ANÁLISES

Crise atual é pior que a de 2008; Brasil vai demorar para sair dela, dizem especialistas

A crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus é a mais grave já enfrentada…

Estados perdem R$ 16 bilhões em arrecadação no 1º semestre
Em meio à crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus, os estados brasileiros atravessaram o primeiro semestre de 2020 com uma queda na arrecadação de R$ 16,4 bilhões em comparação com o mesmo período do ano passado.

A crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus é a mais grave já enfrentada por governos, famílias e empresas em todo o mundo, afirmam economistas de diferentes segmentos de atuação. As necessárias medidas de isolamento social para conter a doença já provocam um impacto sobre a atividade produtiva, o emprego, e o consumo mais amplo e mais intenso que o enfrentado pelo planeta em 2008.

Além disso, as armas que os países têm para atravessar essa nova adversidade são mais limitadas dessa vez, dizem os especialistas. No Brasil, a situação é pior, e o país vai demorar mais para se recuperar desta vez, analisam.

A situação é tão diferente que, em 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu mais de 5%. A previsão para 2020 é que siga o caminho contrário e caia mais de 5% (veja abaixo).

Alcance e velocidade

Segundo os especialistas, estas são diferenças fundamentais entre as duas crises:

– 2008: origem num setor e num país: o mercado financeiro imobiliário dos Estados Unidos. Só depois espalhou-se pelo restante da economia global, contaminando os negócios por causa de redução de crédito.

– 2020: o problema é sanitário, uma doença sem tratamento testado, e o contágio sobre a atividade econômica em todo o mundo foi imediato e acelerado.

[olho author=”Roberto Troster, economista, referindo-se a um termo na economia aplicado a evento raro, aparentemente inverossímil, acima de todas as expectativas normais históricas, científicas, financeiras ou tecnológicas”]Temos claramente agora um evento que podemos classificar como cisne negro[/olho]

Em 2008, dinheiro parou de circular

Segundo Troster, a crise de 2008 foi um problema de liquidez (quantidade de dinheiro em circulação). Quanto menor a liquidez, menos recursos disponíveis para investimentos e consumo.

[olho author=”Roberto Troster, bacharel e doutor em economia pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), pós-graduado em banking pela Stonier School of Banking, e ex-economista chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban)”]Faltou dinheiro no mercado financeiro, e isso atingiu a economia em efeito dominó,[/olho]

Em 2008, bancos americanos emprestaram muito mais do que deveriam, sem garantias, principalmente no setor imobiliário. Quando aumentaram os calotes, muitos bancos não tinham capital para cobrir as perdas. Outros tinham dinheiro, mas ficaram com medo de dar crédito. Logo o efeito cascata começou a afetar os negócios nos mais diferentes setores.

Como os EUA são o centro financeiro do mundo, a falta de recursos se espalhou, houve queda das Bolsas, alta dos juros e redução de investimentos.

[olho author=”Joelson Santana, coordenador do curso de economia da Escola de Economia de São Paulo (FGV EESP).”]Em 2008, a crise nasce no mercado financeiro e, depois, atinge a economia real. Agora, a crise nasceu no lado sanitário, que afetou diretamente o lado real da economia. O problema já começa atingindo o lado real da economia e o lado financeiro,[/olho]

Mundo travado em semanas

Para conter o novo vírus, governos determinaram restringiram funcionamento de empresas e circulação de pessoas. A atividade global econômica travou em de semanas. A economia tornou-se fator secundário ante a necessidade de evitar o colapso dos sistemas da saúde.

Em 2008, houve falta de crédito, agora o contágio é a mais pura falta de dinheiro.

[olho author=”Marcelo Botelho Moraes, professor da FEA-RP USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP Ribeirão Preto),, doutor em Ciências da Economia, Organizações e Gestão do Conhecimento.”]As empresas agora quebram por falta de caixa. Quanto menos caixa, mais rapidamente é a quebra. E isso provoca desemprego também de forma mais rápida. Temos um choque simultâneo de oferta e demanda,[/olho]

Economia já está fraca, e isso é pior

O professor da FEA-RP fala de outras diferenças entre as duas crises:

– Em 2008, havia perspectiva de retomada da economia.

– Agora ninguém arrisca previsão de recuperação

– A economia está menos aquecida hoje.

– Em 2007, antes da crise de crédito americana, o PIB global cresceu 5,6% (China disparou 14,3% no ano)

– Em 2019, o mundo cresceu 2,9% (China avançou 6,1%).

– O Brasil entrou na crise de 2008 com o PIB crescendo mais de 6%; em 2019, a economia estava praticamente estagnada.

Mundo tem menos armas contra crise hoje

Como a economia global estava crescendo mais em 2008, naquele ano as taxas de juros em todo o mundo estavam mais elevadas que hoje. E essa é uma diferença que influencia diretamente as ferramentas que os governos têm para escapar da crise.

[olho author=”Alvaro Bandeira, economista-chefe do banco digital Modalmais, e ex-presidente da Bolsa Brasileira de Futuros (BBF) e da Apimec (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais).”]Como as taxas de juros estavam mais elevadas em 2008, os bancos centrais puderam agir de imediato, simplesmente cortando de forma coordenada os juros em todo o mundo. Agora, os juros já estão baixos, então os bancos centrais não têm todo esse espaço para atuar, [/olho]

“Agora, a saída tem que ser fiscal”, diz o economista formado pela UFRJ com mais de 40 anos de experiência no mercado de capitais. Ou seja, a reposta dos países para sair dessa crise terá quer ser feita com recursos dos governos.

[olho author=”Alvaro Bandeira”]Os países que têm mais espaço para gastar no orçamento poderão sair mais rapidamente dessa crise,[/olho]

Assim, para países com moeda forte, onde os governos podem aumentar os gastos públicos, como Estados Unidos e China, a retomada econômica será mais vigorosa. Já países emergentes, como o Brasil, onde os governos têm limitações para aumentar os gastos públicos, terão uma saída da crise mais difícil.

É o que mostram já as projeções feitas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) para o PIB em 2020 e 2021.

As dificuldades do Brasil

Os economistas destacam as dificuldades do Brasil agora:

– Os juros já estão baixos, e não há muito o que o Banco Central possa fazer em termos de reduzir a Selic (taxa básica de juros) para estimular o crédito, os investimentos e o consumo.

– As contas públicas estão piores do que há dez anos, o que também limita o espaço para o governo irrigar a economia com dinheiro.

– A retomada econômica do Brasil em 2008 foi feita com gastos e créditos bancados pelo governo. Foi uma estratégia que anos depois acabou fragilizando as contas públicas. Hoje, o governo já está gastando muito mais que arrecada.

[olho author=”Alvaro Bandeira, economista do Modalmais.”]Vai ser difícil o governo ser o patrono da reação porque não tem dinheiro,[/olho]

Reação do Brasil está lenta

Além da limitação orçamentária, o governo peca também na qualidade da implementação das medidas, dizem economistas.

[olho author=”Joelson Santana, da FGV”]A velocidade da resposta é tão importante quanto o tamanho da resposta. Mas a gente está sendo bem lento,[/olho]

[olho author=”Roberto Troster”]O Brasil parece o Titanic, que já não tinha bote para tomo mundo, mas por falta de organização, menos pessoas ainda puderam usar os botes para serem resgatadas,[/olho]

O Titanic transportava 2.200 passageiros quando atingiu um iceberg e começou a afundar. Os botes tinham capacidade para levar 1.200 pessoas. Mas, como o resgate do navio foi caótico, apenas 710 sobreviventes estavam nas embarcações quando as equipes de resgate chegaram ao local do naufrágio.