PONTA PORÃ

Cidade na fronteira entre Brasil e Paraguai concentra 10% dos homicídios do MS

A cidade de Ponta Porã, no limite com o município paraguaio de Pedro Juan Caballero,…

Quatro pessoas morreram em ataque a tiros em Pedro Juan Caballero, na fronteira entre Brasil e Paraguai Foto: Reprodução
Quatro pessoas morreram em ataque a tiros em Pedro Juan Caballero, na fronteira entre Brasil e Paraguai Foto: Reprodução

A cidade de Ponta Porã, no limite com o município paraguaio de Pedro Juan Caballero, já concentra 10,6% de todos os homicídios registrados no estado do Mato Grosso do Sul neste ano. Se considerados apenas os crimes cometidos na faixa de fronteira sul-mato-grossense, a estatística é ainda pior: praticamente 20% dos homicídios da região ocorreram no município de cerca de 95 mil habitantes. As estatísticas refletem o cotidiano de violência da fronteira entre o Brasil e o Paraguai, palco de uma série de assassinatos na última semana.

A sul-mato-grossense Ponta Porã é cidade gêmea da paraguaia Pedro Juan Caballero, de 123 mil habitantes. Separadas por uma rua, elas têm sinalização falha que provoca nos visitantes uma constante confusão de estar ora num país, ora noutro. Do lado paraguaio, homens com armas de grosso calibre guardam a entrada do comércio. As ruas são tomadas pelo vaivém de enormes caminhonetes blindadas e motoqueiros sem capacete. Em lojas especializadas, arsenais são oferecidas com naturalidade. Oito dos nove homicídios recentes ocorreram em solo paraguaio, boa parte em Pedro Juan Caballero.

Os números de Ponta Porã destoam das estatísticas gerais sobre a violência no Mato Grosso do Sul. A projeção da taxa de homicídios da cidade para este ano é de 46,1 casos por 100 mil habitantes, mais de três vezes superior à do estado (14,7 casos por 100 mil habitantes), segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul. De acordo com o órgão, tanto o estado quanto a faixa de fronteira, composta por 44 cidades a até 150 quilômetros de seus limites geográficos, registram uma tendência de redução de assassinatos nos últimos anos. Já Ponta Porã tem apresentado uma variação ano a ano, a depender de conflitos pontuais.

Parte da explicação para a queda dos homicídios no estado está nos investimentos nas políticas de segurança. De acordo com a pesquisa “Onde Mora a Impunidade”, publicada na última semana pelo Instituto Sou da Paz, o Mato Grosso do Sul foi o estado brasileiro que mais esclareceu homicídios em 2018, com 89% dos assassinatos solucionados – taxa próxima a de países europeus. O secretário de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, Antonio Carlos Videira, atribui a queda ao programa “MS mais Seguro, o maior dos 44 anos de existência do estado”, com investimentos de R$ 160 milhões em concursos públicos, aquisição de equipamentos e criação de setores de inteligência na fronteira.

Para especialistas em crime organizado, entretanto, a redução das taxas de homicídios pode estar relacionada também à regulação da violência imposta pelas facções onde chegam, a fim de não chamar atenção da polícia e manter os negócios ilegais funcionando. O pesquisador Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo, ressalta que o Mato Grosso do Sul está passando por um fenômeno semelhante ao que ocorreu em São Paulo. A partir do controle dos presídios do estado, a facção conseguiu equilibrar o mercado de drogas e profissionalizar sua atuação.

– O mercado de São Paulo está mais rico do que nunca, vendendo mais drogas do que nunca, e é o menos violento do Brasil. Há essa visão pragmática de que conflito é prejuízo – afirmou Paes Manso, autor do livro “A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil”. – Já as fronteiras são diferentes, Pedro Juan Caballero em especial. Ali, os conflitos se tornam inevitáveis em períodos de desacertos.

No limite entre as duas cidades, não raro são encontrados cadáveres com as mãos decepadas, ao lado de bilhetes com ordem para “não roubar” na região. Os crimes são atribuídos, em geral, aos “Justiceiros de la Frontera”, uma organização criminosa que começou a atuar no país em 2014, segundo a polícia paraguaia.

O secretário de Segurança Público do Mato Grosso do Sul aponta que, do ano passado para cá, mais de uma dezenas de vítimas (algumas, supostos ladrões) foram assassinadas no Paraguai e tiveram seus corpos desovados do lado brasileiro. Os assassinos enrolaram o cadáver em lona, tapete ou sacos para não deixar vestígios nos porta-malas ou carrocerias, e jogam no país para que a polícia paraguaia não conduza a investigação e chegue à autoria.

Narcotráfico

O Paraguai é crucial para os negócios de facções brasileiras ligadas ao narcotráfico. A primeira a chegar foi uma carioca, no final da década de 1990. A maconha até então dominava o comércio ilegal e a cocaína era um produto de menor escala no país. Em 2005, uma reunião numa mansão no centro de Pedro Juan Caballero marcou a entrada da facção paulista no país.

O bando só conseguiu se estabelecer ali depois de encomendar o assassinato do traficante Jorge Rafaat Toumani, que atuava como dono do poder paralelo na divisa. Em 2016, Rafaat foi morto com 16 tiros de uma metralhadora calibre .50, artefato de uso militar capaz de derrubar pequenas aeronaves. Rafaat dispunha de um complexo serviço de inteligência para controlar a fronteira. Perseguia cada novo integrante  da facção paulista que chegava à região e, se preciso, mandava matar. Não só encomendava a morte dos inimigos, como também mandava recados incisivos. Ordenava aos capangas que costurassem ou colocassem um cadeado na boca da vítima se essa, quando viva, tivesse falado demais.

A morte de Rafaat, numa emboscada encomendada pela facção brasileira com o apoio de outro traficante local, destravou o caminho para a facção paulista se instalar no país vizinho, na tentativa de dominar um negócio milionário de tráfico de armas e drogas que usa o Paraguai como entreposto e tem o Brasil como um dos destinos finais, além da Europa e da África. Ao negociar diretamente com o produtor de maconha e se aproximar do produtor de cocaína na Bolívia, eliminando aos poucos o atravessador, a intenção do grupo era baratear o custo do produto, monopolizar a distribuição e controlar o transporte.

– Depois da morte do Rafaat, houve um aumento do número de criminosos na região e um crescimento absurdo de pessoas ligadas à facção paulista – afirma um chefe da Polícia Rodoviária Federal na região. – Eles dominam só uma parte da fronteira, a região de Pedro Juan. A outra ainda está sob o controle da facção carioca, e não tem disputa entre eles.