FURTO FAMÉLICO

Furtos de comida representam 20% das audiências feitas pela Defensoria em Goiânia

Um levantamento da Defensoria Pública de Goiás (DPE-GO) indica que 22 assistidos, de 125, passaram…

Furtos de comida e itens de higiene são maioria em mais de 3.000 ações julgadas no STF (Foto: Pixabay)
Furtos de comida e itens de higiene são maioria em mais de 3.000 ações julgadas no STF (Foto: Pixabay)

Um levantamento da Defensoria Pública de Goiás (DPE-GO) indica que 22 assistidos, de 125, passaram por audiência de custódia em Goiânia, entre de julho e outubro de 2021, por causa de prisões em flagrante decorrentes de furto famélico. Ou seja, essas pessoas furtaram para ter o que comer. Todos esses 20% já estão em liberdade.

Os números não consideram audiências de custódia ocorridas nos finais de semana, ou seja, no plantão. Segundo o defensor público Luiz Henrique Silva Almeida, titular da 4ª Defensoria Pública Especializada Criminal da Capital, inclusive, o levantamento foi realizado após a percepção de que este tipo de delito crescia, em meio a pandemia da Covid-19 e a falta de eficiência de políticas públicas e sociais por parte do governo federal.

O defensor ainda ressalta que nem todo furto vai parar na Justiça. Em muitos casos, aqueles que cometem são liberados pelos próprios donos após serem pegos. Assim, o número pode ser muito maior.

Problema social, segundo Defensoria Pública

Inicialmente, ele explica que o Superior Tribunal Federal (STF) entende que este tipo de caso deve ser arquivado. Contudo, não há norma obrigatória no Brasil para o arquivamento de crimes, quando se vê o princípio da insignificância – quando o valor do furto é tão baixo que não causa prejuízo à vítima que, nestes casos de furto famélico, normalmente são mercados e outros estabelecimentos do tipo.

“Quando casos como esse chegam ao Poder Judiciário, devemos esperar uma maior sensibilidade dos atores do sistema de justiça, para que enxerguem que não há nessas pessoas a chamada periculosidade, mas uma necessidade humana de sobrevivência”, declara.

Segundo ele, não é um problema de segurança, mas um problema social. “Não é o Direito Penal o meio adequado para tratar a questão. O direito à alimentação é previsto na Constituição e fica claro que o Estado falhou na sua missão.”

Insegurança Alimentar

Dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN) informam que insegurança alimentar no Brasil chegou a 9% no último trimestre de 2020, ou seja, 19,1 milhões de brasileiros. A última vez que houve um número tão alto foi em 2004, quando quando 9,5% da população convivia com a fome no dia a dia.

Do começa da pandemia da Covid-19 para cá, segundo relatório O Vírus da Fome se Multiplica, da Oxfam Brasil (Comitê de Oxford para Alívio da Fome), o percentual de brasileiros em extrema pobreza quase triplicou. O número subiu de 4,5% para 12,8%. No fim de 2020, eram 116 milhões de brasileiros em algum nível de insegurança alimentar.

“Não há dúvidas de que é crescente o empobrecimento da população, o que leva as pessoas a praticarem esse tipo de conduta, por completa necessidade. Temos visto pessoas revirando lixo, comprando ossos para ter o que comer.”

Ele cita, ainda, que esse tipo de caso cresce em todo o País. A cesta básica em Goiânia, em outubro, chegou a R$ 538,61, quase meio salário mínimo (R$ 1.100). Em contrapartida, levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de agosto, revelou que a cada 100 goianos, 24 vivem com até R$ 450 por mês.

Furto famélico

Ao Mais Goiás, Luiz diz que não existe a figura do furto famélico tipificado em lei, mas o furto, que é subtrair algo de alguém. Trata-se de um nome para explicar este “crime” cometido por fome, que é, na realidade, a excludente pelo estado de necessidade. “Praticou porque necessitava de alimentos ou mesmo remédios.”

Por não existir, a polícia não faz análise de insignificância. Então, não há o arquivamento de ofício do delegado. “Por isso passa por audiência. É o promotor quem analisa se continua ou arquiva.”

Desta forma, o defensor público Leonardo Stutz, titular da 1ª Defensoria Pública Especializada Criminal da Capital, analisa que a punição judicial deveria ser o último recurso adotado a essas pessoas. Ele diz que as medidas punitivas não solucionam o problema e defende que a prisão dessas pessoas não trará benefícios. Nem para a sociedade e nem para o indivíduo.