OPERAÇÃO CAIFÁS

Participantes da prisão do bispo de Formosa devem ser excomungados, acredita bispo-auxiliar-emérito de Brasília

Em texto encaminhado aos bispos da Igreja Católica, de acesso restrito e obtido com exclusividade…

Em texto encaminhado aos bispos da Igreja Católica, de acesso restrito e obtido com exclusividade pelo Mais Goiás, bispo- auxiliar-emérito de Brasília Dom João Evangelista Martins Terra, 93, crê em excomunhão automática de católicos que denunciaram religiosos à Operação Caifás. A ação, que apurou desvio e lavagem de dinheiro da Igreja Católica em Formosa-GO, foi desenvolvida após denúncia de fiéis ao Ministério Público Estadual. Os desvios aconteciam desde 2015, segundo MP.

Para religioso, denunciadores ou pessoas que provocaram e cumpriram a prisão do bispo Dom José Ronaldo — maior autoridade da Igreja Católica de Formosa e região — estão automaticamente excomungados. Com título “Uma nova Questão Religiosa no Brasil”, o bispo que renunciou do mundo episcopal em 2004 usa os sete livros do Direito Canônico para embasar o texto de 10 páginas.

Estudioso bíblico, autor de livros sobre a biografia da bíblia, religioso já trabalhou no L’Osservatore Romano, jornal do Vaticano, junto ao cardeal Joseph Ratzinger, hoje papa emérito da Igreja Católica. Dom Terra confirmou a autoria do texto, e se mostrou surpreso pelo vazamento da informação. “Esse conteúdo é de circulação exclusiva entre os bispos. De onde você recebeu? Não fui eu quem lhe mandou! De todo modo, entre em contato comigo em dez minutos”, disse antes de desligar o telefone direto do gabinete que ocupa, na Casa do Clero de Brasília. Ele não atendeu mais as ligações da Reportagem.

No texto, Dom Terra reitera transcorre o misto opinativo e argumentativo, com base nas escrituras religiosas e com base no Direito Canônico.

“Pilatos foi muito mais honesto que esses fajutos juízes goianos. Pelo menos Pilates teve a hombridade de declarar que ‘não via crime algum em Jesus’. Teve a coragem de saber ‘qual a verdade.’ Coisa desconhecida e desprezada pela justiça goiana, que despreza a verdade,” descreve Dom Evangelista Martins Terra.

Para ele, A Justiça Comum de Goiás feriu um acordo entre a o governo do Brasil e a Santa Sé, quando autorizou a investigação dentro da Igreja Católica. Ele cita o Estatuto Jurídico da Igreja Católico, aprovado em 2010, que limite à Igreja Católica “salvaguardar o patrimônio eclesiástico”.

“Alguns párocos vivem amasiados, são dependentes de droga, irresponsáveis; não celebram nos dias de semana, não rezam, não celebram a liturgia das horas. Dom Ronaldo tentou recuperá-los para Cristo. Mas eles contra reagiram. Atropelaram o direito eclesiástico. Apelaram para o direito civil. E nesse momento ficaram automaticamente excomungados. De acordo com (o segundo artigo do) cânone 1370, quem leva o bispo ao tribunal civil fica automaticamente excomungado (pena latae sententiae)”, descreve.

Em texto, envolvidos em prisão, que Dom Terra define como agressão ao bispo de Formosa, são excomungados de forma automática

O bispo-emérito continua: “Alguns leigos facultosos mamavam verozmente (sic.) nos bens da Diocese. Eles e alguns Párocos irresponsáveis depredaram a Diocese comprando alguns juízes e policiais, pagos nababescamente para corromper secretários venais, orientando-os a manipular diariamente, durante dois anos, os documentos da Cúria Diocesana, e ensinando as tricas e chicanas judiciais para caluniar e denegrir o Bispo e os Padres honestos. Durante dois anos um sistema jurídico e policial solerte adestrou padres e leigos corruptos a saturar a internet de calúnias vis contra o Bispo e os fiéis honestos”.

No penúltimo parágrafo, o religioso arremata: “Quero recordar aos sacerdotes, leigos, juristas e policiais responsáveis (irresponsáveis) pela prisão do Bispo de Formosa e pela profanação da ‘Semana Santa’, aviltando a imagem da Igreja Católica, que estão automaticamente (latae sententiae) excomungados.”
E encerra: “Lanço a excomunhão a todos os que foram responsáveis e a todos os membros de suas famílias, esposas e filhos, na esperança de que se arrependam, se convertam e reparem suas falcatruas”.

RELEMBRE
A operação, batizada de Caifás, foi deflagrada pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO), em Formosa, Posse e Planaltina, com objetivo de desarticular uma associação criminosa que desviava recursos da cúria, administração central, da Diocese de Formosa e de algumas paróquias ligadas a ela

Clérigos foram presos sob acusação de desvio de R$ 2 mi da diocese de Formosa. Operação foi deflagrada em março (Foto: reprodução)

em outras cidades. Segundo MP, pelo menos R$ 2 milhõesforam desviados da Igreja Católica.

 

À época, dos 13 mandados de prisão requeridos, nove foram autorizados, os quais somam-se aos 10 mandados de busca apreensão executados. Segundo informações da assessoria de imprensa do MP, nas residências inspecionadas, foram apreendidos dinheiro em espécie, joias e relógios entre outros objetos de valor, os quais seriam frutos das condutas criminosas.

No dia 17 de abril, o bispo de Formosa Dom José Ronaldo Ribeiro teve alvará de soltura expedido após decisão unânime da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), que realizou nova análise do processo seguindo orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A decisão do colegiado foi comunicada pela relatora do processo, desembargadora Carmecy de Oliveira.

RETORNOS
A Assessoria de Imprensa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) não atendeu aos telefonemas do Mais Goiás.

Presidente da Associação dos Magistrados de Goiás (Asmego), Wilton Müller avaliou que as declarações de Dom João Terra são movidas de emoção. “O texto traz uma carga de paixão. É notável que o bispo tenta desqualificar a Justiça, mas não apresenta argumentos. No lugar disso, adjetiva juízes e o Judiciário”. Müller ainda lembra quero Judiciários é a porta de entrada para atender aos anseios a população, e vê a Operação Caifás como um exemplo disso.

O promotor Douglas Chegury, responsável pela investigação, lamentou: “Quero acreditar que as palavras de Dom João não representam o entendimento e tampouco o posicionamento oficial da Santa Sé, mas tão somente destilam ódio infundado e amargura frustrada de alguém que, apesar da larga e nonagenária experiência eclesiástica declarada, e todos os títulos reunidos, revela que não foi capaz de compreender na sua integralidade e simplicidade a mensagem de paz e amor do Cristo”

Durante prisão, em Formosa, bispo se mostrou surpreso, ao promotor Douglas Chegury (Reprodução: MP-GO)