Coluna do Pablo Kossa

Retratos Fantasmas também poderia ser filmado em Goiânia

Retratos Fantasmas fala de uma Recife que não existe mais e também poderia ser sobre uma Goiânia que se perdeu

(Foto: Divulgação)

Retratos Fantasmas, último trabalho do incensado diretor Kléber Mendonça Filho, é um baita filme. Falando de uma realidade que aparenta ser só de uma Recife que não existe mais, a obra tem a capacidade de dialogar com o que vivemos em inúmeras cidades do Brasil e do planeta. Aquela virtude que só os grandes trabalhos artísticos têm, lidando com algo aparentemente circunscrito e pequeno se conecta com a humanidade. A tribo e o mundo. Tudo ano mesmo tempo, tudo fazendo sentido.

Recife, mais precisamente os bairros de Setúbal na praia de Boa Viagem e o Centro, são os protagonistas do recorte do diretor. Aí é está o pulo do gato. Aquilo que parece ser só do interesse do recifense ou, vá lá, do pernambucano, diz muito também às metrópoles que deixam seu ambiente urbano se deteriorar a olhos nus, ano após ano.

Impossível não pensar em Goiânia. A Setúbal de Recife poderia ser algo como o Setor Oeste ou o Setor Sul ou o baixo Setor Bueno da capital de Goiás. Um bairro de elite que tinha uma vida comunitária, uma vizinhança que estabelecia relações, ocupava os espaços públicos e criava vínculos. Mas isso foi se perdendo. A verticalização chegou chegando, as grades apartaram os espaços, as pessoas perderam suas conexões entre si… Quem não enxerga a decadência desse processo está morto por dentro.

E sobre o Centro… Centro é Centro em qualquer lugar, ainda mais quando falamos de duas grandes cidades brasileiras. O abandono desses bairros é um dos sinais de nossa falência enquanto sociedade. O recorte de Mendonça se dá pelos cinemas de Recife, espaços que por óbvio lhe são emocionalmente caros. Tal qual aconteceu com as salas que habitam a memória afetiva do goianiense que viraram igrejas, lojas de departamento, farmácias ou hoje têm programação de conteúdo pornográfico. 

Mas se não quisermos falar de cinema, poderíamos abordar os sebos que fecharam, as livrarias que são passado, as bancas de revista de portas cerradas, os restaurantes que não existem mais, as famílias que abandonaram o bairro junto do dinheiro que saiu de lá. Melancólico, como quando Caetano diz pela voz de Gal que hoje “neguinho também só quer saber de filme em shopping”. 

E sempre irônico é ver a nossa breguice que acha lindo visitar as instagramáveis Veneza, Florença, Paris ou Buenos Aires com ruas históricas preservadas e construções de mais de século de pé. Enquanto por aqui, derrubamos imóveis pra construir mais uma farmácia toda de vidro na esquina

Retratos Fantasmas está disponível na Netflix. Pra se lembrar de quando o mundo era outro, assista ao filme no final de semana. Você vai gostar.

@pablokossa/Mais Goiás | Foto: Reprodução