ASSÉDIO SEXUAL

Alunas de escola particular na Zona Sul do Rio denunciam assédio sexual de professores

Na última semana, alunas do Colégio Santo Inácio, na Zona Sul do Rio de Janeiro,…

Na última semana, alunas do Colégio Santo Inácio, na Zona Sul do Rio de Janeiro, afirmaram ter sofrido assédio sexual de professores da instituição. Depoimentos foram postados no Twitter, de forma anônima, em páginas criadas para reunir denúncias de mulheres sobre assédios, violências e abusos. Entre os posts, assédio verbal e contatos físicos foram mencionados. Todas as denúncias mostradas nesta reportagem foram enviadas ao Colégio Santo Inácio, que afirma estar tomando medidas para apuração rigorosa dos fatos.

A reportagem de CELINA recebeu relatos de ex-alunas do colégio que passaram por situações semelhantes às expostas nas redes sociais. Taís*, de 19 anos, formada em 2018, contou que quando estava no segundo ano um professor pedia “beijinhos” para deixá-la ir ao banheiro, fazia carinhos inadequados e dizia querer ter sua idade para poder “dar uns beijos”. Ela chegou a compartilhar a situação com um coordenador, que afirmou provavelmente ser apenas “um carinho a mais”.

— Ficou claro que não era isso quando depois ele passou a mão na minha bunda e no meu peito. Eu quase repeti na matéria dele porque não tinha mais coragem de ir para as aulas — lembra. — Tinha medo de encontrar com ele nos corredores do colégio e até mesmo na rua.

A estudante também foi alvo de comentários impróprios de outro professor, que falava sobre seu corpo e sobre ela parecer “madura para a idade”.

— Ele sempre me pedia para ficar depois das aulas, no recreio, para tirar as dúvidas. Nunca fiquei porque morria de medo de que ele tentasse fazer alguma coisa — conta.

Ela ainda ouviu falas inadequadas de um terceiro professor, que comentou sobre o tamanho de seus seios.

— Tudo isso foi muito difícil para mim e eu relatei tudo para a escola, mas os professores continuaram lá — afirma.

A ex-aluna Amanda*, de 18 anos, que se formou em 2019, também relatou ter sido assediada por um professor quando estava no segundo ano do ensino médio. Ela estava em sala de aula, fazendo exercícios passados por ele, quando viu uma mão a abraçando por trás.

— Quando olhei, era o professor me abraçando, com a cabeça no meu ombro e perguntando se eu não queria ajuda. Levei um susto, não conhecia muito ele, fiquei mega sem graça — diz, e explica não ter relatado a situação à escola por se sentir desconfortável e com medo de ser prejudicada.

Mariana*, ex-aluna, atualmente com 18 anos, formada em 2019, contou ter sofrido assédio no terceiro ano do ensino médio:

— Eu estava com uma bermuda legging, por causa do calor, e o professor começou a comentar sobre a minha perna na frente da turma toda, falando que eu tinha uma coxa linda e inclusive pediu que eu levantasse para que “todos pudessem ver”. Foi uma situação extremamente desagradável para mim e eu pude perceber um desconforto geral da turma — lembra.

Mariana conta não ter relatado a situação a ninguém no dia, porém depois falou sobre o ocorrido com um dos coordenadores, mas o caso “não foi levado adiante”. Conversando com amigas após a repercussão dos relatos no Twitter, percebeu que esse tipo de comportamento era frequente.

— Eu mesma já tinha reparado, mas fiquei com medo de ser algo da minha cabeça. Agora, vendo todos os relatos, percebi que realmente era algo bem comum nas aulas dele — observa.

A ex-aluna Clara*, de 18 anos e formada no colégio em 2019, também foi alvo de assédio de um professor no segundo ano do ensino médio. Ele dizia que a estudante era muito parecida com sua esposa.

— Isso persistiu durante o ano inteiro. Toda aula ele me cobrava abraço e beijo na bochecha e, se eu não desse, encontrava subterfúgios para falar isso em frente a turma inteira, até que eu me levantasse e ele parasse de repetir isso — recorda, e acrescenta que o professor também dava abraços por trás sem consentimento: — Ele ainda afirmava que eu estava no coração dele, abaixo da sua mulher, pois ela era acessível e eu ainda não. Quase toda aula recebia cantadas ou elogios desnecessários.

Clara chegou a falar com um inspetor, que disse estar ao seu lado e que iriam investigar e averiguar o caso, mas nada mudou.

— Era o mesmo discurso de sempre. Ou eles não faziam isso ou o professor fingia que nada tinha acontecido — conta.

Casos de assédio não são novidade

O assédio de professores às estudantes do Colégio Santo Inácio não é uma novidade. Gabriela*, ex-aluna formada em 2012, hoje com 25 anos, conta que na época em que estudava lá situações de assédio e piadas machistas já eram comuns. Ela lembra se sentir desconfortável com um professor que tinha contatos físicos com as meninas, como por exemplo, ao colocar a mão na coxa ou na cintura enquanto conversava.

Outra ex-aluna, Flávia*, hoje com 23 anos, conta ter sofrido assédio do mesmo professor, que, segundo ela, tinha uma relação íntima com os estudantes e chegava a dar tapas na bunda de alunos e alunas, o que era levado como brincadeira. Em 2014, quando estava no terceiro ano do ensino médio, ao pedir ajuda na correção de exercícios, o mesmo pediu que ela faltasse uma das aulas e fosse encontrá-lo em uma sala mais afastada. Os dois começaram a corrigir as questões até que o professor “se declarou”, dizendo gostar muito dela e que “queria ficar só com ela”.

— Ele me pediu para sentar no colo dele, para beijar… Eu fiquei em choque, não sabia o que fazer então não fiz nada, só fiquei lá em pé parada, ouvindo, até que tocou o sinal do recreio e eu disse que tinha que ir embora — afirma.

A então estudante denunciou o caso para uma orientadora, que passou as informações a um coordenador. No entanto, como já ia se formar em poucos meses, Flávia pediu que eles esperassem sua saída do colégio para tomar alguma medida, pois tinha medo de ser hostilizada pelos colegas, por se tratar de um professor querido pela maioria.

— Com muito custo eu consegui convencê-los. O problema é que esse caso ficou esquecido e, no ano seguinte, os assédios do professor voltaram a acontecer. Foi justamente na época que criaram o movimento #meuamigosecreto e uma aluna postou um relato sobre ele, que acabou sendo demitido — conta.

Relatos no Twitter repercutiram entre pais e ex-alunos

Após repercussão dos casos divulgados no Twitter, no dia 4 de junho, o Colégio Santo Inácio enviou um comunicado à comunidade escolar no qual afirmou estar acompanhando nas redes sociais as “recentes denúncias em relação a supostos casos de assédio envolvendo profissionais e alunos”. Disseram estar surpresos e entristecidos e que o colégio “jamais se furtou a apurar denúncias formalizadas de maneira qualificada junto às Coordenações e à Direção”. Pediram ainda que aqueles que quisessem enviassem informações para um e-mail da ouvidoria da escola.

Ex-alunas e ex-alunos do Colégio Santo Inácio se organizaram para escrever à instituição se posicionando e cobrando uma atitude. Na carta aberta da turma de 2011, direcionada à Diretoria e à toda a “comunidade inaciana”, os antigos estudantes expressaram sua indignação e afirmaram sentir orgulho da coragem das jovens “para romper com a lógica machista que ainda perdura em nossa sociedade”.

As ex-alunas ainda afirmaram não estarem surpresas com os relatos, uma vez que “o assédio denunciado não é de hoje, nem de ontem”. E disseram agora se dar conta de quantas vezes se sentiram constrangidas sem que pudessem identificar e nomear com precisão a origem daquela sensação estranha quando estavam perto de “certos professores, inspetores, coordenadores e demais colaboradores do Colégio”. Por isso, pedem: “Não virem a cara e não fechem os olhos quando suas alunas estão clamando por ajuda”.

No dia 10 de junho, o colégio enviou um segundo comunicado direcionado aos “alunos, antigos alunos, familiares e colaboradores”, no qual declaram profundo pesar diante das manifestações enviadas a eles e afirmam estar elaborando propostas concretas e que esperam contar com sugestões de todos. Escreveram ainda, em um trecho, que todas as lógicas baseadas em divisão e exclusão atingem e machucam a todos, “mulheres e homens, independentemente do cargo, função ou situação em que se encontrem, em qualquer lugar”.

Ao tomar conhecimento dos relatos publicados no Twitter envolvendo os professores do Colégio Santo Inácio, Carlos Rabaça, professor universitário e pai de uma aluna e de uma ex-aluna da escola, também se manifestou sobre o caso nas redes sociais. Ele entrou em contato com o Santo Inácio e cobrou uma posição. Em sua avaliação, o primeiro posicionamento do colégio foi uma mensagem “fraca e protocolar”. No segundo comunicado, para Carlos Rabaça, ainda não há desculpa pública nem reconhecimento dos casos.

— Não dizem, por exemplo, quantas denúncias já chegaram ao colégio. As coisas estão muito veladas — analisa.

O pai decidiu criar um grupo fechado no Facebook para a “Comunidade Inaciana”, no qual os interessados podem entrar para falar especificamente sobre o assunto e discutir sobre como colaborar com o colégio.

Procurado pela reportagem de CELINA, o Colégio Santo Inácio enviou a seguinte nota:

“Colégio toma medidas para apuração rigorosa de denúncias

Diante das denúncias recebidas pelo Colégio Santo Inácio sobre atitudes inadequadas, desconfortáveis e até ações que remetem a abusos contra alunas no ambiente escolar, foram tomadas medidas para apuração rigorosa dos fatos.

A direção da escola afirma que não vai tolerar nenhuma afronta à dignidade de nossos alunos ou de qualquer membro da comunidade educativa. “Todos os esforços do Santo Inácio sempre foram voltados para construir uma comunidade educativa harmônica em torno da aprendizagem e da formação integral das crianças e dos adolescentes. Diante dos valores que cultivamos ao longo de nossa história, os fatos com os quais tomamos contato nos levaram a refletir profundamente e tomar as medidas necessárias”, afirma o Diretor-Geral, Pe. Ponciano Petri.

Medidas já tomadas:

  1. Contratação de um canal de ouvidoria independente para receber todas as denúncias
  2. Encaminhamento legal das denúncias às autoridades instituídas
  3. Afastamento das pessoas acusadas para que tenham direito de plena defesa
  4. Envio de comunicados para manter as famílias permanentemente informadas sobre as iniciativas do Colégio.

Na próxima semana, também serão agendadas reuniões virtuais para escuta de famílias, alunos e antigos alunos. Os momentos acontecerão em espaço virtual e têm como objetivo ouvir as preocupações da comunidade educativa para ampliar as medidas a serem tomadas. ”

* Nomes foram trocados para preservar a identidade das entrevistadas