Boas-vindas

Kim Jong-un deve apresentar seus mísseis a Biden após posse do novo presidente

A Coreia do Norte deu as boas-vindas aos dois últimos presidentes dos Estados Unidos com…

A Coreia do Norte deu as boas-vindas aos dois últimos presidentes dos Estados Unidos com testes de mísseis ou bombas nucleares semanas após suas posses. Especialistas creem que algo similar deve ocorrer com Joe Biden, a quem o regime chamou de “cão raivoso”.

Kim Jong-un é um dos poucos líderes mundiais que ainda não parabenizaram — ou sequer reconheceram — Biden, particularmente após o líder da China, Xi Jinping, fazê-lo na última quarta-feira. Além de Kim, restam apenas o mexicano Andrés Manuel López Obrador, o russo Vladimir Putin e o brasileiro Jair Bolsonaro.

Por mais que não seja incomum para a Coreia do Norte se manter em silêncio sobre o resultado de um pleito americano, Kim teve reuniões sem precedentes com o presidente Donald Trump, que romperam com os padrões da relação previamente estabelecida entre as nações adversárias.

O relacionamento, agora, deve retornar aos dias mais gélidos do governo de Barack Obama, quando os EUA lançavam mão de uma “paciência estratégica” para evitar compensar a Coreia do Norte por provocações — política que se manteve após Kim tomar posse, em 2011. Para os norte-coreanos, isto pode não fazer tanta diferença: com Obama e com Trump, o ditador aumentou consistentemente sua capacidade de ameaçar o território continental dos EUA com armas nucleares, mesmo diante de sanções ainda mais duras.

— Independentemente de quem estiver na Presidência, é improvável que o regime norte-coreano mude seu comportamento ou estratégia diante dos EUA — disse Soo Kim, analista político da Rand Corporation, que previamente trabalhou na CIA. — As ogivas estão aqui para ficar, Kim vai continuar a construí-las e extorqui-las. A estratégia se prova funcional há décadas, por que mudar o que está dando certo?

A Coreia do Norte testou Obama com o lançamento de um foguete de longo alcance e um dispositivo nuclear meses após tomar posse, em 2009. Trump foi recebido com uma série de testes de mísseis que culminaram, em novembro de 2017, no lançamento de um míssil balístico intercontinental que, de acordo com especialistas, seria capaz de carregar uma ogiva nuclear até os EUA.

Demonstração de força

O mais provável é que, desta vez, seja testado outro ICBM (míssil balístico intercontinental). Isto pode incluir um foguete recém-apresentado pela Coreia do Norte em sua parada militar em outubro, criado para ser capaz de transportar múltiplas ogivas até a América do Norte. Neste mês, o Pentágono disse que teve sucesso, em uma simulação, ao tentar interceptar um ICBM similar aos norte-coreanos.

— Eles precisam testar os novos mísseis para demonstrar que são uma ameaça para os adversários, e provavelmente o farão quando estiverem prontos — disse a especialista bélica Melissa Hanham, vice-diretora da Open Nuclear Network, ONG que busca reduzir o risco de um confronto nuclear. — Para deter os EUA, a Coreia do Norte precisa apenas que seus mísseis tenham acurácia suficiente.

Pyongyang vê seu arsenal como uma garantia contra um ataque americano, e promete manter as salvaguardas a qualquer custo. Kim rejeitou, repetidas vezes, os apelos do governo Trump por um desarmamento “completo, verificável e irreversível” antes de quaisquer recompensas, como alívio de sanções.

A equipe de Biden já sinalizou mais espaço para negociação, afirmando em uma de suas propostas de campanha que deseja “dar o pontapé inicial” em uma campanha com aliados e outros stakeholders para a desnuclearização. No segundo debate presidencial, em outubro, o democrata chamou Kim de “marginal”, mas disse que poderia se encontrar com o norte-coreano se Pyongyang tomasse medidas para reduzir seu arsenal.

Pronunciamento de ano novo

O escolhido do presidente eleito para seu secretário de Estado, Antony Blinken, caracterizou a diplomacia pessoal de Trump como um fracasso e defendeu uma abordagem multilateral para que o desarmamento ocorra gradualmente. Em um artigo de opinião para o New York Times, em 2017, Blinken apoiou negociar termos que “primeiro congelem e depois reduzam o programa nuclear norte-coreano, com inspetores para fiscalizar cuidadosamente seu cumprimento” até que um acordo mais compreensivo seja firmado.

É provável que Kim dê pistas de como irá lidar com o novo governo Biden durante seu pronunciamento de ano novo — um dos maiores discursos políticos no calendário norte-coreano. Pyongyang também deve realizar um raro congresso partidário concomitante com a posse nos EUA para elaborar um novo plano quinquenal para sua economia, que caminha para a pior recessão em duas décadas, diante de sanções, da Covid-19 e de uma série de desastres naturais.

A Coreia do Norte ordenou suas embaixadas e missões a não fazer provocações durante a transição em Washington, funcionários da agência de espionagem sul-coreana falaram em um briefing para o Parlamento na sexta-feira.

Pyongyang deixou claro que prefere lidar com Trump, que se sentou na mesa com Kim de igual para igual. Seu regime louvou a “misteriosamente maravilhosa” química entre os dois líderes, enquanto denunciou Biden como um “imbecil desprovido de qualidades elementares como ser humano”.

E, enquanto o presidente eleito americano busca se reaproximar com aliados após a abordagem de “América primeiro”, Kim pode descobrir que tem mais amigos do que tinha há alguns anos. Sua relação é muito melhor com a China e com a Rússia, que, há três anos, se juntaram às sem precedentes sanções do Conselho de Segurança da ONU ao país, em resposta a seus testes nucleares e de mísseis.

— Desta vez, novos testes podem não ter o mesmo efeito na ONU — disse Ankit Panda, pesquisador da influente think tank Carnegie Endowment for International Peace. — O maior risco seria reingressar em um ciclo de crises com a Coreia do Norte.