COMPARATIVO

Covid em São Paulo mata mais os pobres e menos os ricos

​Quem diria que chegaria o tempo em que o extrato bancário seria um passaporte para…

Óbitos concentram-se em pacientes acima de 60 anos. 89% das mortes por Covid-19 no Brasil são de pessoas sem terceira dose da vacina
(Foto: Jucimar de Sousa - Mais Goiás)

​Quem diria que chegaria o tempo em que o extrato bancário seria um passaporte para a vida. Alguns poderão dizer que sempre foi assim, mas, em época de pandemia, tudo parece ficar mais aparente, mais visível, mais chocante. Em São Paulo, a Covid-19 mata mais os pobres e menos os ricos —é o que mostra a edição especial do Mapa da Desigualdade da Rede Nossa São Paulo, recém-lançada, que analisa o impacto da pandemia na cidade.

Os dados evidenciam que há uma relação direta entre a renda familiar e as mortes: no Alto de Pinheiros, um dos distritos mais ricos da cidade, a renda média familiar é de R$ 10.495, e o número de mortes por Covid-19, de 28 por 100 mil habitantes; já em Lajeado, um dos mais pobres, a renda média é de R$ 2.876, e ocorrem 114 mortes por 100 mil habitantes, quatro vezes a taxa do Alto de Pinheiros.

Quanto vale uma vida na pandemia? Vale aproximadamente R$ 100. Também podemos dizer que a cada R$ 100 de aumento na renda, uma vida é preservada. Deste dado pode-se inferir a importância do emprego, da renda básica, das condições de vida das famílias —que só regrediram nos últimos anos, mas que devem ser prioridade nas ações pública e privada.

Em relação à oferta de leitos em UTI na cidade, houve uma melhoria significativa: de 10 para 71 leitos por 100 mil habitantes, de janeiro a julho de 2021. Entretanto, a lógica da desigualdade prevaleceu e a diferença de oferta de leitos, que era 65 vezes maior em Pinheiros do que em São Miguel, por exemplo, manteve-se no mesmo patamar. A desigualdade é resiliente. Muda o número, mas não muda o modelo mental da tomada de decisão que insiste em não incorporar a redução das desigualdades como critério de prioridade: investir desigualmente em locais desiguais, deveria ser o mantra. Para tanto, há que se ter coragem para enfrentar os interesses de alguns grupos poderosos, em benefício de uma maioria vulnerável.

A questão racial surge ao compararmos o número de mortes de brancos e de negros por Covid-19 em um mesmo distrito. No Itaim Bibi, 47% das mortes da população negra são por Covid-19, enquanto entre a população branca esse percentual se reduz a 28% —uma diferença de 1,7 vez. Morrem quase o dobro de negros do que de brancos no mesmo bairro devido à mesma enfermidade. Por quê? A base é o racismo estrutural de nossa sociedade que se manifesta com a maior exposição ao risco da população negra, considerando as condições de trabalho, transporte coletivo, acesso à saúde, renda e habitação.

As decisões da gestão pública são fundamentais para minimizar estes impactos. No curto prazo, o suporte da renda emergencial tem impacto direto no número de mortes e, no longo prazo, é muito importante gerar emprego, aumentar a renda média da população mais vulnerável com políticas de valorização do salário mínimo e o acesso a serviços públicos de qualidade. No transporte coletivo, a lógica perversa dos contratos contribuiu para o agravamento do problema: o modelo de atendimento por demanda responde a uma lógica econômica subordinada aos interesses das empresas de transporte. Na pandemia, o mais importante era evitar a lotação dos ônibus para preservar vidas com o aumento da frota, mas o fator econômico venceu e a vida perdeu.