Vulcanis: ‘não é possível mais reverter o lixão de Goiânia para condição de aterro’
Secretária de Meio Ambiente do Estado afirma que relatório de fiscalização apontou descumprimento de todas normas ambientais

Em entrevista publicada no canal da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) no Youtube, a titular da pasta, Andréa Vulcanis, afirma que ficou impossível reverter o lixão de Goiânia à condição de aterro sanitário, com licença ambiental. Vulcanis também detalha o relatório de fiscalização concluído em abril por técnicos da Semad no local, que indicaram para o completo descumprimento de normas ambientais.
Confira entrevista da secretária sobre o lixão
Secretária, está feito o relatório de fiscalização do lixão de Goiânia. Quais são os próximos passos? O lixão está embargado, tem multa em cima dele? Qual é a situação administrativa de lá?
Na mesma data em que esse relatório foi editado, saiu uma decisão do Tribunal de Justiça determinando ao município de Goiânia que mantivesse as operações no lixão, contrariando uma decisão judicial anterior que mandava fazer a desmobilização ali no prazo de 30 dias. Em razão disso, nós entendemos que não deveríamos agir até que houvesse uma ordem judicial no sentido de dizer que a Semad estaria habilitada a fazer o que tem que ser feito. Saiu recentemente, acho que tem menos de uma semana, uma decisão nova do Tribunal de Justiça, dizendo que a Semad é o órgão de controle e fiscalização de todos os aterros no Estado, inclusive no caso de Goiânia. A partir daí, então, o que nós fizemos? Demos divulgação ao município do relatório, para que eles tenham conhecimento e possam, inclusive, respondê-lo tecnicamente, se é que já tem algum estudo, algum laudo produzido pelo município, e ao mesmo tempo estamos emitindo uma multa diária por operação.
Como está o diálogo?
Na quarta-feira passada, o município foi convidado para uma reunião para discutir um plano de desmobilização do lixão, uma vez que não há a menor condição, nesse momento, de licenciar esse lixão, pelo fato de ele ter muitas irregularidades. O Estado de Goiás, a Semad, a gente não quer causar caos no município, nem problema sanitário com a coleta e depois a disposição desse resíduo. Mas, ao mesmo tempo, a gente tem que tomar providências importantes e urgentes para que cesse a degradação ambiental que está acontecendo no lixão de Goiânia.
O prefeito argumenta que é injusto cobrar do município, nesse momento, que dê solução para esse problema de imediato, tendo em vista que o mandato de Sandro Mabel começou agora. A senhora concorda com esse argumento?
Veja só: o gestor público, ao assumir o mandato, ele assume os bônus e os ônus. Essa situação do lixão de Goiânia está sendo discutida há mais de década, junto com o Ministério Público. Então, argumentar que o prefeito acabou de tomar posse, que não é justo com ele, não é um argumento razoável. Por quê? Porque a lei mandava desativar os lixões até 02 de agosto de 2024. As condições de operação do lixão de Goiânia são condições críticas. Não se trata, definitivamente, uma questão política, de dar um prazo a mais para o prefeito ou não. O prefeito, ao assumir o mandato, ele assumiu esse passivo junto com o mandato. Desde antes de ele ser eleito, aquele lixão já não podia mais existir.
Lembrando que, se o lixão de Goiânia tivesse as condições técnicas adequadas, a Secretaria de Meio Ambiente poderia emitir a licença ambiental para a operação desse lixão, desde que ele fosse, claro, caracterizado como um aterro sanitário. Bastaria o município solicitar uma licença e a Secretaria permitiria a operação. A questão é que ali são tantos descumprimentos, tantas irregularidades, que nós não temos como emitir uma licença.
O prefeito de Goiânia diz que existe uma “máfia” formada por Semad e o Ministério Público que tem o objetivo de fortalecer, de favorecer os aterros privados e que essa “máfia” estaria forçando o fechamento do lixão de Goiânia. O que tem de verdade nisso?
Olha, eu repudio veementemente esse tipo de afirmação. A Secretaria de Meio Ambiente, junto com o Ministério Público, tem uma atuação técnica e jurídica. É um absurdo esse tipo de acusação, uma cortina de fumaça para que a situação do aterro de Goiânia continue nas condições em que está, de operação absolutamente irregular. Joga-se esse tipo de informação para criar narrativas na mídia, mas a solução mesmo para o lixão de Goiânia até agora ainda não apareceu. O relatório que a Semad elaborou é um relatório técnico, feito por analistas ambientais que tiveram aquele aterro várias vezes, levantando e detectando todos os problemas. E o Ministério Público Estadual vem agindo com relação ao lixão de Goiânia há muitos anos. Então, esse tipo de acusação eu realmente repudio e considero elas, (6:02) inclusive, acusações criminosas que devem ser respondidas aí pelo prefeito Sandro Mabel.
O relatório da Semad apontou pelo menos 12 falhas gravíssimas no lixão de Goiânia. A senhora pode comentar sobre algumas delas?
As normas da ABNT identificam tudo que um aterro sanitário, para ser considerado aterro, deve ter. A Secretaria fez vistorias para poder considerar o que é que estava acontecendo no lixão de Goiânia. Cada um desses itens considerados técnicos foram analisados. Basicamente, o município de Goiânia está descumprindo todos os itens, sendo 12 desses os mais críticos. E aí, a gente pode falar de alguns deles, para que vocês entendam a dimensão do problema do lixão de Goiânia. Lá no lixão, por muito tempo, foram depositadas coisas misturadas com lixo doméstico. Então, teve resíduos de construção civil, galhadas, e isso forma bolhas de ar dentro da pilha que foi formada lá. A primeira pilha tem mais de 80 metros de altura. Com essas bolhas de ar o que acontece? Os gases que são fermentados ali por conta do processamento do retorno lixo criam bolsões ali dentro da pilha. Como é que isso deve ser gerido? Com extravasores desse gás, que a partir desse extravasamento reduz-se a possibilidade de explosões. A vistoria que a secretaria fez constatou que esses dutos, por onde os gases deveriam estar saindo, muitos deles estão interrompidos, quebrados, sem receber manutenção adequada. O que nos leva à conclusão de que pode sim haver bolsas de gás dentro da pilha, com possibilidade, portanto, de explosão.
Além disso, a pilha não é recoberta regularmente, o que atrai mosquitos, ratos, baratas, aves, como os urubus e assim por diante. Isso fica circulando ali, levando doenças para as comunidades do entorno. Também há questões com relação à drenagem do chorume e ao fato de o lixão estar muito perto do córrego Caveirinha, o que pode sim provocar contaminação também nos cursos d’água.
A prefeitura diz que, com um determinado investimento, é possível regularizar aqui o lixão e garantir que ele continue operando.
As informações técnicas passadas pelos analistas indicam que não é possível reverter mais a condição do lixão de Goiás para uma situação de um aterro sanitário. Por quê? Porque as dimensões são muito grandes, é muito volume de lixo, são muitos anos de descaso, de descuido com a gestão adequada do aterro sanitário. Além disso a gente tem comunidades, bairros inteiros próximos a menos de 300 metros de distância do lixão, além do curso d’água. Então todas essas características do local ali indicam que por mais que se faça investimento, não é possível reabilitar essa área. O que tem que ser feito é paralisar o depósito de lixo, ou seja: paralisar o dano ambiental, fazer as medidas de remediação para a gestão adequada daquela pilha, para que ela não perca a estabilidade, para que não tenha problema com os gases, a explosão, a gestão do chorume, e evitar ali aquela contaminação. As ações de manutenção para evitar o agravamento desses danos vão ter que acontecer ao longo de muitas décadas.
Em 2019, firmou-se um TAC que previa vida útil de 12, 14 anos para aquele lixão, ainda que estivesse comprometido pela proximidade com o núcleo habitacional e com o córrego Caveirinha. Mas o que o relator aponta é que como o lixão está recebendo duas vezes e meia mais resíduos do que o inicialmente planejado, que essa vida útil já caiu também pela metade. É esse mesmo o cenário?
É esse o cenário. De fato, o lixão recebe muito mais volume de resíduo do que tinha sido planejado pelo projeto de engenharia que determinou a vida útil dele. Estima-se que nesse momento a gente deve estar falando entre três, quatro, no máximo seis anos de vida útil, desde que aconteça lá uma gestão um pouco mais adequada para evitar os danos ambientais, que estão acontecendo lá nesse momento.
Se a prefeitura de Goiânia acatar o que determina a Semad e fechar o lixão, para onde vai lixo da cidade?
O lixo de Goiânia deve ir para um aterro sanitário com licença ambiental em um raio de entre 100 e 200 km da sede do município de Goiânia. Então como é que isso funciona? O município deve fazer uma licitação e identificar qual é o aterro sanitário que está disponível ao custo que viabilize a transferência desse resíduo para um local adequado.
E quem vai cuidar daquele lixo que já está no lixão?
Todos os lixões que ficaram como passivos ambientais são de responsabilidade do município. Foram os municípios que criaram o problema, agora cabe aos municípios resolvê-lo. Então no caso dos lixões, precisa fazer a paralisação da área, interditar aquele local, esse local fica em um cadastro junto ao Estado de Goiás como área contaminada no lixão daquelas proporções. São 500, 800 anos que aquela área não pode ter nada ali em cima. É preciso fazer um controle dos chorumes, dos gases e tudo mais por muitos anos e isto é responsabilidade do município. Quem criou o problema tem que resolver o problema.
