Economia

Inflação acima da meta no início de 2021 pode dificultar retomada da economia

Mesmo com a recessão deste ano e uma recuperação lenta da economia, a inflação no…

Mesmo com a recessão deste ano e uma recuperação lenta da economia, a inflação no Brasil corre o risco de, em 2021, ultrapassar o centro da meta pelo terceiro ano seguido e se tornar mais um obstáculo para a retomada do crescimento.

Reajustes represados por causa da pandemia devem pesar no bolso e frear a retomada do consumo no início do ano.

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência para a meta de inflação (3,75% em 2021), deve se manter em boa parte de 2021 acima de 5% ao ano, estimam economistas. Com alto desemprego e renda em queda, a inflação reduz ainda mais o poder de compra das famílias.

— Não dá para dizer que está tranquilo e que não tem preocupação com inflação. Não estamos vendo arrefecer o preço das commodities agrícolas (como soja e milho) com a retomada da China, que deve crescer 8% no ano que vem. Os preços dos alimentos talvez subam menos (em 2021), mas será uma pressão em cima de uma alta de 16% este ano — diz o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.

O centro da meta de inflação foi definido em 3,75% em 2021, podendo chegar a até 5,25% no intervalo de tolerância. Vale projeta o IPCA fechando entre 3,5% e 3,8% em 2021, com maior pressão sobre os preços no início do ano.

Júlia Passabom, economista do Itaú Unibanco, prevê que o índice ficará acima de 5,5% ao ano no primeiro semestre:

— A trajetória não é tranquila. Vamos passar boa parte do próximo ano acima do teto da meta, com o pico de 5,7% no acumulado em 12 meses entre abril e maio.

A economista, no entanto, está otimista. Ela prevê pressão inflacionária menor no segundo semestre, com IPCA fechando o ano em 3,1% em 2021.

Ela calcula que a bandeira vermelha nas contas de luz que vigora a partir deste mês, aumentando tarifas para compensar o custo de geração elevado pelos baixos níveis dos reservatórios das hidrelétricas, antecipa um impacto que só era esperado em 2021.

Em maio, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) havia fixado a bandeira verde até dezembro, mas acabou com o represamento em novembro.

Na pandemia: Seis sinais de que a recuperação da economia no quarto trimestre será lenta

Os reajustes de preços controlados pelo governo, como os de medicamentos e de planos de saúde, adiados este ano por causa da pandemia, vão pesar na inflação de 2021. Juntas, as despesas levam 7,5% do orçamento doméstico.

O Itaú prevê que os planos de saúde vão subir 12,4%. Os remédios, 5%. O transporte público é outro item que deve subir 5% em 2021, pelas previsões.

— Serão reajustes de magnitude maior, dado que serão dois anos de correção. Deve haver também recomposição de preços industriais e de serviços, que ficaram muito baixos por muito tempo — diz a economista Maria Andreia Parente, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Preço alto, menos gasto

O economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC e especialista em inflação, vê uma desaceleração do IPCA só no segundo semestre. Mas ele espera inflação perto de 4% em 2021, acima do centro da meta.

Ele chama a atenção para uma composição diferente nessa inflação em relação ao que se via historicamente:

— Foi um primeiro semestre (de 2020) totalmente atípico, com deflação, quando tudo estava fechado. E depois houve uma pressão acima do normal nos preços de alimentos, eletrodomésticos e material de construção. Em dez anos, nunca vimos essa composição. O primeiro semestre vai ser um terror, com desemprego e inflação subindo, chegando a perto de 6%.

A recente alta dos preços de alimentos, combustíveis, gás de botijão e energia já está fazendo o casal Danielle Magalhães de Lima, de 39 anos, e Márcio Abreu e Silva, de 44, consumir menos.

Pais de três filhos, eles são donos de um bufê de pizzas. Além da queda de 40% no faturamento, sentem que os custos estão subindo, reduzindo seus ganhos. O orçamento da família apertou.

— Temos gastado o dobro para comprar os mesmos produtos. Laticínios estão muito caros, e carne também está com preço surreal. Chegou uma hora que não tivemos como não repassar esse aumento — conta Danielle, que notou alta nas contas de água, luz e gás e teve que parcelar a fatura do cartão de crédito.

— Estamos conseguindo aos trancos e barrancos, mas não damos conta de tudo. Não deixamos de pagar o financiamento da casa porque os juros são altos, mas atrasamos a mensalidade escolar da minha filha mais velha por quatro meses.

Sem perspectiva de redução nos preços dos itens básicos, a empreendedora já sabe que o consumo da família vai ser menor no ano que vem:

— Cortamos um ponto da TV por assinatura, mas vou tentar renegociar porque continua muito caro. O plano de saúde aumentou, e aqui em casa só meus filhos têm.

Para o economista Sergio Vale, será um desafio manter a inflação baixa nos próximos anos. Mesmo após dois de recessão (2015 e 2016), com a recuperação ainda por se concretizar e uma pandemia, o IPCA não ficou muito o abaixo de 4% no fim de cada um.

— Recessão e crise eram para jogar a inflação para baixo. Aqui, não vai abaixo de 4%.

Juros devem subir

Por causa dessas pressões adicionais em 2021, o mercado já espera que a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 2% ao ano, suba para 3% até o fim do ano. Vale prevê que, em junho, os juros já estejam em 2,5%, alcançando 3,5% no fim de 2021.

Já o Itaú vê essa subida a partir de outubro, chegando a 3% no fim do ano. Mesmo assim, os juros devem continuar abaixo da inflação, ainda estimulando a economia.

Parente não vê a inflação como um problema em 2021 e prevê que o IPCA fique no centro da meta, mas alerta que há pouca margem para choques:

— Tudo está muito condicionado a uma série de fatores. Não estamos esperando desvalorizações cambiais. Esperamos que o governo dê sequência às reformas, com austeridade fiscal. É um cenário que tem pouca margem para absorver algum choque.

A questão fiscal é um dos foco da alta da inflação. Com a dívida pública caminhando para 100% do Produto Interno Bruto (PIB), o temor sobre o equilíbrio fiscal foi um dos motivos da alta do dólar este ano, que afeta uma série de preços.

— Fatores políticos e incerteza fiscal geraram muita pressão este ano —afirma Cunha.

Há ainda a desorganização industrial, com falta de insumo generalizada reduzindo a oferta e dólar mais alto encarecendo a produção, alerta Vale:

— Os repasses não serão pequenos. A demanda está fraca, as empresas já fizeram todo o ajuste de custo possível. Ou demitem mais ou têm de repassar uma parte para o consumidor. (*Estagiária sob supervisão de Alexandre Rodrigues)