Comportamento

Política vira divisor de águas até em aplicativos de paquera

Aplicativos de encontros não são novidade para ela. Foi neles que conheceu seu último namorado…

Aplicativos de encontros não são novidade para ela. Foi neles que conheceu seu último namorado e, ao fim desse relacionamento, voltou a acessá-los. Recriando seu perfil, escolheu fotos recentes e escreveu o de sempre: mãe, advogada, aquariana, fã de arte e viagens.

Após alguns matches, um encontro promissor. Eis que, no meio da conversa, Guta (ela prefere não revelar o nome completo) descobriu estar diante de um líder carioca do Movimento Brasil Livre (MBL). Para ela, que considera o impeachment de Dilma Rousseff um “golpe descarado”, o encontro virou desencontro.

— Nossas descrições não falavam em política, e o assunto não surgiu no papo on-line. Se soubesse antes, não iria. Literalmente, não houve diálogo — diz a advogada, de 37 anos.

Desde então, ela mudou sua descrição no aplicativo. Acrescentou dois itens: “de esquerda” e “feminista”.

— Resolvi me posicionar. Não era uma questão importante, mas agora é preciso estar claro — afirma. — Tem cara que fica mais a fim, mas tem outros que acham que eu vou pagar a conta. (Risos.) Nos aplicativos tem de tudo, tem que saber usar.

Um passeio por apps de paquera como Tinder e Happn indicam que o comportamento de Guta é uma tendência. Nas descrições dos perfis, “Adoro cinema” e “Busco alguém para rir junto” agora dividem espaço com “Foi golpe”, “Primeiramente, fora Temer” e, do outro lado do espectro, “Se for petista, tchau” e “Petralha? Nem perca tempo”.

Usuários dos serviços argumentam que se trata de um filtro muito útil, antecipando questões que talvez surgissem apenas num encontro presencial. No Brasil de hoje, onde os opostos se afastam e ai de quem ficar no meio, ter afinidade ideológica pode ser fundamental para o sucesso de um relacionamento.

“MATCH” IDEOLÓGICO

O publicitário Marcos Teixeira, que trabalha com redes sociais desde que elas surgiram, comenta que temas sensíveis como política sempre estiveram presentes na busca virtual por um par, mas de maneira mais discreta:

— Antes, era de uma forma mais leve. Surgiam coisas relacionadas a feminismo ou vegetarianismo, por exemplo. Depois do impeachment, começaram a aparecer os famosos #foratemer. Hoje, ideologia contrária entrou na lista do “Não estamos dispostos a tolerar”. Acredito que isso ocorra por desgastes em conversas prévias no aplicativo ou na hora do date.

Num grupo fechado do Facebook dedicado a Tinder e afins, com cerca de cem participantes, as opiniões variam. A maioria até considera declarações políticas um bom filtro, mas há quem ache que “só o fato de se expor neste contexto denota radicalismos, e desanima total”. Outros dizem que, na prática, nem é preciso escrever nada. Haveria uma clara segmentação visual nos perfis, em selfies que seriam “de esquerda” e “de direita”: Machu Picchu x Miami; bloco de carnaval x piscina do Fasano; cerveja x champagne. “Vale um estudo!”, brinca um deles.

Por falar em imagem, Raphaella Avena aparece de arma em punho em seu perfil do Happn, do qual é usuária esporádica. Na descrição, a dona de uma empresa de marketing escreve: “Meu posicionamento político é de direita. Amo gente inteligente, detesto feministas e não curto nada riponga.”

— Sou direta para evitar surpresas, e minha sinceridade faz muito sucesso com a ala masculina — conta. — Eles dizem: “Finalmente, uma mulher que não é feminista!”

A psicóloga Marina Simas, consultora de Relacionamento do Match Group LatAm, que é responsável pelo site Par Perfeito e pelo Tinder, ressalta: por incrível que pareça nesta Era das Bolhas, o amor pode surgir justamente das divergências.

— Precisamos reaprender a ter abertura, a escutar, conhecer o outro — diz Marina. — Afinal, por mais que haja afinidade, haverá conflito. Casais, assim como os políticos profissionais, precisam aprender a lidar com a diferença.