No Museu do Holocausto

Não há dúvida de que nazismo foi movimento de esquerda, diz Bolsonaro em Israel

No dia em que visitaram em Israel o Museu do Holocausto, o presidente Jair Bolsonaro…

No dia em que visitaram em Israel o Museu do Holocausto, o presidente Jair Bolsonaro e seu chanceler, Ernesto Araújo, insistiram em declarar em entrevistas nesta sexta-feira que o nazismo foi um movimento de esquerda. A tese é contestada pela grande maioria dos historiadores, incluindo os especialistas do memorial que documenta o extermínio de 6 milhões de judeus pelos nazistas — que também, ainda antes da Segunda Guerra Mundial, prenderam milhares de comunistas, social-democratas, ciganos, homossexuais e outros indivíduos considerados indesejáveis.

Bolsonaro disse que “não há dúvida” de que o nazismo foi de esquerda. Para embasar seu argumento, o presidente procurou lembrar o nome oficial do Partido Nazista.

— Não há dúvida, né? Partido Socialista, como é que é? — respondeu Bolsonaro quando questionado por um repórter se concordava com as declarações de Araújo acerca da natureza ideológica do nazismo, que governou a Alemanha de 1933 a 1945, quando o país foi derrotado na Segunda Guerra Mundial. — Partido Nacional Socialista da Alemanha — completou o presidente, ao ser lembrado do nome oficial do partido nazista, de Adolf Hitler. Na verdade, o nome completo era Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães.

Araújo já havia voltado ao tema antes da fala do presidente, de maneira menos rudimentar:

— Nestes últimos dias tem surgido várias publicações, artigos, que procuram identificar um pouco isso, sob a perspectiva que eu procurei apontar, de ver semelhanças, proximidades, entre esses movimentos nazistas da Europa da metade do século 20 e movimentos de extrema esquerda — disse o chanceler a jornalistas, sem citar fontes.

Museu explica origem em grupos de direita

Na visita ao Yad Vashem (nome hebraico do Museu do Holocausto), Araújo disse que não esteve com pesquisadores da instituição. Caso tivesse conversado com eles, sua tese teria sido rebatida sumariamente. No site do museu, o movimento liderado por Adolf Hitler é descrito como fruto de “grupos radicais  de direita”.

“Hitler e o Partido Nazista chegaram ao poder devido às circunstâncias sociais e políticas que caracterizaram o período entreguerras na Alemanha. Muitos alemães não podiam admitir a derrota de seu país na Primeira Guerra Mundial, argumentando que ‘traições’ e a fragilidade na retaguarda paralisaram e, no final, causaram o colapso na frente de batalha”, afirma o museu em seu site em um texto em inglês. “Os judeus, eles diziam, haviam feito muito para espalhar o derrotismo e assim destruir o Exército alemão. A democracia na República de Weimar, argumentavam, era uma forma de governo que havia sido imposta à Alemanha e era imcompatível com a natureza alemã e seu modo de vida. (…) Essa frustração, junto com a resistência intransigente e alertas sobre a ascendente ameaça do comunismo, criou solo fértil para o crescimento de grupos radicais de direita na Alemanha, gerando entidades como o Partido Nazista.”

A tese de que o nazismo foi de esquerda tem sido defendida pelo atual chanceler brasileiro desde antes de ele assumir o cargo. Ela também é propagada pelo guru da direita e do bolsonarismo, Olavo de Carvalho. No dia 17 de março, Araújo deu uma entrevista a um canal da internet em que voltou a repetir que o nazismo foi fruto de uma manipulação do nacionalismo — para ele algo positivo —  pela esquerda.

Diante das críticas ao teor da entrevista, o chanceler publicou no último sábado um artigo em seu blog, Metapolítica 17, em que afirma que a esquerda associa o nazismo à extrema direita para evitar a aliança entre liberais e conservadores, que, segundo ele, está se tornando realidade no governo Bolsonaro.

Nesta terça, em conversa com jornalistas, Araújo deu uma longa explicação sobre o tema, defendendo que sua intenção é promover um debate que vá além de “definições superficiais”, mas não recuou de sua opinião.

— Tem que ver o conteúdo, o que se entende por totalitarismo, o que se entende por por extrema esquerda ao longo da História, sobretudo a História do século XX. Muitas vezes a associação do nazismo com a direita foi usada para denegrir movimentos que são considerados de direita, linhas de pensamento que são consideradas de direita, que não tem nada a ver com o nazismo, movimentos conservadores que são denegridos ao ter a imagem associada ao nazismo — disse o chanceler.

Em entrevista ao GLOBO em outubro do ano passado, o embaixador alemão no Brasil, Georg Witschel, já havia contestado a associação entre o nazismo e movimentos de esquerda feita por setores da direita brasileira, afirmando que “isso não é fundamentado, é um erro, é simplesmente uma besteira”.

— É um consenso entre os historiadores da Alemanha e do mundo que o nazismo foi um movimento de extrema direita — afirmou Witschel, reforçando que é um fato “bem fundamentado”.

Witschel explicou que o uso da palavra “socialismo” no nome do partido nazista — Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães — foi uma estratégia para apelar “a trabalhadores e setores pobres da população”.

— Lembremos de quantos regimes brutais usam a palavra “democrata” em seu nome — disse.

A teoria exposta pelo ministro na entrevista de 17 de março também repercutiu mal na principal emissora de TV pública da Alemanha, a Deutsche Welle.  Em texto publicado  na última quinta-feira, na versão do seu site em português, a emissora diz que esse é o “absurdo que virou discurso oficial em Brasília”. “A estratégia de tentar classificar o nazismo como uma ideologia de esquerda não é nova e chegou a ocorrer no passado em vários países. Mas nunca chegou a virar um debate sério entre especialistas”, diz o texto.

O artigo da Deutsche Welle ouve, entre outros, o historiador Wulf Kansteiner, da Universidade de Aarhus, que deixa claro que os nazistas jamais seguiram políticas de esquerda.

— Ao contrário, propagavam valores da extrema direita, um extremo nacionalismo, um extremo antissemitismo e um extremo racismo. Nenhum especialista sério considera hoje o nazismo de alguma forma um fenômeno de esquerda. Por isso, da perspectiva acadêmica histórica, essa declaração é uma asneira  — afirma Kansteiner.