Brasília

Abin confirma uso de programa secreto que monitorou alvos durante governo Bolsonaro

Em nota, agência informou que contrato foi encerrado em maio de 2021

Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
Agência Brasileira de Inteligência (Abin)

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) confirmou nesta terça-feira ter utilizado um sistema capaz de monitorar a localização de qualquer pessoa por meio do número de telefone celular. A agência operou a ferramenta secreta durante os três primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro. O programa permitia, sem qualquer protocolo oficial, vigiar os passos de até 10 mil proprietários de celulares a cada 12 meses. O órgão, contudo, não possui autorização legal para acessar dados privados.

Em nota, a agência admitiu que o contrato para uso do programa, de caráter sigiloso, teve início em em 26 de dezembro de 2018 e foi encerrado em 8 de maio de 2021. “Atualmente, a Agência está em processo de aperfeiçoamento e revisão de seus normativos internos, em consonância com o interesse público e o compromisso com o Estado Democrático de Direito”, diz a agência, em nota.

A ferramenta, chamada “FirstMile”, ofereceu à agência de inteligência a possibilidade de identificar a “localização da área aproximada de aparelhos que utilizam as redes 2G, 3G e 4G”. Desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint), o programa permitia rastrear o paradeiro de uma pessoa a partir de dados transferidos do celular para torres de telecomunicações instaladas em diferentes regiões. Com base no fluxo dessas informações, o sistema oferecia a possibilidade de acessar o histórico de deslocamentos e até criar “alertas em tempo real” de movimentações de um alvo em diferentes endereços.

Integrantes da Abin relatam que o mecanismo era usado sem a necessidade de registros sobre quais pesquisas eram realizadas. Na prática, qualquer celular poderia ser monitorado pelo programa sem uma justificativa oficial. A utilização da ferramenta gerou questionamentos internos no órgão, inclusive com relatos de sua utilização contra os próprios agentes. A polêmica resultou em um procedimento interno para apurar os critérios de utilização e a regularidade da contratação dessa tecnologia de espionagem.

Em suas redes sociais, o ex-diretor da Abin e atualmente deputado federal, Alexandre Ramagem (PL-RJ), afirmou que o uso da ferramenta estava dentro da legalidade, embora não explique qual norma permitiu à agência pudesse monitorar alvos de forma sigilosa e sem a necessidade de registros.

Na postagem, Ramagem afirma que o programa havia sido comprado na gestão anterior, ainda na gestão de Michel Temer. A contratação, contudo, é datada de 26 de dezembro, a cinco dias do início do governo Bolsonaro, quando a ferramenta continuiu a ser usada ao longo de três anos.

— Em 2019, ao assumir o órgão, procedemos verificação formal do amparo legal de todos os contratos. Para essa ferramenta, instauramos ainda correição específica para afirmar a regular utilização dentro da legalidade pelos seus administradores, cumprindo transparência e austeridade — afirmou em suas redes sociais.

O Globo obteve o documento que instaurou a correição citada pro Ramagem. O documento está presente em um boletim interno da agência publicado no dia 28 de março de 2022, quase um ano após o fim do contrato, como confirmado pela Abin. Ramagem deixou o cargo dois dias após o procedimento ser instaurado em razão de sua candidatura à Câmara dos Deputados.