Chanceler de Putin diz que Brasil e Rússia têm visão similar
Serguei Lavrov, há quase 20 anos à frente da diplomacia russa, vai ao Itamaraty em viagem criticada por parceiros ocidentais
O chanceler russo, Serguei Lavrov, afirmou durante visita ao Itamaraty nesta segunda-feira (17) que Brasil e Rússia têm “abordagens similares” em relação a questões da atualidade. Sem citar diretamente a Guerra da Ucrânia, o chefe da diplomacia de Vladimir Putin recebeu ainda um aceno de seu homólogo brasileiro, o ministro Mauro Vieira, que criticou a aplicação de sanções unilaterais contra Moscou.
“Falamos sobre várias questões relevantes da agenda internacional e regional, ressaltando que as abordagens de Brasil e Rússia de questões atualmente acontecendo no mundo são similares”, disse Lavrov. “Os dois países estão unidos pelo desejo de contribuir para uma ordem mundial mais democrática e mais policêntrica, baseada no princípio fundamental da soberania e da igualdade dos Estados.”
Lavrov falou em russo, e houve tradução simultânea no Itamaraty. A tradução fornecida em português, no entanto, divergiu da feita em inglês pelo governo russo e disponibilizada posteriormente nas redes sociais. Segundo a tradutora em português, Lavrov disse que “as visões de Brasil e Rússia são únicas em relação aos acontecimentos na Rússia”. A Folha se baseou na tradução da chancelaria russa.
Mesmo que não citada nominalmente —os russos não a chamam de guerra, e Mauro Vieira a chamou de conflito—, a Guerra da Ucrânia é o principal pano de fundo da visita de Lavrov ao Brasil. Há mais de um ano, forças russas invadiram o território do país vizinho e, desde então, travam um conflito que tem, do lado de Kiev, apoio financeiro e envio de armamentos da Otan, aliança militar liderada pelos EUA.
“Estamos muito agradecidos aos nossos amigos brasileiros pela clara compreensão da gênesis da situação”, disse Lavrov em referência velada à Guerra da Ucrânia, que a Rússia ainda chama de “operação militar especial”. “Estamos agradecidos pelo seu desejo de contribuir para encontrar maneiras de solucionar essa situação”, acrescentou o chanceler russo.
Embora sem avanços concretos até aqui, a principal proposta do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é a criação de um “clube da paz” —um fórum de países que Brasília entende como não alinhados a nenhum dos lados do conflito para mediar as negociações entre Rússia e Ucrânia.
Para Lavrov, uma solução de longo prazo só pode ser alcançada se respeitado o “princípio da multipolaridade e considerando os interesses de segurança dos dois Estados, sem exceções”. “Esse é o princípio da indivisibilidade da segurança, em que nenhum país deveria fortalecer sua segurança às custas de outros”, disse o chanceler.
A avaliação de parte do Ocidente, no entanto, é de que Lula enviou nos últimos dias sinalizações consecutivas que afastam o Brasil da posição de neutralidade que o petista diz adotar —e que o governo de Jair Bolsonaro também professava— e colocam o país alinhado ao discurso de Rússia e China.
Estão na lista as falas de Lula equiparando as responsabilidade dos presidentes da Ucrânia, Volodimir Zelenski, e de Vladimir Putin pelo início do conflito; a declaração de que os EUA precisam parar de incentivar o conflito no país do Leste Europeu; a recente viagem do assessor internacional Celso Amorim a Moscou e, agora, a passagem de Lavrov por Brasília.
O chanceler russo chegou ao Itamaraty pouco antes das 11h desta segunda-feira. Um dos objetivos do governo Putin é enviar a mensagem de que Moscou não está totalmente isolada internacionalmente. Além do Brasil, Lavrov deve passar nos próximos dias por Venezuela, Cuba e Nicarágua.
O chanceler brasileiro, por sua vez, tratou de forma menos extensa a situação do Leste Europeu. Além de não usar a palavra “guerra”, referindo-se à maior crise de segurança na Europa desde a Segunda Guerra Mundial sempre como “conflito”, Vieira criticou a aplicação de sanções unilaterais, fora do sistema ONU, repetindo uma das posições tradicionais da diplomacia brasileira.
Para Vieira, as sanções a Moscou, da maneira como foram impostas, têm impacto negativo em todo mundo”, em especial nos países em desenvolvimento.
“Renovei a disposição brasileira de contribuir para uma solução pacífica do conflito”, afirmou o chefe do Itamaraty. Ele também voltou a defender a “formação de um núcleo de países amigos para mediar as negociações entre Rússia e Ucrânia. “Reiterei nossa posição em favor de um cessar-fogo imediato, respeito ao direito humanitário e em favor de uma solução negociada tendo vista uma paz duradoura que contemple as preocupações securitárias de ambos os lados.”
Um pequeno grupo de manifestantes protestou contra a visita de Lavrov em frente ao Itamaraty. Seis pessoas seguraram faixas em frente ao prédio, com as mensagens “Rússia imperialista”, “Lavrov fora do Brasil”, “Rússia fora da Ucrânia” e “Não aos acordos com a Rússia imperialista”.