Espionagem

Glenn Greenwald e David Miranda foram espionados pela Abin na gestão Bolsonaro

Ex-deputado federal Jean Willys foi monitorado pela Abin

David Miranda e Glenn Greenwald (Foto: Reprodução)
David Miranda e Glenn Greenwald (Foto: Reprodução)

A lista completa das pessoas espionadas irregularmente durante o governo Bolsonaro com um software de rastreamento de celulares ainda não é conhecida, mas a Polícia Federal já localizou mais dois adversários políticos do ex-presidente que foram alvo de arapongagem: o jornalista Glenn Greenwald e seu marido, David Miranda, deputado federal pelo PDT do Rio de Janeiro que morreu em maio passado.

De acordo com fontes da PF, os celulares dos dois estão na lista de 1 800 telefones entregue pela Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, ao Supremo Tribunal Federal (STF), por determinação do ministro Alexandre de Moraes.

A lista de alvos inclui também jornalistas, advogados, outros políticos e diversos outros adversários políticos do governo Bolsonaro entre 2019 e 2021, na gestão de Alexandre Ramagem, que hoje é deputado federal pelo PL do Rio.

Glenn Greenwald, que vive no Brasil com os filhos, fundou o site Intercept Brasil e foi um dos responsáveis pela série de reportagens sobre o caso Vaza Jato, que trouxe à tona mensagens hackeadas de investigadores da Lava-Jato.

Ele se tornou conhecido no mundo todo depois de publicar uma série de reportagens sobre os arquivos de Edward Snowden, ex-agente da Agência Nacional de Segurança, que denunciava uma série de iniciativas de espionagem ilegal de governos estrangeiros por parte dos Estados Unidos.

Já David Miranda foi vereador pelo Psol do Rio de Janeiro — segundo ele mesmo, “primeiro vereador assumidamente gay” da história da cidade, e depois se tornou deputado federal. Na Câmara, colecionou polêmicas com o clã Bolsonaro.

Os investigadores também já sabem que foram vigiados técnicos do TSEo ex-deputado federal Jean Willys e um homônimo do ministro Alexandre de Moraes.

Embora tenha fornecido ao STF uma planilha com os telefones acessados com o programa First Mile, da israelense Cognyte, a Abin alegou não ter os nomes dos donos das linhas, porque estariam protegidos sob sigilo.

A resposta não convenceu a PF e nem o ministro Moraes, que durante as buscas na operação de sexta-feira constataram que os outros 31 200 acessos feitos com o programa espião foram apagados do sistema.

Os técnicos agora trabalham sobre o material apreendido para saber quando esses dados foram apagados, quem mandou apagar e por quê.

O uso irregular do First Mile, comprado por R$ 5,7 milhões de reais sem licitação no governo Michel Temerfoi revelado pelo GLOBO em março deste ano.

Além de gerar questionamentos internos na Abin e levar à abertura de uma sindicância, o caso também levou à abertura do inquérito que resultou na operação Última Milha, de sexta-feira (20).

Na ação, a PF prendeu dois ex-agentes da Abin e fez buscas em diversos endereços, incluindo a sede da agência em Brasília e a sede brasileira da empresa israelense que fabrica o programa espião, em Florianópolis.

Outros cinco diretores da agência foram afastados por ordem do Supremo – incluindo o secretário de Planejamento e Gestão, Paulo Fortunato Pinto, o terceiro na linha de comando da Abin. Na casa dele, a PF apreendeu US$ 171 mil em dinheiro vivo. Fortunato Pinto era superior hierárquico da área responsável pelas compras da agência.

Nos bastidores da investigação, o comportamento da agência levantou uma série de desconfianças.

Pouco depois de o inquérito ter sido instaurado, inicialmente na primeira instância da Justiça Federal, o diretor-adjunto da Abin, Alessandro Moretti, pediu a Alexandre de Moraes que o inquérito passasse a correr no Supremo, porque a apuração poderia envolver segredos de estado e informações sensíveis à segurança nacional.

O pedido foi atendido. Mas o fato de o documento pedir que Moraes avaliasse “a possibilidade de determinar que a apuração seja centralizada nesse Supremo Tribunal Federal em conjunto com a investigação que está sendo conduzida pela Comissão de Sindicância instaurada nesta Agência” criou mal-estar.

Embora o texto não pedisse expressamente que a Polícia Federal fosse excluída da investigação, tanto na PF como no Supremo ficou subentendido que a Abin pretendia concentrar as apurações no resultado da sindicância interna que estava sendo feita sobre o caso – e não a investigação em curso na PF.

Mas os depoimentos da sindicância foram inconclusivos, e mesmo a recomendação para a demissão dos agentes presos na sexta-feira pela PF ficou desde março parada na Casa Civil, como informou Lauro Jardim. Só depois da operação eles foram de fato demitidos.