Injúria e difamação

Autores de ofensas contra delegada e juíza na internet podem ser alvo de ações judiciais

Casos de violência contra a mulher ocorridos em Goiás no fim de 2018, registrados em…

Casos de violência contra a mulher ocorridos em Goiás no fim de 2018, registrados em vídeos, evidenciaram a gratuidade das agressões de homens contra suas companheiras. Dois deles tiveram, inclusive, repercussão nacional, a exemplo do espancamento da advogada Luciana Sinzimbra, em Anápolis; e o de uma outra mulher, dentro de um elevador, em Valparaíso de Goiás. As situações, que apesar de semelhantes, compõem iniciativas distintas e sujeitas a tratamentos individuais da Polícia Civil (PC) e do Judiciário, resultaram em prisão apenas nesse último caso, o que provocou a ira de internautas, que insatisfeitos, desferiram comentários ofensivos contra uma delegada e uma juíza. As atitudes, porém, podem se tornar alvo de ações judiciais reparadoras e ensejam um debate acerca dos limites da liberdade de expressão.

O volume de comentários agressivos fez com que duas entidades representativas se manifestassem em favor das agentes públicas nos últimos dias, ressaltando, inclusive as consequências jurídicas do comportamento de cidadãos na esfera digital. Na internet, ambas receberam acusações de corrupção e, entre outras, de envolvimento com um dos agressores.  O Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de Goiás (Sindepol), repudiou os ataques contra a titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), Ana Elisa Gomes Martins. Segundo a nota, a “internet não é território sem lei e todos os procedimentos adotados pela delegada em relação ao caso de Sinzimbra foram corretos”.

(Reprodução/Internet)

A Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), em defesa da Juíza Ítala Colnaghi Bonassini da Silva – que entendeu não haver elementos para pedir a prisão do piloto e filho de um ex-prefeito de Anápolis Victor Junqueira, agressor da mencionada advogada –, afirma que as ações de um magistrado devem ser respeitadas. “É irrefutável o respeito à pessoa da juíza. Contra decisão judicial cabem os recursos previstos em lei e não o ataque leviano à conduta da juíza séria, competente e independente”. A entidade ainda destacou que “difamação e calúnia são crimes contra a honra e que defenderá Ítala Colnaghi da forma como for necessária, com ações judiciais para apurar a responsabilidade cível e penal dos que atacaram duramente, sem provas a conduta da magistrada”.

Esta redação tentou falar com Ana Elisa, mas as ligações não foram atendidas. A comunicação do Tribunal de Justiça de Goiás afirmou que Ítala não irá se pronunciar.

Liberdade x ofensa

O advogado especialista em direito digital e presidente do Instituto Goiano de Direito Digital (IGDD), Rafael Maciel, fez uma análise desses casos para o Mais Goiás. Ele explica que, com o celular, é muito fácil proferir ofensas. “Há uma pesquisa em Harvard, nos EUA, que confirmou a existência de uma sensação de prazer quando internautas recebem curtidas em publicações nas redes sociais. A pessoa vicia em querer mais likes e não toma cuidados que, às vezes, tomaria numa vida presencial. Por não estarem fisicamente diante da pessoa ofendida, muitos se encorajam e num momento de raiva acabam dizendo coisas impensadas”.

Porém, segundo ele, que também é comentarista do Observatório do Marco Civil da Internet, publicações, curtidas e comentários – mesmo aqueles feitos por perfis falsos – são registros rastreáveis e podem ser utilizados como prova em ações reparatórias.  Na via judicial, é possível rastrear e identificar com facilidade e celeridade um autor de comentários na internet. Quando curte, compartilha, publica ou comenta de forma ofensiva na internet, a pessoa está documentando um ato ilegal. É diferente de fazer isso no boteco, onde ninguém fica sabendo. Na internet, a coisa fica online para todo mundo ver e, dependendo da situação, não há remoção completa de conteúdo. Permanece para sempre na rede, onde pode ter alcance ilimitado”.

(Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas)

De acordo com Rafael, a liberdade de expressão é delineada pela Constituição Federal (CF) e pelo Marco Civil da Internet, Lei 12.965/2014, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. “Saber o que é liberdade de expressão e ofensa é uma questão complexa. O Marco Civil delegou isso para a análise judicial. A CF garante o direito de dizer, mas há consequências. Pode-se criticar a Justiça como instituição, pedir que agressores sejam punidos, mas não pode partir para ofensas pessoais de agentes públicos. Essa é uma clara afronta do direito à liberdade de expressão. Autores podem e devem ser responsabilizados”, sublinha.

De volta ao exemplo da conversa de bar, Rafael explica a diferença entre meras conversas pessoais de interações na rede. “Se de um lado, no boteco, a conversa fica entre amigos, sem prejuízo, muitas vezes, para a pessoa ofendida, na internet é o contrário. Lá o indivíduo não tem controle da informação. É um local público em que milhares de pessoas tem acesso ao conteúdo, que pode tomar uma proporção enorme, manchando a imagem das pessoas”.

Para o advogado, a reação a conteúdos na internet deve ser pensada e tratada com cautela. “Tem que pensar antes de postar, use o bom-senso. Ofenderia mesmo uma pessoa que está na sua frente? Colocaria um outdoor ofensivo, com seu nome assinado, na frente da casa de outro indivíduo? Cada vez mais as pessoas estão buscando reparação de direito contra ofensores e o poder público não pode se eximir da função de educar as pessoas para se comportarem na rede. É uma exigência do Marco Civil. Só assim para diminuirmos esses casos e trazermos um pouco de consciência ao internauta, o que também deve reduzir as volumosas fake news”.