Técnica de tortura de quebrar dedo de presos é detectada em cinco estados
Ministério da Justiça diz não ter confirmado casos
As audiências mal haviam começado quando o juiz Raynes Viana de Vasconcelos, titular da 1ª Vara de Execuções Penais de Fortaleza, no Ceará, informou aos funcionários que suspenderia a sequência da pauta daquele dia para verificar, pessoalmente, uma grave notícia trazida por um preso durante depoimento.
Na companhia de um promotor e um defensor público, também presentes à sessão interrompida, o magistrado seguiu para um presídio de Itaitinga, na Região Metropolitana de Fortaleza, onde 72 presos haviam sido espancados na noite anterior por agentes penitenciários. Parte tinha dedos fraturados.
“Um seriado da Netflix não mostra o que era aquilo, tá entendendo? Cena de horror. Os caras todos quebrados, todos machucados. Tortura escandalosa”, disse o defensor público, Delano Benevides de Medeiros Filho, um dos integrantes do grupo e o primeiro a detectar os feridos, conforme diz.
O flagrante feito por autoridades cearenses, no final de setembro do ano passado, concretizou as suspeitas que rondavam o sistema prisional do estado havia anos e que apontam para uma possível rotina de violência contra presos, que inclui uma técnica específica para quebra de dedos.
“Eles usam aqui a posição chamada de ‘procedimento’. O detento senta no chão, com pernas próximas ao corpo, e cruzar os dedos em cima da cabeça. Eles [agentes] batem com a tonfa [cassetete] nos dedos que estão cruzados em cima da cabeça. Isso provoca lesões. Dependendo da força com que se bate, provocam lesões graves, inclusive com a quebra do osso”, diz o promotor Humberto Ibiapina Lima Maia, do Nuinc (Núcleo de Investigação Criminal).
Essa técnica de quebra-dedos não é, porém, exclusividade do Ceará. Segundo Bárbara Suelen Coloniese, perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, ela já foi identificada também no Rio Grande do Norte, Roraima, Amazonas e Pará e coincide com locais de atuação da FTIP (Força Tarefa de Intervenção Penitenciária), espécie de Força Nacional para atuação em presídios.
“Fizemos também algumas visitas em presídios federais, e a gente sabia quando os presos eram de um desses estados pelas mãos, porque tinha muita gente com os dedos quebrados. Quando a gente chamava para fazer entrevistas e via os dedos, eles contavam: ‘eu sou do Ceará’, ‘do Pará’, ‘do Amazonas’”, diz ela.
O Rio Grande do Norte é apontado como um dos laboratórios do chamado “procedimento”. Surgiu após o “Massacre de Alcaçuz”, em 2017, quando essa equipe de intervenção federal foi enviada ao estado para colocar fim à guerra de facções que havia deixado 26 mortos.
Naquele mesmo ano, após o surgimento denúncias de maus-tratos, Luís Mauro Albuquerque Araújo, apontado com um dos grandes nomes da força-tarefa e um dos idealizadores do ‘procedimento’, compareceu a uma audiência pública para dar explicações.
“Quando se bate nos dedos, né? Quando falam isso, não é para [não] deixar marca não, porque deixa marca. É para ele [preso] não ter mais força para pegar uma faca e empurrar num agente. É para não ter mais força para jogar pedra”, disse ele, já nomeado secretário de Justiça e Cidadania do RN.