre destaca que mineração e contaminação de aquíferos são as maiores ameaças às cavernas. No país, existem atualmente mais de 26 mil cavernas registradas oficialmente, mas estima-se que o potencial ultrapasse 100 mil cavernas, muitas ainda inexploradas.

Explorando o mundo submerso

A exploração subaquática, que ficou paralisada por mais de duas décadas, voltou com força. Em 2021, uma autorização especial permitiu a expedição Conexão Brejões, na Bahia, que conectou por mergulho duas cavernas de um mesmo sistema, cujos lagos e sifões nunca haviam sido explorados. O filme Conexão Brejões – O Elo Submerso documenta essa conquista.

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Além disso, a recém-criada ABRAMEC (Associação Brasileira de Mergulhadores de Cavernas) promete avanços nas explorações subaquáticas em cavernas brasileiras, com muitas descobertas previstas para os próximos anos.

O legado da Natureza Subterrânea

O espeleólogo lidera o projeto Natureza Subterrânea, que utiliza gêmeos digitais para digitalizar cavernas e permitir tours virtuais acessíveis de qualquer lugar do mundo. O projeto mais recente foi a digitalização do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, em Minas Gerais, lançado em março de 2025, o primeiro parque nacional de cavernas digitalizado no Brasil. Para Alexandre, a tecnologia é uma ferramenta para aproximar as pessoas da beleza e do valor científico do mundo subterrâneo, preservando-o para futuras gerações.

Para quem se interessa por espeleologia e quer começar a explorar esse universo, fica a dica de Alexandre: “Procure informações sobre grupos de espeleologia, são os melhores lugares para começar. Consulte o site da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), a seção grupos filiados possui todos os grupos que fazem parte da sociedade”.

Dia Nacional da Espeleologia

No dia 1º de novembro é celebrado o Dia Nacional da Espeleologia, data que marca a fundação da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), em 1969. A data tem como objetivo destacar a importância da ciência que estuda as cavidades naturais subterrâneas — suas formações geológicas, ecossistemas, modos de preservação e formas de vida. A espeleologia é essencial para a proteção desses ambientes únicos e pouco acessíveis, que muitas vezes abrigam espécies endêmicas e preservam registros arqueológicos e fósseis de valor inestimável.