Presidente da comissão de Direito Internacional da OAB avalia falas de Bolsonaro sobre China
Bolsonaro insinuou criação do vírus nesta semana, mas em outras várias ocasiões ele fez ataques ao país
O presidente Bolsonaro (sem partido) mais uma vez fez insinuações contra a China, na quinta-feira (6). À época, ele disse que o vírus teria sido criado em laboratório e falou em “guerra química”, algo já descartado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A fala, segundo a direção do Instituto Butantan, afeta a importação de insumos para a fabricação de vacinas contra a Covid-19. A presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB-GO, Fernanda Siqueira de Almeida, vê a situação como cortina de fumaça.
“Não tem muita novidade nesse comportamento do presidente. A gente deduz que ele esteja fazendo para desviar a CPI da Covid, no Senado. É mais uma manobra política”, lamenta.
Ela lembra que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, já se reúne com a embaixada da China, junto com o chanceler Carlos França, para tentar apagar o fogo e manter os insumos para a produção da vacina CoronaVac. “Agora temos que esperar para ver se teremos uma retaliação com a China. Não sabemos o que será, temos que aguardar.”
Butantan
Vale lembrar, o próprio diretor do Butantan, Dimas Covas, disse na quinta: “Todas as declarações neste sentido têm repercussão. Nós já tivemos um grande problema no começo do ano e estamos enfrentando de novo esse problema.”
Ainda de acordo com ele, “embora a embaixada da China no Brasil venha dizendo que não há esse tipo de problema, a nossa sensação de quem está na ponta é que existe dificuldade, uma burocracia que está sendo mais lenta do que seria habitual e com autorizações muito reduzidas e volumes. Então obviamente essas declarações têm impacto e nós ficamos à mercê dessa situação”.
E ainda: “Pode faltar [insumos]? Pode faltar. E aí nós temos que debitar isso principalmente ao nosso governo federal que tem remado contra. Essa é a grande conclusão.”
Discursos contra a CoronaVac
Além da própria China, a vacina CoronaVac, produzida pelo país em parceria com o instituto Butantan, também foi alvo de declarações comprometedoras. Em julho passado, durante transmissão ao vivo, o presidente ironizou a CoronaVac.
“Se fala muito da vacina da Covid-19. Nós entramos naquele consórcio lá de Oxford. Pelo que tudo indica, vai dar certo e 100 milhões de unidades chegarão para nós. Não é daquele outro país não, tá ok, pessoal? É de Oxford aí”, disse à época.
O gesto foi repetido em agosto. “E o que é mais importante nessa vacina [se referiu ao acordo com a Fiocruz], diferente daquela outra que um governador [João Doria, de São Paulo] resolveu acertar com outro país, vem a tecnologia pra nós.”
Em outubro, ele desautorizou o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que anunciou acordo de compra de 46 milhões doses da CoronaVac. “Já mandei cancelar, o presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade.”
Segundo ele, posteriormente, não poderia comprar uma vacina antes do registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) porque a população brasileira não seria “cobaia de ninguém”. Um dia depois, disse que não compraria vacina com origem Chinesa, por conta do “descrédito muito grande” do país. “A da China nós não compraremos, é decisão minha. Eu não acredito que ela transmita segurança suficiente para a população”, emendou.
Mais tarde, ele comemorou a suspensão de testes da CoronaVaca, após a morte de um dos voluntários. “Mais uma que o Jair Bolsonaro ganha.” Mais tarde, soube-se que a causa não tinha relação com o imunizante. Ele também criticou a eficácia baixa.
Outros episódios
Os filhos do presidente Bolsonaro também não poupam declarações contra o país asiático. O deputado federal Eduardo Bolsonaro também já acusou a china de espionagem pelo Twitter, em novembro passado. A embaixada, reagiu de forma dura. “Totalmente inaceitável.”
Em outras ocasiões, ele também fez insinuações sobre o vírus. “Quem assistiu Chernobyl vai entender o que ocorreu. Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa. Mais uma vez uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas que salvaria inúmeras vidas. A culpa é da China e liberdade seria a solução”, disse em março de 2020.
A embaixada se manifestou dizendo que Eduardo contraiu um “vírus mental”. O então presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia, pediu desculpas a China.
Maior parceiro comercial
A China é o maior comprador de Soja do Brasil, além de carne, minério de ferro, açúcar e celulose. O presidente Bolsonaro comumente reforça uma “interdependência” entre os países.
Contudo, em reportagem da BBC, de novembro passado, o diplomata aposentado Roberto Abdenur, que atuou como embaixador em Pequim (1989 a 1993) e nos Estados Unidos (2004 a 2006), relatou que o governo de Xi Jinping tem buscado novos fornecedores.
“O Brasil está metendo os pés pelas mãos de maneira desarrazoada e contraproducente. Eduardo Bolsonaro fala como deputado, como filho do presidente e como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara. É de uma imensa irresponsabilidade, agora ameaçando causar danos graves aos interesses do Brasil com a China”, afirmou Abdenur.
Ainda segundo ele, é ilusão pensar que a China vai continuar dependendo eternamente das nossas importações. “Há outros países no mundo. A China está financiando projetos agrícolas importantes na África, em regiões que têm um clima e solo parecidos com o Brasil, está em entendimentos também para aumentar a produção de soja na Rússia e na Ucrânia.”