Minha história

Colombiana fala sobre casamento com chefe do cartel de Cali

Nos anos 80, Aura Rocío Restrepo, 47, ex-rainha de beleza, foi mulher de Gilberto Rodríguez…

Nos anos 80, Aura Rocío Restrepo, 47, ex-rainha de beleza, foi mulher de Gilberto Rodríguez Orejuela, 75, chefe do cartel de Cali e um dos homens mais ricos do mundo. Sua organização chegou a responder por 80% do mercado mundial de cocaína, segundo o governo dos EUA, onde Orejuela está preso.

Após três anos presa e décadas sem falar no assunto, Aura conta no livro “Ya no Quiero Callar” (sem edição brasileira) como foi ser “casada” com a máfia por oito anos.

“Quando conheci Gilberto, eu tinha 20 anos, fazia faculdade e era dona de uma empresa de seguros. Acabara de ser nomeada rainha de beleza da minha região.

Quer dizer, não era uma menina desamparada que se entregou a um mafioso por dinheiro.

Um dia, fui tentar vender seguros para um senador. Quando ele me viu, disse: “Não quero comprar nada, mas conheço alguém que vai se interessar”. E me levou a uma sala, no mesmo prédio, onde Gilberto estava.

Era 1987. Gilberto era um empresário reconhecido, dono de uma rede de farmácias e presidente de dois bancos, na Colômbia e no Panamá.

Eu não sabia que ele era traficante, que chefiava o cartel de Cali. Mais famoso era seu irmão mais novo –Miguel, dono do time América de Cali.

Naquele dia, Gilberto não quis comprar nada. Mas, pouco depois, me procurou porque seria fiador de uma obra e precisava de uma apólice.

Com a desculpa do seguro, passou a me chamar várias vezes em seu escritório. Era como um jogo. Sempre esquecia algum documento e eu precisava voltar.

Quando voltava, conversávamos por horas. Eu tinha acabado de terminar um namoro de três anos, estava triste. Ele me ouvia, me consolava. Ficamos amigos, e logo me apaixonei.

Dois meses depois, estourou a guerra de Pablo Escobar contra o cartel de Cali. Passamos a andar escoltados, nos esconder. Até esse ponto, para mim ele era a vítima, mas claro que eu sabia que não era um santo. Se estava em guerra com Escobar, algo de errado ele tinha feito.

Eu já estava apaixonada, não via mais as coisas erradas e acreditava em tudo que ele me dizia. Ele falava: “Trabalhei com drogas, mas minhas empresas são legais”.

Dava a entender que o passado tinha morrido. Era experiente e me levava na conversa –não à toa, ele ficou conhecido como “enxadrista”.

PRESOS EM LIBERDADE

Nossa vida se complicou de vez quando mataram Luis Carlos Galán Sarmiento, candidato à Presidência, há 25 anos. O cerco se fechou. Gilberto não tinha mais que lutar só contra Pablo: havia o risco de extradição, todos passaram a nos perseguir.

Larguei os estudos, deixei de ver a família. Não podíamos sair livremente para lado nenhum. Ele fez uma identidade falsa: César Augusto Marmolejo. Às vezes eu usava o documento da minha irmã.

Presa em casa, ganhei um trabalho delicado: ouvir fitas com conversas interceptadas de Pablo Escobar. Foi o jeito que Gilberto achou para tentar evitar alguns atentados.

Ele tinha muito dinheiro, nem sabia quanto. Mas quase não usávamos, vivíamos presos em casa. Tomávamos os melhores uísques, o melhor champanhe, mas não fazíamos muitas extravagâncias.

No dia que Pablo foi morto, em 1993, festejamos com champanhe Dom Pérignon. Há muitas versões sobre a morte, mas Escobar só foi encontrado graças à estrutura de inteligência montada pelos homens dos irmãos Rodríguez Orejuela. Digam o que quiserem, esta é a verdade.

Depois Gilberto se deu conta de que, agora que Pablo tinha morrido, ele tinha se tornado o inimigo número um do país. Todo o aparato montado por seus homens serviria para nos encontrarem.

Em 9 de julho de 1995, a polícia nos capturou, em casa. Foi como um filme de terror, parecia que eram mil homens. Todos na casa foram interrogados, alguns detidos.

Fiquei presa por um ano, em liberdade por dois meses e voltei à cadeia por mais dois anos e meio. No primeiro ano na prisão, ainda estava com Gilberto. Falávamos por telefone, fitas cassete e cartas.

Quando saí da primeira vez, me encontrei com ele e terminei tudo. Não dava mais para aguentar as mentiras e traições, que só descobri com o tempo. Até hoje não sei como uma pessoa pode ter tantas facetas.

Hoje vejo que nunca fui feliz com ele. Sempre quis me separar, mas não conseguia, achava que seria traição, ele dependia de mim para muitas coisas.

Depois que saí da cadeia, fui estigmatizada, recomecei de menos que zero. Há um ano, fui convidada a dar palestra a crianças carentes sobre como o mundo do tráfico pode ser atrativo, mas não compensa.

Criei coragem e escrevi o livro, para lavar a alma. Agora, quero criar uma fundação para dizer às crianças que é impossível ser feliz nesse mundo”.

(Da Folha)