Educação

Universitários que perderam bolsas ganham apoio para seguir com estudos

No início do mês, um bloqueio de R$ 413 milhões no orçamento das universidades federais colocou em risco os auxílios a estudantes mais pobres

Greve dos administrativos da Educação começou no dia 2 de outubro (Foto: Agência Brasil)
Greve dos administrativos da Educação começou no dia 2 de outubro (Foto: Agência Brasil)

O estudante de Ciências Sociais Mateus Santos, de 24 anos, vive entre altos e baixos. Do chão de uma obra abandonada da capital paulista, onde passou alguns natais na adolescência sem família reunida, conseguiu acessar uma vaga na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Nesse mês, quase viu seu esforço ir por água abaixo, com a ameaça de não mais receber a bolsa de assistência estudantil do Ministério da Educação (MEC) que lhe garantia a permanência na faculdade. Mas a esperança reacendeu: uma brasileira, que mora na Inglaterra há nove anos e sequer o conhecia, soube de sua história, solidarizou-se e doou R$ 1 mil a Mateus para gastos básicos, junto a um pedido para que ele não desistisse da educação.

— Eu não tinha nada, já tinha chorado demais porque foi muito difícil chegar até aqui. Desistir seria ainda mais. Quando a moça me procurou, fiquei incrédulo. Agradeci centenas de vezes e mandei o comprovante de que tinha pago com o dinheiro dois meses de aluguel. Pelo menos sigo com um teto — conta.

Movimentos de solidariedade, como o da brasileira distante que ajudou Mateus, vêm aplacando o desespero de alguns dos corações de alunos vulneráveis que conseguiram acessar o seleto grupo de universitários no Brasil, mas que, em poucos dias, viram que as condições de se manterem estudando podiam acabar.

No dia 6 desse mês, as universidades federais anunciaram que tiveram R$ 413 milhões de seu orçamento bloqueados e que não conseguiriam pagar nem mesmo os auxílios a estudantes mais pobres. No dia seguinte, o MEC informou que também não teria verba para outras bolsas, até que o orçamento fosse liberado, o que aconteceu dez dias depois. Aquele era o auge de uma crise orçamentária no setor, gestada ao longo do governo de Jair Bolsonaro.

Segundo o antropólogo Bernardo Conde, professor da PUC-Rio, a ausência do Estado em questões assistenciais é, na maioria das vezes, o que estimula a empatia de terceiros. A poucos dias de acabar o ano, o espírito natalino reforça a cordialidade e o afeto.

— Apesar de sermos uma sociedade que prega o sucesso individual, defendemos a ideia de amizade, da estrutura familiar e do afeto. Tudo o que toca o coração, seja por uma história de vida parecida, ausência do Estado ou por entender as particularidades de cada indivíduo, cria uma rede de assistência para garantir direitos. Essa mobilização, quando acompanhada de reivindicações por uma vida mais justa a todos, pode ser enxergada como um ato político — afirma Conde.

No caso de Mateus, o contato com o seu “anjo da guarda” — alcunha usada pelo estudante para se referir à mulher que o ajudou e que não deseja ser identificada na reportagem — aconteceu via e-mail, após ela ler uma reportagem do Globo contando a história do jovem, que estava prestes a trancar a matrícula. Em poucas mensagens, a desenvolvedora de web, natural de Brasília, pediu o Pix de Mateus e fez o depósito.

— Eu sempre fui muito privilegiada, mas lembro do sufoco que meus amigos passavam na Universidade de Brasília, onde estudei. Está chegando o Natal, é cruel ver pessoas precisando do mínimo e não ter uma fonte de apoio — disse a mulher.

Entre amigos

Mateus precisou de um empréstimo de R$ 4 mil, que ainda paga, para sair de São Paulo para Minas Gerais. Cotista, o jovem já trabalhou panfletando no trânsito, e hoje sonha em ser assistente social para auxiliar crianças apoiadas pela Vara da Família, serviço que ele não recebeu na infância.

— Eu nunca tive uma família de verdade, mas eu sempre soube que a educação ia me tirar daquela situação de miséria. Meu maior orgulho é estar onde estou hoje — relata.

Outros estudantes, vendo o desespero dos colegas, se mobilizaram para garantir um pouco de amparo a quem precisa. O centro acadêmico de História da Unifesp, por exemplo, conseguiu arrecadar R$ 2,6 mil para comprar cestas básicas para outros alunos. Com isso, ajudaram dez famílias, algumas com crianças, filhos e irmãos dos estudantes, com leite e fralda. Na UFABC, o Diretório Acadêmico contou com a ajuda de um funcionário da universidade, que é voluntário numa ONG, para conseguir ajudar 15 colegas.

— Os casos mais preocupantes foram de sete estrangeiros que não têm rede de apoio em São Paulo. Eles estavam desesperados, com medo de serem despejados, até que os auxílios foram desbloqueados — conta Martha Gaudêncio, presidente da entidade de representação dos estudantes.

Em Niterói, um estudante haitiano que não quis ser identificado, para que os pais não se preocupem com sua situação no Brasil, também só se mantém na Universidade Federal Fluminense (UFF) graças a amigos. O apoio da família não é mais possível devido à guerra civil em seu país de origem, que prejudicou a condição financeira dos pais. Fazendo curso em horário integral, renda do estudante, agora, é toda como bolsista.

O jovem foi contemplado com a moradia estudantil, que garante a ele um quarto e alimentação no bandejão da UFF. Além disso, receberia R$ 622 da Bolsa Mérito, voltada a estudantes do exterior que apresentam notável rendimento acadêmico após o primeiro ano de graduação. Mas ela não foi paga até agora. Com isso, chegou a ficar duas semanas sem frequentar as aulas, sem dinheiro para comprar material. Doações garantiram a ceia de Natal do haitiano.

— Sobrevivo de forma quase impossível. É muito difícil depender das pessoas. Mas se não fossem meus amigos, não sei o que seria da minha saúde mental e da minha vida aqui. Eles são minha rede de apoio — desabafa o rapaz.