Saúde

Em menos de três anos, Goiás registra 4.132 intoxicações por automedicação

Em Goiás, no período de janeiro de 2015 a março de 2017, foram registradas 4.132…

Em Goiás, no período de janeiro de 2015 a março de 2017, foram registradas 4.132 intoxicações conseqüentes de automedicação. Os dados são do Centro de Informação Toxicológica de Goiás  (CIT/GO), órgão vinculado à Superintendência de Vigilância em Saúde do Estado.

Um dos goianos que sofreu as conseqüências da automedicação foi o filho da professora orientadora Isis Fernandes do Nascimento. À época, a criança tinha três anos e nove meses e sofria de alergias por conta da baixa imunidade. A mãe conta que, como sempre, levava o garoto ao pediatra e sempre tinha os mesmos diagnósticos, acabou decorando qual medicamento deveria ser ministrado em cada situação.

No entanto, durante um fim de semana, o garoto se queixou de dor de garganta, que Isis imaginou ser uma infecção, e deu uma dose de Nimesulida para o filho. “Dentro de poucas horas começou a empolar o joelho, aumentou até os pés e coxas, até que o todo o corpo dele ficou inchado”, explica sobre o ocorrido.

Ao levar o filho em um pronto-socorro, Isis teve o diagnóstico de que o inchaço era consequência de uma reação alérgica que o garoto desenvolvera ao remédio. “Agora eu aprendi a não dar mais medicamentos por conta própria, mas foi um susto”, conclui.

Casos como este não são raros. Segundo a vice presidente do Conselho Regional de Farmácia (CRF/GO), Lorena Baía, cerca da metade dos pacientes que tomam remédios por conta própria fazem isso de maneira errada, seja por desconhecer reações adversas, usar dosagens erradas, misturar substâncias, tomar medicamentos não indicados para o tipo de sintoma que se sente, dentre outros fatores.

“É mais comum ter reações a remédios do que se imagina. E isso muitas vezes é consequência da automedicação. O tipo de intoxicação mais comum no Brasil, desde 1997, é a por remédios. O número é maior do que a intoxicação por agrotóxicos, por exemplo”, explica Lorena.

Necessidade

Apesar dos riscos de ingerir um medicamento por conta própria, a professora da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Mércia Pandolfo, explica que a prática é considerada necessária, inclusive pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “A automedicação é preconizada, pois é impossível que todas as pessoas procurem um médico sempre que sentirem algum tipo de dor. Nenhum sistema de saúde aguentaria isso”, esclarece.

Transtornos de saúde leves, como indisposição, gripe, cólicas menstruais, dores musculares e dores de cabeça podem ser tratados com remédios livres de prescrição e que são encontrados facilmente nas farmácias. Nesses casos, a consulta a um médico é dispensável.

Essa medicação, entretanto, pode ser feita sob a orientação de outro profissional de saúde, o farmacêutico, que pode orientar o paciente na escolha do remédio, de modo que a ação seja feita de maneira mais responsável. “A Lei 13.021 de 2014 determina que deve haver um farmacêutico em todas as farmácias enquanto o estabelecimento estiver funcionando. O farmacêutico é hoje o profissional mais acessível na área de saúde”, explica Lorena.

Além disso, Mércia pontua que o Conselho de Farmácia regulamenta, na resolução 586 de 2014, que todo farmacêutico além de ouvir os sintomas do paciente e indicar o medicamento mais adequado pode também prescrever o mesmo, ainda que o remédio possa ser vendido sem receita. A professora explica que a medida, mesmo não sendo efetiva em todas as farmácias, é importante pois cria um controle do que foi vendido, tornando o profissional responsável civil e legalmente por sua recomendação.

A vice-presidente do CRF ressalta que cada organismo reage de uma maneira aos medicamentos e que, em caso de persistência, ou de emergência, um médico precisa ser procurado pois a automedicação pode esconder um problema maior. “Um paciente com dor de estômago toma o protetor gástrico que reduz a queimação e melhora, mas pode ser que ele tenha uma gastrite acompanhada de bactéria e aí seria o caso de usar antibiótico”, exemplifica Lorena.

Venda sob prescrição médica

Existem medicamentos que são vendidos sem prescrição nas farmácias. Contudo, mesmo nos casos em que a receita médica é exigida, há diferenças. Os remédios de tarja vermelha podem ser vendidos livremente ou com prescrição, quando são chamados de “remédios de receita branca”. Nestes casos uma via da receita fica com a farmácia e outra com o paciente. Mas nos casos de tarja preta, sempre há necessidade de receita, em duas vias.

Contudo, mesmo nos casos de medicamentos de venda livre podem haver complicações caso a ingestão dos mesmos seja feita por conta própria e sem orientação. Lorena conta que os casos de reações mais freqüentes acontecem com antiinflamatórios, analgésicos e antitérmicos. Um caso comum é o Paracetamol, remédio para alívio de dor e febre que possui dosagem máxima, mas essa informação é desconhecida por muitos usuários.

Mércia acredita que há também um descaso dos órgãos de saúde em relação à fiscalização de farmácias e drogarias quanto à venda de remédios sob prescrição médica. “Essa prática ainda acontece porque, para o governo, é benéfico. A farmácia supre a necessidade médica da população, já que o sistema público de saúde não consegue fornecer atendimento pra todos”, pontua.

A vice-presidente do CRF lembra que a venda de medicamentos de tarja vermelha e preta sem prescrição é um crime hediondo, além de poder prejudicar a saúde dos pacientes. “A automedicação tem que ser feita de modo responsável. Quando orientada, ela não é ruim. O que não pode haver é uma medicalização da vida”, conclui.

Medicamentos de tarja vermelha e preta devem ser vendidos com receita (Foto: Amanda Sales/ Mais Goiás)

Amanda Sales é integrante do programa de estágio do convênio entre Ciee e Mais Goiás, sob orientação de Thaís Lobo