Conhecimento

Constelação organizacional chega ao futebol e faz um campeão invicto

Rose Militão, a psicóloga por trás da ascensão do Ceará Sporting Club, explica a abordagem inovadora

A psicóloga e diretora do Centro de Excelência em Constelações Sistêmicas, Rose Militão, durante o primeiro encontro com o elenco do campeão Ceará
A psicóloga e diretora do Centro de Excelência em Constelações Sistêmicas, Rose Militão, durante o primeiro encontro com o elenco do campeão Ceará

A psicóloga Rose Militão é a consteladora por trás da ascensão do Ceará Sporting Club, campeão invicto do Campeonato Cearense Superbet 2024, no dia 06 de abril. A trajetória do carinhosamente conhecido Vozão na temporada ganhou uma reviravolta surpreendente, e o sucesso não veio por acaso. É resultado de uma abordagem inovadora que vai além do campo de jogo, um divisor de águas que promete revolucionar o mundo do futebol.

Nessa reportagem, Rose Militão explica os fundamentos da abordagem pioneira, que vai muito além das técnicas tradicionais de psicologia esportiva. Segundo ela, o trabalho não se limita à mente dos jogadores, mas também envolve aspectos sistêmicos presentes no clube como um todo.

Uma das associadas fundadoras, Rose Militão integra a primeira diretoria do Centro de Excelência em Constelações Sistêmicas do Brasil. Com carreira multifacetada, é psicóloga clínica (casais e família), escritora, palestrante e facilitadora de grupos em diversas empresas ao redor do país, diretora clínica do Instituto Militão e fundadora da Escola de Constelação, em Fortaleza (CE).

Especialista em Constelação Sistêmico-Familiar, Rose Militão atua no contexto clínico e organizacional, desde os anos 2.000.

Rose Militão relatou parte de suas experiências como uma das entrevistadas do programa Show da Manhã, da Jovem Pan, na segunda-feira (08/04). Ela narrou a atual experiência como consteladora do Ceará Sporting ao apresentador, publicitário, consultor em marketing político, Marcus Vinicius Queiroz, ao presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Goiás (Ademi-GO), Felipe Melazzo, e ao empresário Marcelo Camorim, comentarista de economia da emissora.

O trabalho pioneiro de Militão não é novidade nos gramados cearenses. Anteriormente, ela colaborou com o Fortaleza, rival do Ceará, onde teve papel fundamental na ascensão do clube da Série C para a elite do futebol brasileiro. Agora, seu foco está voltado para o Vozão.

“Os resultados são perceptíveis imediatamente, a gente sabe. Não é à toa que você fez dois campeões”, reconheceu Marcus Vinicius.

“Eu sou contratada pelo presidente do Ceará, João Paulo Silva, para trabalhar não apenas com os atletas, mas também com a diretoria e toda a estrutura organizacional”, revela Rose Militão. “É essencial resolver questões relacionadas à dinâmica interna do clube, como relações de poder, hierarquia e inclusão/exclusão, pois tudo isso reflete diretamente no desempenho em campo.”

A abordagem de Rose Militão se baseia em conceitos como arquétipos e alteridade, que são aplicados durante as sessões de constelação organizacional.

Os arquétipos são padrões universais de comportamento, imagens ou temas que estão presentes no inconsciente coletivo da humanidade. Alteridade é o princípio ético que reconhece e respeita a diferença e a diversidade entre os indivíduos.

No contexto do futebol, se manifestam por meio dos diferentes papéis desempenhados pelos jogadores (que representam os arquétipos da mãe e do pai) e da necessidade de interação e respeito mútuo entre as equipes (arquétipo da alteridade).

O método único proporciona resultados tangíveis e imediatos. Desde que iniciou o trabalho com o Ceará, a equipe conquistou o título invicto do Campeonato Cearense, quebrou uma sequência de cinco anos de hegemonia do Fortaleza, e igualou o número absoluto de títulos do rival (46 x 46).

“Ao longo do jogo, identificamos três arquétipos. Trata-se de tudo aquilo que nos organiza, pessoal e coletivamente, o que inclui nossas ideias e valores. O primeiro é o arquétipo da mãe, do feminino no futebol. Representa a disputa, a coragem, a destreza, a agressividade, a competição, o coração e a raça. Esses elementos são essenciais para a dinâmica do jogo e são levados em consideração constantemente”, pontua Rose Militão.

“O segundo arquétipo é o do pai, que engloba as regras do campo, as faltas cometidas, os cartões, o primeiro e segundo tempos e o cumprimento rigoroso dos minutos de jogo”, explica.

“Por fim, o terceiro arquétipo é o da alteridade. Ele representa a interação entre os jogadores, o respeito mútuo e as regras do bom relacionamento quando se ganha e quando se perde. Destaca a importância de reconhecer a existência do outro e a necessidade de cooperação e integração no contexto da disputa”, ensina.

Rose Militão diz que esses aspectos intangíveis “permeiam constantemente a partida de futebol. Com base nesses princípios, desenvolvi um método próprio de constelações familiares e com estruturas, a partir de recursos específicos. Os resultados desse trabalho são percebidos de forma imediata e tangível”.

“A maior rivalidade na vida de um jogador não está necessariamente dentro das quatro linhas. É, em primeiro lugar, sua história sistêmica”, explica Rose Militão. “Muitos desses atletas vêm de um contexto de escassez, com pouca escolaridade e desafios familiares, como pais ausentes ou famílias monoparentais. Menos de 1,5% dos competidores tem acesso a uma formação superior. Mais de 90% vêm de classe social baixa, com problemas com pai, mãe solo. Então, esses meninos carregam uma história muito difícil. Essa bagagem torna a trajetória rumo ao sucesso ainda mais desafiadora”, avalia.

“Além disso, há o aspecto psicológico, que envolve controle da ansiedade, medo de falhar, disputas internas com colegas e a pressão de ficar no banco de reserva. Os comentários da torcida e o medo de lesões também pesam na mente dos jogadores”, continua Rose Militão.

“E não podemos esquecer da pressão proveniente da família atual, com cobranças, ciúmes e assédio sexual, um problema frequente nesse ambiente”, acrescenta.

Rose Militão é autora, em parceria com Albigenor Militão (“meu parceiro de vida. Juntos há quase meio século”) dos livros “Histórias & Fábulas Aplicadas a Treinamento”, “Alguém já disse que te ama, hoje?”, “Toque de Afeto na Família” e “Pra você… Só Coisas Boas!”, dentre outros.

Lançou em 2022, como autora, o livro “Exercícios Sistêmicos para o trabalho com pessoas”. Atua no segmento de família, com realização de palestras e conferências há mais de 25 anos.

O exemplo do italiano Baggio, e o pesadelo que viveu na Copa do Mundo de 1994

Sobre essa complexidade, Rose Militão traz à memória o caso do italiano Baggio. Foi graças ao pênalti que perdeu, ao chutar a bola por cima do travessão, que o Brasil conquistou o tetracampeonato na Copa do Mundo nos EUA.

Para Baggio, no entanto, aquele 17 de julho de 1994 representa o maior pesadelo de sua vida profissional, encerrada em 2004, após 22 anos de carreira.

“Eram 94 mil torcedores no estádio Rose Bowl, na cidade de Pasadena, milhões de TVs espalhados pelo mundo inteiro. É o seu momento de glória. Tudo isso está nas pernas e nos pés do jogador”, ressalta a consteladora.

“Eu vi isso nesse final de semana. Quando o juiz apita, agora é a hora. E essa bagagem toda está ali, na frente. O atleta recebe pressões da torcida, do clube, da imprensa, da família. Então, qual é o papel da constelação que a gente faz como trabalho pioneiro? Alinhar, buscar recursos intangíveis, que nós chamamos de energia, e vencer esse duelo que eu acabei de mencionar, que é paralelo ao aspecto técnico”, pontua Rose Militão.

Constelação sistêmica: a chave para a reviravolta do Ceará

Rose Militão compartilha detalhes sobre o trabalho que realiza para a transformação do desempenho do Ceará.

O ponto crucial identificado foi um padrão recorrente nos jogos da equipe: um primeiro tempo promissor, seguido por um segundo tempo decepcionante, que ficou conhecido nos bastidores como “o apagão”.

A solução veio por meio da aplicação das três leis sistêmicas das constelações: pertencimento, hierarquia e equilíbrio. “Quando organizamos essa relação sistemicamente, o time nunca mais voltou a ter o ‘apagão’ no segundo tempo”, afirma Militão.

A abordagem adotada pelo Ceará revelou-se eficaz não apenas em termos de desempenho esportivo, mas também em fortalecer os laços internos da equipe. “É maravilhoso ver como as constelações sistêmicas podem impactar positivamente um grupo”, ressalta. “O resultado foi uma verdadeira transformação dentro e fora do campo.”

A incrível trajetória do Fortaleza: de oito anos na “era da série C”, a um dos protagonistas na elite do Brasileirão

“Oito anos. Essa era a dura realidade enfrentada pelo Fortaleza na Série C. Foi quando o hoje senador Luiz Eduardo Girão, na época presidente do clube, juntamente com Marcelo Paz, então diretor de futebol, me procuraram”, lembra Rose Militão.

Girão buscava uma abordagem diferente, influenciado por sua espiritualidade. Rose Militão foi então contratada pelo clube para implementar uma experiência inovadora, com o objetivo inicial de validar a abordagem proposta.

Durante esse período, conhecido como a “era da série C”, o Fortaleza enfrentou dificuldades, lutava constantemente para escapar da realidade da terceira divisão do futebol brasileiro. Apesar disso, conseguiu algumas conquistas importantes, como três títulos do Campeonato Cearense.

Após conseguir o acesso, o Fortaleza surpreendeu a todos ao anunciar a contratação de Rogério Ceni como técnico em 2018, com o objetivo ambicioso de levar o clube à elite do futebol nacional.

A ascensão do Fortaleza foi meteórica: conquistou o título da Série B com uma margem de nove pontos sobre o segundo colocado, o CSA-AL, e se destacou na Série A, a elite do Brasileirão, quase sempre na parte de cima da tabela. No ano passado, alcançou a final da Copa Sul-Americana, embora tenha sido derrotado nos pênaltis pela LDU de Quito (Equador).

Esse período marcou um momento de transformação para o Fortaleza. O trabalho com constelações sistêmicas permitiu que a equipe superasse limitações e alcançasse voos muito altos. O apoio dos dirigentes e a abertura dos jogadores para essa abordagem foram fundamentais para o sucesso do projeto.

“O campo de futebol é uma mandala gigante, uma representação simbólica que vai além das quatro linhas”

Desde 2023, quando recebeu o convite do presidente João Paulo para colaborar com o CearáSC, Rose Militão desempenha papel importante na mudança de comportamento da agremiação. Ela e o esposo, Albigenor Militão, realizam um trabalho de Consultoria Sistêmica Organizacional com Estruturas.

Albigenor atua no foco com os gestores e colaboradores da área administrativa e Rose com as intervenções de Constelação, voltadas aos jogadores e para o que acontece no gramado.

Com um contrato estendido até novembro de 2024, Rose lidera sessões de constelação que coincidem com os jogos do Ceará, e os resultados têm sido notáveis. Desde então, o clube conquistou triunfos consecutivos que culminaram no título invicto do Campeonato Cearense de 2024.

A meta principal para esse ano, além da conquista do Campeonato Cearense, é o retorno do Ceará à elite do futebol brasileiro, a Série A.

O técnico do Ceará, Vagner Mancini, envia-lhe a escalação da equipe antes de cada jogo para que ela possa analisar e contribuir com suas percepções. A parceria fortalece a identidade e a coesão do time.

“Como consteladora do mundo do futebol, vejo mais do que um simples jogo. Para mim, o campo de futebol é uma mandala gigante, uma representação simbólica que vai além das quatro linhas”, diz Rose Militão.

“Ao olhar para o campo, vejo não apenas jogadores correndo atrás da bola, mas uma representação das complexidades da cidade, do país e até mesmo do mundo em que vivemos”, avalia.

“É nesse movimento de mandalas que encontro o meu trabalho, ao explorar arquétipos que organizam tanto o pessoal quanto o coletivo”, completa.

“Quando falamos de arquétipos, lidamos com os padrões fundamentais que moldam nossa psique, tanto individualmente quanto em sociedade. Identificar esses padrões é crucial, pois nos permite compreender e trabalhar com as energias subjacentes que influenciam nossas vidas, sejam elas positivas ou negativas”, prossegue.

“As energias negativas são geralmente reflexo de conceitos enraizados que precisam ser reconhecidos e transformados. Além disso, meu trabalho envolve analisar as seis áreas-chave do jogo: goleiro, defesa, laterais esquerda e direita, meio de campo e ataque. Assim como em qualquer empresa, cada uma dessas áreas possui sua própria energia, e é essencial compreender como elas interagem e influenciam umas às outras. Muitas vezes, uma questão aparentemente técnica pode ser, na verdade, um problema energético que precisa ser abordado”, explica Rose Militão.

“Os jogadores, para mim, são mais do que simples atletas em campo. Representam não apenas o clube, mas também a diretoria e toda a estrutura organizacional. Enquanto o treinador trabalha os aspectos técnicos do jogo, é a energia sistêmica do clube que realmente define a trajetória e o sucesso dos atletas”, pontua.

“Em resumo, minha abordagem como consteladora vai além das quatro linhas. Busca compreender e equilibrar as energias que permeiam o mundo do futebol, a fim de que tanto os jogadores quanto o clube como um todo estejam alinhados e prontos para alcançar objetivos”, completa.

“A rivalidade deve buscar o respeito mútuo: se eu eliminar o outro, acabo por me autodestruir também”

A diretora do Centro de Excelência em Constelações Sistêmicas, Rose Militão faz uma análise a constatar que a rivalidade não é apenas uma competição, “mas uma expressão da nossa interação com o outro”. É por meio do respeito mútuo e do reconhecimento da alteridade que o jogo ganha significado e os atletas encontram a verdadeira essência, avalia.

“Para mim, o futebol é mais do que um esporte. É um poderoso ritual pedagógico que reflete a alma coletiva do Brasil. Por isso, é essencial compreender e honrar esses arquétipos, pois são eles que moldam não apenas o jogo, mas também a experiência humana dentro e fora do campo”, destaca.

“A rivalidade não busca a rivalidade em si, mas sim o respeito mútuo. Se eu não respeitar meu oponente, se eu tentar eliminar o outro, eu acabo por me autodestruir também”, sentencia Rose Militão.

A rivalidade verdadeira só pode existir quando há esse respeito mútuo, ensina. “As regras do jogo são essenciais, pois elas garantem a alteridade, a capacidade de reconhecer o outro como igual. Não é aceitável marcar um gol e, em seguida, fazer um gesto de desrespeito para a torcida adversária”, ressalta.

“Por isso, é importante compreender que a rivalidade, quando saudável, é fruto desse respeito mútuo. Caso contrário, corremos o risco de nos tornarmos grandes W.O.s”, adverte.

O W.O. é a sigla em inglês para “Walkover” (“vitória fácil”, em tradução livre), punição aplicada a uma equipe quando ela, por algum motivo, não tem condições de competir ou seguir na disputa de uma partida. Isto pode acontecer, entre outros aspectos, devido a não existência de um número mínimo de esportistas necessários, desqualificação, não-apresentação de uma equipe na data e hora estabelecidas. O termo é aplicável no futebol e em esportes diversos.

Encontro com elenco do Ceará “foi marcado pelo amor e pela conexão entre todos nós”

A consteladora Rose Militão revela como foi o primeiro contato com o elenco do Ceará, na preparação que antecedeu a grande conquista do título estadual de 2024.

“Esse encontro foi marcado por um profundo sentimento de respeito por esses jovens atletas, pela compreensão de suas histórias pessoais. Em meu método de trabalho, incorporo tanto a constelação familiar quanto a constelação estrutural, uma abordagem que considero enriquecedora”, conta ela.

“Ao olhar para esses jogadores, enxergo não apenas suas habilidades técnicas, mas também os recursos internos que possuem para lidar com a imensa pressão e expectativas dos torcedores. Esse olhar é permeado por uma profunda empatia. Durante nossos encontros, quis entender quais eram os recursos que utilizavam para se motivar durante os jogos. Apenas um deles mencionou pensar no pai, que já faleceu. Outros mencionaram a mãe, a avó e outros elementos de suas vidas”, relata.

“Recentemente, realizei uma constelação de visualização, na qual pedi que se imaginassem no campo. Cada um adotou seu próprio ritual, como rezar, orar ou tocar o pé direito na grama”, revela.

“A sensação deles ao se visualizarem com a taça do Campeonato Cearense nas mãos foi de profunda emoção. Foi um encontro marcado pelo amor e pela conexão entre todos nós”, conclui Rose Militão.