ELEIÇÕES

Candidatos ligados a clãs familiares naufragam em disputas estaduais

As eleições de 2022 foram marcadas pelas derrotas da maioria dos candidatos a governos estaduais ligados…

Candidatos ligados a clãs familiares naufragam em disputas estaduais (Foto: Reprodução)
Candidatos ligados a clãs familiares naufragam em disputas estaduais (Foto: Reprodução)

As eleições de 2022 foram marcadas pelas derrotas da maioria dos candidatos a governos estaduais ligados a clãs familiares. Por outro lado, governadores eleitos como Gladson Cameli (PP-AC), Helder Barbalho (MDB-PA), Rafael Fonteles (PT-PI), Raquel Lyra (PSDB-PE) se sagraram vitoriosos.

Ao menos 18 filhos, netos, sobrinhos e bisnetos concorreram ao cargo de governador nos estados.

Os quatro vitoriosos vão governar estados das regiões Norte e Nordeste, mas o fenômeno de proliferação política entre gerações familiares também esteve presente em outras regiões.

“O familismo é um traço da nossa cultura política, vai de uma percepção da sociedade para os partidos. Esse fenômeno está ganhando novos ares, mas está muito longe de terminar”, diz Priscila Lapa, doutora em Ciência Política pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

Entre os derrotados, estão aqueles com sigla do nome ou sobrenome conhecidos inclusive nacionalmente, como ACM Neto (União Brasil), da Bahia, e Pedro Cunha Lima (PSDB), da Paraíba, respectivamente.

Antônio Carlos Magalhães Neto teve como jingle de campanha uma remodelação do jingle do avô, o ex-governador e ex-senador Antônio Carlos Magalhães (1927-2007).

Após liderar a maioria das pesquisas de intenção de voto durante o primeiro turno, Neto ficou em segundo lugar (47,21%), atrás do petista Jerônimo Rodrigues (52,79%).

O terceiro colocado, o deputado federal João Roma Neto (PL), é neto do ex-deputado João Roma (1912-1991), deputado federal por Pernambuco de 1966 a 1971.

No segundo turno, as posições se mantiveram, cravando a quinta vitória seguida do PT no estado e uma derrota para o representante político mais forte atualmente da família Magalhães.

O ex-prefeito de Salvador obteve 64,51% dos votos válidos na cidade, o que foi visto por aliados, a despeito da derrota estadual, como reconhecimento pela gestão de oito anos na capital baiana.

Para a cientista política Priscila Lapa, as votações de ACM Neto e Pedro Cunha Lima mantêm esses quadros como representantes de grupos políticos nos estados.

O vencedor da eleição baiana, Jerônimo Rodrigues, teve apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto ACM Neto se manteve neutro quanto ao segundo turno presidencial.

Cenário semelhante aconteceu na Paraíba, onde o governador João Azevêdo (PSB) foi reeleito com apoio de Lula numa disputa apertada contra Pedro Cunha Lima (PSDB), filho do ex-governador e ex-senador Cássio Cunha Lima (PSDB).

“O fato de não vencer a eleição não significa a perda completa de poder e de capital eleitoral. Há candidatos que tiveram uma boa votação e conseguiram ir para o segundo turno, mas o fator nacional foi decisivo em alguns processos eleitorais nos estados”, avalia Lapa.

A eleição em Pernambuco foi a mais marcada por cinco candidatos ligados a famílias com história na política, entre eles a governadora eleita Raquel Lyra (PSDB). Ela venceu Marília Arraes (Solidariedade) no segundo turno.

Com a vitória, uma nova integrante da família Lyra voltará a governar o Palácio do Campo das Princesas nos próximos quatro anos.

Raquel sucederá o atual governador Paulo Câmara (PSB), que foi antecedido justamente pelo pai da tucana, o ex-governador João Lyra Neto (PSDB), tampão durante nove meses após a saída de Eduardo Campos da função.

A vitória de Raquel Lyra para o governo representa uma expansão do grupo político da família Lyra a nível estadual. O clã surgiu em Caruaru, maior cidade do interior do estado, que já foi governada por Raquel e pelo avô e pai dela.

“Ainda que ela não tenha utilizado o elemento familiar de fazer referência ao pai e ao tio [o ex-deputado Fernando Lyra] como estratégia de campanha, Raquel representa a continuidade de um grupo político que estava muito localizado em Caruaru e fica a nível estadual”, diz Priscila Lapa.

Em entrevista à Folha, Raquel Lyra reconheceu o histórico de familiares na política, mas disse que não utilizou isso como tática eleitoral durante o pleito de 2022.

“Construí toda a minha trajetória dentro do serviço público. Teve gente na nossa família que deu parte da sua contribuição para o crescimento da democracia, mas o fato é que construímos a nossa história, não nos escoramos num sobrenome para chegar até aqui”, afirmou Raquel.

Durante a campanha, a tucana criticou Marília Arraes por entender que a adversária usava o sobrenome alusivo ao ex-governador Miguel Arraes para evitar debater propostas.

Pai de Raquel, João Lyra Neto não exerce mandatos desde que deixou o governo no início de 2015. Também não sinaliza a pretensão de voltar a disputar eleições.

Além de Marília Arraes, também foram derrotados no estado o ex-prefeito de Petrolina Miguel Coelho (União Brasil), filho do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB) e o ex-prefeito de Jaboatão dos Guararapes, Anderson Ferreira, que é filho, irmão e cunhado de parlamentares.

Miguel é cotado para ocupar uma secretaria no primeiro escalão do governo de Raquel Lyra. Ele apoiou a candidatura da governadora eleita no segundo turno.

O candidato do PSB, partido hegemônico em Pernambuco de 2007 a 2022, acabou em quarto lugar no primeiro turno, o deputado federal Danilo Cabral.

Além de filho de ex-deputado, ele é ligado à família Campos, influente no poder local. O apoio de Lula ao palanque não foi suficiente para a manutenção de poder.

Na próxima eleição municipal, o prefeito do Recife, João Campos (PSB), tentará a reeleição, o que pode dar sobrevida ao PSB pernambucano. A oposição, no entanto, estará mais fortalecida com a máquina do governo do estado.

“O que pesa muitas vezes é o desejo de mudança do eleitor e má avaliação de governo. Mas isso não tira o sobrenome e o poder familiar que ainda exerce e tentará se perpetuar nas eleições municipais de 2024”, diz Priscila Lapa.

Os governadores eleitos do Acre, Gladson Cameli (PP), do Pará, Helder Barbalho (MDB) e do Piauí, Rafael Fonteles (PT), também são ligados a famílias com trajetória política. O emedebista obteve a maior votação proporcional entre todos os governadores eleitos do país, 70,41% dos votos válidos.

O resultado eleitoral no Pará foi positivo também para a mãe de Helder, a deputada federal Elcione Barbalho (MDB), reeleita como a terceira mais votada do estado. Jader Barbalho, pai de Helder, tem mandato no Senado até o começo de 2027.

Em Alagoas, a eleição para o Palácio República dos Palmares teve candidatos ligados a clãs derrotados: o senador Rodrigo Cunha (União Brasil) e o ex-prefeito de Maceió Rui Palmeira (PSD).

Cunha retorna ao Senado e Rui é cotado para disputar a prefeitura da capital em 2024 contra o atual prefeito JHC (PL), que deixou o PSB recentemente. Aliados dos Calheiros não descartam uma aliança com Palmeira, que apoiou Paulo Dantas no segundo turno.

O vencedor foi o governador Paulo Dantas (MDB), ligado ao grupo dos Calheiros, tradicional na política alagoana. O ex-governador Renan Filho (MDB) foi eleito senador na mesma chapa, que teve aval do senador Renan Calheiros (MDB).

No Rio Grande do Sul, Edegar Pretto (PT) não foi ao segundo turno por pouco mais de 2 mil votos. Acabou fora do embate final, entre Onyx Lorenzoni (PL) e o reeleito Eduardo Leite (PSDB). O petista é filho de Adão Pretto, deputado estadual por seis mandatos, mas só entrou na política somente após a morte do pai em 2009, vítima de uma pancreatite.